“Ganhámos”, “ganhámos”, “ganhámos” e, em conclusão, “ganhámos”. António Costa abriu a reunião partidária deste sábado, em Lisboa, com a afirmação da vitória socialista nas autárquicas “em votos”, “em maior número de câmaras”, em “maior número de juntas de freguesia” e “em qualquer dos critérios”. O líder do PS (e primeiro-ministro) também disse que “o partido deve refletir, ponderar bem o que aconteceu nestas eleições” para ter perdido — como perdeu — onze câmaras, mas não houve nada na sua intervenção inicial que o explicasse. No discurso ao partido, Costa centrou-se nos méritos da governação, que o tempo é de concentrar nisso mesmo e com um sublinhado de peso à porta do Orçamento: sem “nunca esquecer as contas certas”.

Quando ainda há negociações com alguns partidos em curso, Costa insistiu na necessidade”manter a credibilidade internacional”, a “das finanças públicas sãs”, detalhou mesmo. Apontando mesmo para o dirigente socialista e secretário de Estado da Internacionalização Eurico Brilhante Dias (que se retratou recentemente por ter dito ver vantagens na pandemia), Costa disse que foi  essa “credibilidade” que fez com que o país “voltasse a bater mais uma vez este ano o recorde de atração de investimento estrangeiro”.

[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]

Costa. “Tudo o que mexe tem que aproveitar PRR”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“É esta credibilidade que, em caso algum, pode ser posta em risco”, disse Costa sem referir que se prepara para conseguir já em 2022 — e ainda antes do levantamento das regras europeias de disciplina orçamental — um défice muito perto do número mágico dos 3%. Mas é essa linha que está em jogo quando fala no equilíbrio “nos seis orçamentos” que apresentou de propostas “simultaneamente amigas do investimento e  que melhorem as condições de vida das pessoas e ao mesmo tempo ter gestão de finanças públicas responsável, que controla o défice e reduz o endividamento”. Um argumento de peso para atirar à direita — e também ao antigo Presidente da República Cavaco Silva que ainda este sábado, num antigo opinião no Expresso, lhe atirou a acusação de não ter aproveitado o que Passos deixou.

É por isto e também porque a “a folga ganha permitiu enfrentar com força a pandemia” que Costa mantém a determinação de “nunca esquecer as contas certas”. Um dos receios socialistas é que coligações parlamentares que juntem esquerda e direita possam desvirtuar o Orçamento, nomeadamente na discussão na especialidade. Ainda esta sexta-feira, em entrevista ao programa Vichyssoise na rádio Observador o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, dizia que, nesse caso, mais valia governar em duodécimos para não comprometer a consolidação.

Fernando Rocha Andrade. “É preferível governar em duodécimos do que com um Orçamento que não se deseja”

Logo na abertura dos trabalhos da Comissão Nacional do partido (órgão máximo entre congressos que tinha começado por eleger órgãos de direção), o secretário-geral do PS desvalorizou mesmo as perdas autárquicas — “algum dia havíamos de começar a não ter o melhor resultado de sempre” — ainda que logo de seguida tenha acrescentado que “o partido deve refletir e ponderar bem o que aconteceu nestas eleições” e “analisar com humildade resultados que não foram satisfatórios”, reconhecendo que nas perdas houve “causas locais, mas também haverá explicação nacional para esses resultados“.

Só não apresentou nenhuma, já que a a conclusão que tira da sua própria ação é que o país “chegará ao final de 2022 não só tendo recuperado a posição de 2019, como tendo o crescimento acima do ponto em que estava antes da crise Covid” e aqui apontou para a previsão de crescimento de 5,5% que constará na proposta de Orçamento para o próximo ano que será entregue esta segunda-feira.

Quanto à reflexão partidária, Costa reforça que “é importante” até porque o partido está “há seis anos no Governo e é muito importante que saiba escutar a voz dos cidadãos para corrigir o que tem a corrigir, incentivar o que tem a incentivar e acelerar o que deve ser acelerado”. Mas depois saltou logo para “o momento empolgante” atual “em que existe enorme responsabilidade de nos focarmos no que é essencial: prosseguir a trajetória de boa governação.” Porquê “empolgante”? Porque o país tem “novos instrumentos para aproveitar em pleno e ir mais longe e mais rápido”, afirmou o líder socialista apontando para a arma que usou na campanha eleitoral autárquica: o quadro financeiro plurianual, o Plano de Recuperação e Resiliência e ainda o Orçamento do Estado para 2022.

Disse pouco sobre a proposta de Orçamento, que à entrada da reunião se gabou de ter sido aprovada cedo na reunião do Conselho de Ministros desta sexta-feira, e nada do que disse foi novo, limitando-se a destacar algumas das medidas que já tinha avançado no discurso de encerramento do congresso do partido em Portimão.

As 9 medidas para as famílias e jovens que Costa anunciou no Congresso

Avisou que o Orçamento para o próximo ano “tem de ser um instrumento ao serviço desta estratégia” do Governo e “complementar o papel do PRR no apoio ao investimento público e privado, apoiar as famílias na recuperação e na melhoria dos rendimentos”, introduzindo aqui a “evolução positiva dos salários”, mas também  o “desagravamento da tributação sobre o trabalho, em particular sobre a classe média e as novas gerações”.

Depois dedicou-se a mais um apelo à concentração da “geração mais qualificada de sempre” e em criar condições para que se mantenha no país, referindo medidas que já anunciou (alargamento do IRS Jovem), mas com um aviso às empresas com quem quer estabelecer “um pacto: nós cobramos menos, mas as empresas têm de pagar mais a quem trabalha nessas empresas”.

Também foi neste capítulo da “geração mais qualificada de sempre” que falou na necessidade de concretização da “ambição” destes jovens “exercerem as profissões liberais” sem constrangimentos. Uma deixa para introduzir aqui o projeto apresentado pelo PS esta semana que visa alterar lei-quadro das ordens profissionais acusando-o de representar uma ingerência na sua atividade e que tanto irritou as ordens. Para Costa, “a reforma das profissões reguladas é uma das reclamadas sistematicamente pela Comissão Europeia a Portugal” e diz que o PS avança agora “não para controlar as ordens”, mas porque o país “não pode ter ordens profissionais a serem entraves à liberdade de concorrência e de exercício da profissão”. Sobre o projeto do PS, garantiu que o conselho que pretende criar “não é designado pelo Governo”, “não é o Governo que o nomeia ou vai controlar”.