Um total de 87 médicos entre membros da direção clínica, membros da direção de serviço e departamentos, coordenadores de unidade e comissões e ainda chefes de equipa de urgência que trabalhavam no Centro Hospitalar de Setúbal demitiram-se em bloco esta quarta-feira, solidarizarando-se com o diretor demissionário clínico do Centro Hospitalar de Setúbal.

 “Não é um grito de alerta. É um grito final”, diz Alexandre Valentim Lourenço, presidente da Secção Regional Sul da Ordem dos Médicos. Apenas três profissionais de saúde não subscreveram a carta de demissão, revelada esta quarta-feira após alguns dias de recolha de assinaturas.

Em conferência de imprensa na sede da Secção Regional Sul da Ordem dos Médicos, em que estiveram presentes representantes dos vários sindicatos dos médicos, Miguel Guimarães  defendeu que é fundamental que quem tutela a Saúde tenha respeito pelos médicos, exigindo que o Governo “venha rapidamente” ao Hospital de Setúbal e que “ouça os médicos”. O bastonário insta ainda que o Executivo não adie mais a resolução dos problemas estruturais no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Pinto de Almeida, diretor demissionário do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Setúbal, afirmou na mesma conferência que se vive uma “situação dramática” naquela unidade hospitalar, que está em “rutura iminente”, apelando também a que o Ministério da Saúde intervenha rapidamente.

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“Nada foi efetuado de forma estrutural que resolva este problema e o serviço está numa situação de rutura iminente”, afirmou Pinto de Almeida, acrescentando que “basta, que por exemplo, outros hospitais estejam em grandes dificuldades” e não conseguirem responder aos utentes, para que o Hospital de Setúbal entre em rutura.

“Os nossos médicos recém-especialistas são sistematicamente assediados para ir para outros hospitais”, relata ainda o diretor demissionário do serviço de obstetrícia.

Ex-diretor do Centro Hospitalar diz que demissão é um “grito de alerta”

O ex-diretor do Centro Hospitalar de Setúbal, Nuno Fachada, apresentou a demissão do cargo na passada quinta-feira, justificando a decisão com a situação de rutura nas urgências. Na conferência de imprensa, indicou que era o “último grito de alerta para a situação desesperante a que o Centro Hospitalar de Setúbal chegou”.

“É o momento de se cumprir o prometido. O Centro Hospitalar de Setúbal tem que ser reconvertido para o grupo D dos hospitais, ou seja, deixar de ser financiado como um simples hospital distrital e passar a ser uma unidade multidisciplinar”, disse, defendendo que “é preciso criar condições para que se acabe de vez com a fuga dos médicos e outros profissionais para o setor privado e para o estrangeiro, por falta de meios e condições de fixação [dos médicos]”.

Por outro lado, Nuno Fachada defendeu que “as obras de alargamento do CHS, com início previsto para o próximo ano”, devem servir para “promover e potenciar o crescimento do Hospital de São Bernardo” e que “não poderão nunca servir para condensar o resto do centro hospitalar, ou seja, encaixar o Hospital do Outão ou a unidade de psiquiatria de ambulatório”.

“Seria trágico ver as ansiadas obras servirem para agravar o pesadelo já existente”, disse Nuno Fachada, deixando claro que a ampliação prevista não terá capacidade para acolher o Hospital Ortopédico do Outão e o serviço ambulatório de psiquiatria.

Diretor do Centro Hospitalar de Setúbal demite-se por falta de condições

Para justificar a sua demissão, Nuno Fachada indicou a “situação de rutura e agravamento nas urgências médicas, obstétrica, EEMI [Equipa de Emergência Médica Intra-Hospitalar]”, assim como as “dificuldades noutras escalas como a pediátrica, cirúrgica, via verde AVC, urgências internas” foram alguns dos problemas apontados pelo diretor demissionário, que também menciona a “falta de condições de atratividade dos médicos”, a “insuficiência ou não abertura de vagas sinalizadas”, a “dezenas de cortes mensais de salas operatórias” e a “rutura em vários serviços por êxodo” de profissionais de várias especialidades.

Nuno Fachada condenou ainda a falta de “resposta sobre a requalificação e financiamento do CHS [Centro Hospitalar de Setúbal] para grupo D”, o “afastamento e colapso dos cuidados primários de saúde, agravando as dificuldades dos doentes”, assim como as “incertezas quando ao ecletismo, adaptação e capacidade das obras das urgências”.

“Assim, só restaria a solução de romper com a situação vigente. Romper com a aceitação de continuarmos a ver o estertor do SNS [Serviço Nacional de Saúde], capturado por uma estrutura burocrática pesadíssima e crescente, que asfixia e parasita aquilo que melhor foi feito nas últimas quatro décadas e que tornou Portugal num país avançado, longe das altas taxas de mortalidade infantil e da baixa esperança média de vida”, salienta o ex-diretor, num email institucional enviado aos colegas.

A Ordem dos Médicos também já tinha manifestado o seu “respeito” e “solidariedade” para com o diretor clínico demissionário do Centro Hospitalar de Setúbal, apelando para que o Governo resolva os “problemas graves” daquela unidade.

Ordem dos Médicos expressa solidariedade para com diretor demissionário do Hospital de Setúbal

O bastonário da Ordem dos Médicos acrescenta que tem visitado por várias vezes o Hospital de Setúbal e, “infelizmente, as promessas são sempre as mesmas, mas os investimentos no edifício e a capacidade para reforçar o capital humano continuam a não avançar“.

Sindicato já tinha alertado para falta de profissionais

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) tinha alertado, no passado dia 25 de agosto, que a falta de clínicos no hospital de Setúbal colocava em risco a segurança das urgências e apelou ao encerramento deste serviço quando “os critérios mínimos não estejam assegurados”.

Em agosto, o diretor do serviço de Obstetrícia do Hospital de Setúbal, Pinto de Almeida, também se demitiu do cargo devido à falta de profissionais, o que obrigou ao encerramento da urgência naquele mês, revelou a Ordem dos Médicos.

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) alertou também para a falta de clínicos no hospital de Setúbal estava a pôr em risco a segurança das urgências e apelou ao encerramento deste serviço quando “os critérios mínimos não estejam assegurados”.

Sindicato diz que faltam médicos nas urgências do hospital de Setúbal

Segundo o sindicato, as escalas de urgência da especialidade de medicina interna no Hospital São Bernardo, em Setúbal, “estão longe de cumprir os níveis de segurança necessários,” com “vários dias ao longo do mês de agosto” com “menos de metade (nalguns casos menos de um terço) dos clínicos exigidos pelos critérios mínimos definidos pela Ordem dos Médicos”.

Para solucionar problemas, Governo anunciou esta segunda-feira contratação de mais 10 médicos

Entretanto, e respondendo a todas estas polémicas, António Lacerda Sales, secretário de Estado Adjunto e da Saúde, anunciou esta segunda-feira que o Governo vai recrutar 10 médicos de diferentes especialidades para o Centro Hospitalar de Setúbal e lançar o concurso internacional para as obras de ampliação, ainda este mês estando prevista a conclusão em 2023.

Governo vai recrutar 10 médicos para hospital de Setúbal e fazer obras de ampliação

Segundo Lacerda Sales, o Governo está a “acompanhar muito de perto” a situação e está a “ir ao encontro das reivindicações, dentro daquilo que são os quadros legais vigentes”. Para tal, indicou que na segunda-feira já tinha feito alguns despachos para o recrutamento de “mais médicos especialistas para determinadas especialidades”.

Sobre estas medidas, Pinto de Almeida indica que seriam “migalhas” e “medidas perfeitamente insuficientes”. “Seria tentativa de resolução imediata, mas que não resolve o problema estrutural de base.”

Em resposta a perguntas da agência Lusa, fonte oficial do Centro Hospitalar de Setúbal confirmou esta quarta-feira ao final do dia que, até ao momento, tinha recebido apenas o pedido de demissão do diretor clínico, Nuno Fachada.

Em informação escrita enviada à Lusa, o Conselho de Administração do CHS adiantou que esta quarta-feira recebeu também uma moção enviada pela Ordem dos Médicos, “em que alguns clínicos do hospital manifestam `partilhar a sua apreensão´ sobre os motivos que presidiram à tomada de decisão do diretor clínico”.