A Procuradora-Geral adjunta Fernanda Pêgo, — que ordenou a uma procuradora que investigasse dois jornalistas e um coordenador da PJ por violação do segredo de justiça — admitiu, por escrito durante a fase de instrução do caso, que também ela costuma falar com jornalistas. Aliás, entre esses jornalistas que a magistrada diz receber contactos profissionalmente estão os arguidos neste processo: o subdiretor da Sábado, Carlos Rodrigues Lima, e o jornalista e editor da TVI, Henrique Machado.

Chamada a testemunhar na fase de instrução do processo, liderada pelo juiz Carlos Alexandre, a também diretora do Departamentos de Investigação e Ação Penal de Lisboa, que investigou o caso, respondeu por escrito. E não só admitiu, como deu os nomes dos jornalistas que a costumam contactar profissionalmente.

Fui e sou contactada por jornalistas que conheço e outros que não conheço, por telefone, mensagem ou e-mail, habitualmente quando estão a ser noticiadas operações e quando são proferidos despachos finais em processos que geram interesse jornalístico”, escreveu.

A magistrada não se recorda se foi contactada no caso que levou a este processo, que se deveu à divulgação de buscas no Benfica no caso e-Toupeira, mas recorda um contacto concreto com Carlos Rodrigues Lima meses antes. Contacto este feito em fevereiro de 2018, na sequência de uma publicação no blogue Mercado de Benfica — onde o alegado hacker Rui Pinto despejava informação confidencial. “Fui alertada por mensagem por esse sr. jornalista e que motivou troca de mensagens e, pelos menos, um telefonema”, admitiu.

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A procuradora tem reiterado que a procuradora a quem delegou o processo por violação do segredo de justiça, Andrea Marques, não precisava de uma autorização judicial para mandar vigiar os jornalistas.

A Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, chegou a mandar instaurar um processo de averiguação destinado a apurar se o Ministério Público exorbitou as suas competências, mas o caso acabou arquivado pelo Conselho Superior do Ministério Público com dois votos contra. O CSMP considerou que as procuradoras não violaram deveres funcionais. Entre os argumentos está o da professora Maria João Antunes, que referiu, na sua declaração de voto, “que o comportamento das duas magistradas é suscetível de consubstanciar violação do dever funcional do exercício das funções no respeito pela Constituição e pela lei, sem prejuízo de concluir, no que se refere às vigilâncias policiais com registo de imagem, que o processo de averiguações deve ser arquivado, por prescrição da infração disciplinar”.

Agora, no processo, o juiz Carlos Alexandre acabou por deixar claro que nas últimas semanas se apercebeu que os jornalistas telefonam a “muita gente”, o que não significa que essas pessoas que lhes dão informações sejam fontes policias ou judiciais.

Decisão instrutória marcada para 13 de outubro

O depoimento da Procuradora-Geral adjunta e outra informação em segredo interno, que foi entretanto junto ao processo, levou o juiz Carlos Alexandre a adiar para 13 de outubro a decisão sobre se o caso deve ou não seguir para julgamento, dando assim tempo à defesa para se pronunciar.

Na sessão desta terça-feira o subdiretor da Sábado, Carlos Rodrigues Lima, e o jornalista e editor da TVI Henrique Machado decidiram prestar declarações. “É evidente que tive acesso a alguma informação, mas não me parece a mim que seja evidente que eu soubesse ou tivesse que saber que o dito inquérito estava em segredo de justiça, sendo certo que a regra é a publicidade”, declarou Henrique Machado.

O jornalista da TVI referia-se à notícia que publicou às 08h51 de 6 de março de 2018 no site do Correio da Manhã, onde à data trabalhava, quando ainda decorriam as buscas na SAD do Benfica no âmbito do processo e-Toupeira. Notícia que foi sendo atualizada ao longo do dia com mais informações e cuja versão final, que o leva a estar ali sentado como arguido pelo crime de violação do segredo de justiça, nem sequer é a notícia inicial — explicou o jornalista, que decidiu prestar declarações naquela que seria a sessão em que o juiz de instrução iria anunciar a sua decisão depois de analisada a prova do processo.

No final, a procuradora Andrea Marques perguntou-lhe se sabia qual era a informação prestada inicialmente e se o título podia ser alterado. Machado lembrou que desde então já tinha produzido centenas de notícias, não podendo afiançar qual era a versão inicial, e respondendo que também é possível atualizar o título do texto.

Machado recordou também que, na verdade, o processo e-Toupeira não “era novo”. Já tinha aliás sido “amplamente noticiado”.” Já conhecíamos parte da atualidade ali em causa”, disse, defendendo que dentro do Ministério Público parecem existir duas fações: a que “diaboliza” a comunicação e a que “alinha com a doutrina do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”, que considera que a informação prevalece e que quem viola o segredo de justiça é a fonte (que não sendo revelada leva ao arquivamento do processo).

Antes de passar a palavra a Carlos Rodrigues Lima, subdiretor da Sábado, o juiz Carlos Alexandre aproveitou para mandar um recado. Diz que já fez vários pedidos para instalarem um sistema de gravação vídeo naquela sala do primeiro piso, do edifício B, mas que apenas tem sistema de gravação de som.

Como o caso dos dois jornalistas vigiados se tornou uma guerra entre o Ministério Público e a PJ

Diligências feitas ao “estilo Copcon”, acusa jornalista

Carlos Rodrigues Lima lembrou que, além de ter sido seguido ao “estilo Copcon [órgão liderado por Otelo Saraiva de Carvalho, acusado de emitir mandados em branco e dar ordens sem qualquer assinatura judicial]”, viu ser levantado o sigilo bancário da sua conta quando “a palavra corrupção” nem sequer consta do pedido para esse levantamento.

Se me recordo tem por base uma denúncia anónima a dizer que a revista Sábado ganhava dinheiro a denunciar processos em segredo de justiça através de uma plataforma para assinantes”, afirmou, lembrando que assim todos os jornais com conteúdos pagos online deviam ser investigados.

O jornalista, que está acusado de três crimes de violação de segredo de justiça (além do e-Toupeira, os mails do Benfica e o Lex), também estranhou ser arguido por causa de uma notícia que escreveu com mais dois colegas, que nem sequer foram ouvidos no processo, muito menos considerados suspeitos do mesmo crime.

No despacho de acusação do Ministério Público, na parte dos arquivamentos, a procuradora diz que se provou, neste caso da notícia em coautoria, que a relação com a fonte era de Carlos Lima. Em relação à alegada venda de notícias com informação em segredo de justiça, a denúncia anónima foi arquivada.

Este processo foi o maior ataque à liberdade de imprensa dos últimos anos”, afirmou Lima, sublinhando o manifesto interesse público do caso e-Toupeira, não só por envolver um grande clube, mas também funcionários judiciais.

Carlos Rodrigues Lima lembra mesmo outros processos, como os casos de apreensão de droga em que estão presentes responsáveis da polícia e, por vezes, até políticos, e em que nunca se põe em causa o segredo de justiça. “Nós jornalistas não podemos ficar reféns dos comunicados da Procuradoria. Não somos papagaios do Ministério Público”, afirmou.

Henrique Machado está acusado de um crimes de violação do segredo de justiça, Carlos Rodrigues Lima de três e Pedro Fonseca, coordenador da PJ, além dos três crimes de violação do segredo de justiça, está também acusado de um crime de abuso de poder e outro de falsidade de testemunho.

“É tudo legal, é tudo legal. Então nós não podemos seguir jornalistas na via pública?”. A reação da diretora do DIAP

Os dois jornalistas avançaram mesmo assim com uma queixa crime contra as procuradoras Ana Cristina Marques, que assina a acusação, a procuradora coordenadora Auristela Pereira e contra a Procuradora-Geral adjunta Fernanda Pêgo por terem exorbitado as suas competências. Carlos Lima também moveu uma queixa contra os polícias, que do seu ponto de vista seguiram ordens ilegais.