Mais de metade dos chefes de equipa no serviço de urgência do Hospital de Braga — nove, de um total de 16 médicos — demitiram-se esta segunda-feira dos cargos de gestão que ocupavam, confirmou ao Observador fonte oficial do estabelecimento. Há ainda mais cinco chefes de serviço que não estão ao serviço.

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Jorge Roque da Cunha, diz à Lusa não ter dúvidas de que estes cinco médicos “estão solidários” com os demissionários. Em causa, explicou, estão cinco médicos que não se encontram ao serviço, ou por doença ou por licença de maternidade/paternidade, e que, como tal, “não podem legalmente apresentar a demissão”.

“Não tenho qualquer dúvida que estão todos solidários com os colegas que apresentaram a demissão”, referiu Jorge Roque da Cunha.

Em causa está o número reduzido de médicos, o recurso constante a tarefeiros — colaboradores externos que prestam serviço no hospital — e a incapacidade de atender todos os doentes que acorrem aos serviços de urgência em Braga.

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O hospital explica ao Observador que os profissionais de saúde pertencem todos à especialidade de medicina interna, mas “trabalham em exclusivo no serviço de urgência”. O hospital garante ainda que as demissões não estão a afetar o atendimento aos doentes, inclusivamente porque os médicos demitiram-se apenas dos cargos de gestão, não das funções clínicas que ocupam no Hospital de Braga. De resto, o Conselho de Administração está neste momento em diálogo com os chefes demissionários “para se chegar a um consenso entre os intervenientes”.

Roque da Cunha: “O grande problema é o Ministério da Saúde não reconhecer que temos um problema sério”

O Sindicato Independente dos Médicos já se solidarizou com os médicos e aponta o dedo ao Ministério da Saúde, pedindo que se criem condições para atrair profissionais de saúde para o Serviço Nacional de Saúde, incluindo salários mais elevados; e melhores condições de trabalho e de progressão. “Não adianta o Ministério da Saúde proclamar que tudo está bem, que há muito mais meios; a realidade prevalece em relação à propaganda”, diz o comunicado do sindicato.

Demitiram-se em bloco 87 médicos do Hospital de Setúbal. Apenas três não assinaram carta de demissão

Em declarações ao Observador, Jorge Roque da Cunha, presidente do sindicato, aponta a demissão em bloco no Hospital de Braga como mais um exemplo do “desinvestimento” do Governo ao longo dos anos e confirma que os motivos que levaram à demissão destes médicos são “as mesmas questões de fundo” que têm desencadeado problemas em hospitais de norte a sul do país. Um deles são os salários baixos dos médicos, que ganham em média 1.800 euros líquidos por 40 horas semanais de trabalho no SNS (1.200 euros por 35 horas), encontrando “facilmente” ordenados mais altos no privado.

Com estes salários, hoje um médico sai do SNS, vai para o privado e (…) em três dias recebe tanto como receberia num mês”, disse Roque da Cunha à Lusa.

“O grande problema é o Ministério da Saúde não reconhecer que temos um problema sério, que merece ser atendido”, afirmou o sindicalista: “Pedimos à ministra da Saúde que nos chame e fale connosco. Não vamos resolver tudo de um dia para o outro, mas será uma luz ao fundo do túnel”. E uma das prioridades, aponta o sindicato, é a criação de uma grelha salarial, que já estará prometida há oito anos.

Jorge Roque da Cunha acusa ainda o Governo de “tentar ocultar a realidade com propaganda”: “Em vez de proclamar e bater no peito o seu amor pelo Serviço Nacional de Saúde, o Ministério da Saúde devia investir, contratar médicos e criar condições de trabalho que permitissem aos portugueses ter cuidados de saúde de qualidade”.

Ouça aqui as declarações do presidente do Sindicato Independente dos Médicos, Jorge Roque da Cunha, ao Observador:

Demissões no Hospital de Braga. “O Ministério da Saúde tenta ocultar a realidade com propaganda”

Miguel Guimarães: “Esta decisão corajosa dos chefes de equipa merece toda a nossa solidariedade”

O bastonário da Ordem dos Médicos manifestou, esta terça-feira, a sua solidariedade com os médicos do Hospital de Braga que se demitiram e pediu uma intervenção rápida do Ministério da Saúde para melhorar as condições de atendimento dos doentes.

“Esta decisão corajosa dos chefes de equipa merece toda a nossa solidariedade. As suas reivindicações são justas e é urgente reverter a espiral negativa que se tem registado neste hospital, mas também em várias unidades do Serviço Nacional de Saúde, com impacto na qualidade da medicina e na segurança dos doentes”, explica o bastonário da Ordem dos Médicos, e comunicado.

O bastonário anunciou ainda que a Ordem dos Médicos fará brevemente uma visita ao Hospital de Braga “para se inteirar melhor das várias situações que levaram a esta decisão limite e das medidas prementes que é urgente implementar”.

O Observador já contactou o Ministério da Saúde para uma reação oficial a esta demissão em bloco, mas ainda não obteve qualquer resposta.

A onda de demissões no Hospital de Braga acontece três semanas depois de 87 médicos, todos membros da direção clínica, da direção de serviço e departamentos, coordenadores de unidade e comissões; e chefes de equipa de urgência se terem demitido em bloco no Centro Hospitalar de Setúbal. Os clínicos demitiram-se destes cargos de gestão, mas continuam a trabalhar como médicos nos hospitais do centro.

Antes disso, as demissões na Urgência Metropolitana de Psiquiatria do Porto (UMPP), concentrada desde abril de 2006 no Hospital de São João.

Atualizado com as declarações do bastonário da Ordem dos Médicos, às 12h15, de 26 de outubro