Os ensaios feitos com as fórmulas de substituição do leite materno para bebés e crianças até aos três anos pecam por falta de independência e transparência e as publicações, maioritariamente positivas, resultam de enviesamentos nos estudos. As conclusões foram apresentadas na revista científica The BMJ.

Apesar de as fórmulas de substituição serem raramente aconselhadas pelos médicos em detrimento do aleitamento materno, o uso tem aumentado nas últimas duas décadas e compõe, por vezes, toda a fonte de alimentação dos bebés. Os ensaios são, assim, exigidos pelos reguladores e usados pelas empresas como estratégia de marketing, mas os investigadores questionam-se se as conclusões apresentadas correspondem aos verdadeiros resultados dos estudos.

Nesta avaliação sistemática de ensaios com leite em pó, encontrámos uma falta, quase universal, de transparência e evidência de relatórios seletivos entre ensaios e dentro dos ensaios”, concluíram os autores do artigo. “As nossas descobertas sugerem que os estudos recentes com fórmulas carecem de rigor científico.”

A equipa internacional coordenada pelo Imperial College de Londres identificou 307 ensaios com fórmulas infantis entre 2006 e 2020 e analisou mais detalhadamente 125 publicados desde 2015. No conjunto destes estudos foram envolvidas 23.757 crianças.

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A revisão sistemática conduzida pelos investigadores verificou, por exemplo, que: 115 resumos dos artigos ou relatórios tinham conclusões favoráveis (92%); apenas 17 ensaios (14%) tinham sido conduzidos de forma independente das empresas que produzem as fórmulas; e 100 (80%) dos estudos analisados foram considerados como de alto risco de enviesamento, por excluírem alguma informação.

Os investigadores verificaram ainda que havia mais ensaios não publicados do que publicados — pelo menos, entre os ensaios registados (como deveriam ser todos). Daqueles cujos resultados foram publicados, poucos tinham definido previamente quais os objetivos do ensaio ou o que queriam analisar ou sequer um protocolo de como iam conduzir a experiência com os bebés. A escolha dos resultados e participantes que mais interessam aos promotores do estudo provocam enviesamentos que não correspondem a uma análise fidedigna dos resultados.

A revisão sistemática dos artigos publicados sobre um determinado tema permite analisar um conjunto de estudos semelhantes e encontrar conclusões mais globais, depois de uma análise crítica à metodologia usada em cada estudo.

A equipa de investigadores assume que esta revisão sistemática tem limitações, sobretudo porque havia muito ensaios que não estavam publicados ou sequer registados. Além disso, os autores e financiadores dos estudos não facilitaram a disponibilização dos protocolos (metodologia usada para conduzir os ensaios, selecionar os participantes e fazer a análise estatística).