Marta Ortega rompeu com uma das regras do pai: nunca dar entrevistas. A herdeira do império Inditex falou ao WallStreetJournal (WSJ), que a chama de “arma secreta do sucesso da Zara”, sobre a sua visão do negócio e de como em criança nem sabia que os seus pais eram donos da gigante de moda — quanto mais sonharia com o seu futuro na empresa onde começou a trabalhar como vendedora de loja há 14 anos. Amancio Ortega construiu um império com alicerces que são autênticas rochas, mas é ela que agora traz uma lufada de ar fresco à Zara, criando uma nova comunidade para levar a marca a outro nível.

Agora com 37 anos, Marta conta como começou a sua carreira, precisamente na Zara, nas bases da cadeia hierárquica. Foi há 14 anos que, quando acabou a universidade, aceitou um cargo de assistente de vendas numa Zara na King’s Road, em Londres, e admite que não foi fácil. “Na primeira semana pensei que não ia sobreviver”, recorda ao WSJ citada pela revista Hola! que faz capa com a herdeira sobre a mesma entrevista. “Mas depois desenvolve-se uma espécie de vício na loja. Algumas pessoas nunca querem sair. É o coração da empresa”, admite dizendo que todas as semanas visita lojas da marca, a pedra basilar da cadeia.

Hoje em dia, sem nenhum cargo executivo no grupo nem nenhuma posição oficialmente definida, ocupa sim um importante papel no departamento criativo sobretudo na parte visual e na gestão da imagem da Zara, dizendo que estará sempre onde a empresa mais precisar de si.

Marta Ortega considera fundamental o papel que uma marca passa cá para fora, e no caso da Zara o fenómeno é curioso, uma vez que a gigante de roupa não aposta em publicidade impressa focando-se antes na divulgação em loja ou nas redes sociais. Também os editoriais são dignos de grandes casas de moda — Kate Moss já foi uma das modelos envolvidas —, e disso Marta não quer abdicar tendo chamado até para campanhas fotógrafos conhecidos da praça como Steven Meisel, David Sims, Craig McDean e Zoë Ghertner.

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Pablo Isla, atual presidente da Inditex, afirma ao WSJ que o papel de Marta se vai tornar mais evidente quando a empresa crescer cada vez mais na próxima década no que diz respeito a assuntos relacionados com a sustentabilidade. Já Marta, confessa ter desejos de se manter próxima do produto, assumindo que “sempre foi isso que o pai fez”, não querendo assumir um papel formal na liderança.

Em jovem, Marta não sabia que o seu pai era dono do império que um dia será seu. Foi, aliás, uma amiga que desvendou o mistério quando lhe perguntou porque é que as roupas que vestia eram sempre da Zara. Marta Ortega não sabia e foi nesse momento que rematou: “A sério? É essa a marca? A minha mãe compra-me tudo a partir daí”. A curiosa foi Tamara Sánchez, que agora ocupa o cargo de chefe de departamento de malhas da Zara, e que era em criança colega de Marta no ballet. Foi nesse momento que Marta Ortega — que até aí só sabia que os pais viajavam muito e se dedicavam à moda — percebeu que eram donos de um dos maiores e mais prósperos negócios têxteis do mundo.

Na entrevista, Marta admite que a Zara é mais que uma empresa de fast fashion, apesar do seu modelo de resposta quase imediato às necessidades do consumidor, querendo atenuar cada vez mais a linha que separa o vestuário de luxo e o das massas.

“Não deviam ser poucos os que podem ter acesso a alta qualidade. Queremos que todos os nossos clientes tenham a oportunidade de desfrutar”, diz Marta, que é fã de alta costura, mas cujo armário continua a ser maioritariamente povoado por peças da marca da casa. A Zara lança coleções limitadas bianuais premium, a SRPLS, com preços mais elevados que o habitual, mas com qualidade e materiais superiores aos das linhas ditas normais.

“Marta é como uma voz oculta da marca”, afirma Fabien Baron, diretor criativo que trabalhou com a Zara (e com Marta) no lançamento da linha de cosméticos. “Ela traz uma camada de sofisticação à marca que talvez não tivesse antes… O seu pai construiu o negócio e ela está a construir uma comunidade que vai ajudar a empresa a atingir outro nível”.

O sucesso de uma não-hierarquia

Ortega, um dos homens mais ricos do mundo, é o fundador e acionista maioritário da Inditex, um dos conglomerados mais conhecidos da indústria da moda que possui sete empresas, incluindo Massimo Dutti, Bershka ou Zara. Mas apesar do estatuto, o empresário de 85 anos quase aposentado do seu cargo executivo, insiste em continuar a trabalhar praticamente todos os dias. Pai e filha trabalham no mesmo escritório, na Corunha, numa sala ampla com mesas partilhadas junto ao departamento de Mulher da Zara, rejeitando ocupar um lugar num escritório privado na grande sede da Inditex.

Durante a entrevista, Marta Ortega faz questão de falar várias vezes da estrutura não hierárquica de Zara, que cria uma dinâmica entre todos os que fazem parte da empresa. “Não se trata de uma pessoa fazer um bom trabalho. Somos uma equipa. Acho que o meu pai nunca foi o melhor em nada em particular, mas foi o melhor em encontrar a melhor pessoa para fazer cada coisa”, disse.

Foi aos 13 anos que Amancio Ortega se estreou no mundo da moda, quando começou a trabalhar numa camisaria local. Com 27 anos, começou o próprio negócio têxtil com a falecida mulher Rosalía Mera, e em 1975 nasce a primeira loja Zara, tendo a internacionalização tardado a acontecer com a primeira loja fora de Espanha a abrir apenas em 1988, no Porto.

A Zara está presente em 96 países, distribuída por 1854 lojas — algumas delas em coexistência com marcas de luxo como a Louis Vuitton, Chanel ou Dior, sobretudo nas grandes avenidas cosmopolitas. Por ano, a Zara vende mais de 450 milhões de artigos de roupa feminina — em 2020, as receitas líquidas consolidadas da Zara foram de 16,7 mil milhões de dólares (14 mil milhões de euros).

“Penso que a estadia em La Coruña tem sido parte do sucesso da empresa. Dá-nos uma perspetiva diferente”, explica Marta, referindo que grande parte da operação logística acontece em La Coruña. “Penso que temos a nossa própria identidade. E temos vindo a desenvolver novos produtos a partir do zero há muito tempo.”

A rapidez de reação da marca é um dos segredos do sucesso e que a coloca na dianteira das suas concorrentes diretas — como a H&M e a Topshop —, ainda que essa rapidez, garante Marta, não faça perder a qualidade e brio do processo.  Há artigos a serem criados em apenas seis semanas, por exemplo, enquanto que outros demoram meses.

Marta Ortega é uma das vozes ativas também na equipa de design, é ela que vai dando dicas sobre algumas das tendências em que a Zara deveria ou não seguir, incentivando as equipas de design a criar “peças emocionais”.

No fundo, Marta quer fazer da Zara não um espelho amplificador de tendências, mas uma marca com uma identidade própria. Com a capacidade de produção que a gigante tem, surgem por vezes acusações de plágios — como aconteceu em 2011 com Christian Louboutin, por exemplo, que acabou a perder a ação judicial. “Procuramos a melhor qualidade, o melhor design. Respeitamos o trabalho das pessoas”, diz Marta Ortega, que salienta que mais de 50% da empresa está envolvida, até certo ponto, na conceção do produto. “Penso que temos a nossa própria identidade. E temos vindo a desenvolver novos produtos a partir do zero há muito tempo”.

Apesar da grandeza do império e do eventual peso que possa carregar consigo por ser a herdeira, Marta Ortega não parece preocupada e vive o seu dia a dia sem peneiras e na tentativa de levar mais longe a empresa. “Obviamente que somos uma grande empresa, mas sinto que não é assim tão grande. Não sei nada sobre os grandes números, nem sequer queremos falar sobre isso, no nosso trabalho quotidiano não é algo que nos interesse”, conclui.