Apesar de não ser ilegal recorrer a empresas offshore, “há quase sempre” negócios ou relações “obscuras” envolvidas. Quem o diz é Susana Coroado, presidente da Transparência e Integridade, em reação aos Pandora Papers, a nova investigação jornalística que envolve 117 países e que, tendo tido acesso a quase 12 milhões de documentos, revelou as ligações a offshores de políticos e celebridades internacionais, mas também portugueses.
Em entrevista à rádio Observador, no rescaldo das primeiras revelações relativas aos Pandora Papers, Coroado alerta para o perigo de “branqueamento deste tipo de notícias” quando se recorda que a existência destas empresas não é, em si, uma ilegalidade. “Provavelmente é isso que vamos ouvir nos próximos dias”, antecipa. “A questão é que é mais frequente essas offshores estarem associadas a evasão fiscal, criminalidade organizada, corrupção, branqueamento de capitais ou formas de contornar a lei quando a lei não permite fazer o que as pessoas querem. Normalmente, há quase sempre negócios ou relações obscuras”, garante. E dispara: “Quando se diz que as offshore não são ilegais… normalmente, os fins para que são usadas costumam ser”.
Frisando que “normalmente isso acontece para evitar pagar impostos ou para esconder a identidade do verdadeiro dono” dos ativos em questão, a presidente do organismo que defende a transparência comentou ainda os casos de políticos portugueses envolvidos mencionados nestes documentos: os ex-governantes Manuel Pinho, Nuno Morais Sarmento e Vitalino Canas.
“Aparentemente, nenhum dos três envolvidos conseguiu responder a todas as questões que o Expresso colocou”, frisa Coroado (o Expresso é, em Portugal, um dos meios de comunicação envolvidos nesta investigação promovida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação).
“No caso de Manuel Pinho, já vimos que está envolvido em várias situações, incluindo receber quase 15 mil euros por mês quando era ministro, muito pouco claras”, recorda. Nos documentos, são referidas as empresas de que o ex-ministro de José Sócrates era beneficiário — a Tartaruga Foundation, a Blackwade Holdings Limited e a Mandalay Asset Management Corp —, mas estas já faziam parte dos autos do caso EDP (ainda está em curso um inquérito-crime no Departamento Central de Investigação e Ação Penal sobre o alegado favorecimento à EDP durante os Governos de José Sócrates, com Pinho como ministro).
Em relação a Morais Sarmento, que comprou através de uma offshore uma escola de mergulho e um hotel em Moçambique — e explicou ao Expresso que a lei colocava entraves à compra de imóveis por estrangeiros –, Susana Coroado também é crítica. “A resposta de Sarmento é: eu queria investir em Moçambique e a lei não deixava. É uma racionalização das offshores para contornar a lei”, ataca.
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Na mesma entrevista, a presidente da Transparência e Integridade chega mesmo a falar de outros “efeitos perversos” recordando o caso do antigo banqueiro João Rendeiro: “É interessante a coincidência de estas notícias saírem uns dias depois de sabermos que João Rendeiro, que tinha offshores no estrangeiro, fugiu à justiça portuguesa. Se foge é porque provavelmente tem alguns ativos financeiros que lhe vão permitir manter-se no estrangeiro”, conclui.
Cinco anos depois da revelação dos Panama Papers, significará isto que afinal continua, na luta contra a fuga aos impostos e às outras ilegalidades por vezes associadas às offshore, tudo como dantes? “Tem havido pequenos avanços, mas sobretudo ao nível das diretivas europeias, mas falta avançar muito sobretudo na implementação das leis”, garante Coroado.
Exemplos: os registos sobre quem são os “verdadeiros donos das empresas” devem ser mais pormenorizados” e a informação sobre os “intermediários” de negócios (advogados, agentes imobiliários, etc) também. Até lá, e enquanto as bases de dados dos milhões de documentos envolvidos nos Pandora Papers forem sendo reveladas mais em pormenor, continuarão a somar-se “mais notícias” sobre o tema.
Ouça aqui na íntegra a entrevista a Susana Coroado.
Pandora Papers. Portugueses fizeram “uma racionalização das offshores para contornar a lei”