Todas as manhãs, depois de pedalar ao longo do rio Este até ao edifício do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga, Pedro Alpuim dirige-se à sala onde trabalha em tecnologia tão pequena que, parte dela, precisa de microscópios para ser vista. O investigador, líder do grupo de Materiais e Dispositivos 2D daquela instituição, dedica-se ao desenvolvimento de nanotecnologia – dispositivos cujo tamanho varia entre um e cem nanómetros. Confuso? Cem mil nanómetros é a espessura de um cabelo.
Na última década, o cientista tem trabalhado com um material excepcional, o grafeno. A sua singularidade é esta: existe no nosso mundo, a três dimensões, mas só tem duas. “É considerado bidimensional porque tem a espessura mais pequena que um material pode ter: apenas um átomo.”
No campo da Física da Matéria Condensada, há décadas que se previam as propriedades fantásticas que poderia ter um material a duas dimensões, feito de átomos de carbono. Em 2004, os russos Andre Geim e Konstantin Novoselov, investigadores na Universidade de Manchester, no Reino Unido, conseguiram isolar e estudar um material 2D a partir da grafite – o grafeno –, vencendo por isso o Prémio Nobel da Física em 2010.
Ora, as particularidades que os teóricos previam confirmaram-se no plano experimental. “Os seus electrões comportam-se de maneira diferente dos outros materiais comuns. São electrões relativísticos, ou seja, a absorção da luz depende apenas de uma constante física fundamental, mais conhecida em astrofísica, e independentemente do comprimento de onda da luz. Além disso, os electrões no grafeno têm enorme mobilidade e, por isso, a resposta a qualquer estímulo eléctrico exterior é muito grande.”
Esta escala nanométrica, com apenas um átomo de espessura, aliada à grande sensibilidade que possui, torna-o perfeito para fazer biossensores. E é precisamente isso que Pedro Alpuim tem explorado. O seu mais recente projeto pretende conceber um nanodispositivo de grafeno para compreender melhor o funcionamento do cérebro – para isso, recebeu este ano financiamento no valor de aproximadamente um milhão de euros, graças ao concurso CaixaResearch de Investigação em Saúde, da Fundação “la Caixa” [ver informação no final].
Sabe-se há muito que o cérebro comunica através de impulsos eléctricos e mensageiros químicos – os neurotransmissores. Em conjunto, eles comandam quase tudo no nosso corpo: o sono, o prazer, a dor, o medo, o apetite, o humor, a capacidade de concentração. Mas não se sabe exatamente como. E é para isso que a equipa de Pedro Alpuim quer contribuir. A compreensão de como funciona esta complexa rede química e eléctrica é necessária para abrir as portas a mais e melhores tratamentos para perturbações como a ansiedade e a depressão.
O projeto propõe construir uma inovadora interface neuronal bioeletrónica, que detecta não só os impulsos elétricos dentro do cérebro, mas também concentrações de alguns neurotransmissores – como a dopamina, a serotonina e o GABA nas sinapses.
“Vamos tentar interceptá-los [aos neurotransmissores] em pleno voo, para perceber o que é que as diferentes partes do cérebro, depois de estimulado, estão a dizer umas às outras”, diz Pedro Alpuim.
Concretizar um projecto desta dimensão envolve três equipas: além do laboratório de Pedro Alpuim, que vai desenvolver a nanotecnologia de grafeno, participam a equipa de Carlos Briones, do Centro de Astrobiología (CSIC-INTA), que vai criar sondas moleculares de bio-reconhecimento para cada um dos neurotransmissores, e Patrícia Monteiro e Luís Jacinto, especialistas em neuroengenharia da Escola de Medicina da Universidade do Minho, que irão testar estas sondas no cérebro de ratinhos.
É assim que se faz ciência hoje – em equipas multidisciplinares –, porque a ciência não tem compartimentos. “As crianças na escola, quando estão a aprender, têm tudo dividido por disciplinas, para adquirir as bases do conhecimento. A ciência também teve a sua infância: dantes estava tudo separado e compartimentado. Mas esses compartimentos não existem no Mundo. À medida que o conhecimento amadurece, as várias ciências e tecnologias vão-se fertilizando mutuamente”, explica o cientista. “Falava-se muito na interdisciplinaridade. Hoje não se passa o tempo a falar, passa-se o tempo a fazê-la. A maior parte da ação e das descobertas dá-se nas interfaces.”
A física, a electrónica e a biologia celular têm tido uma relação particularmente estreita nos últimos anos. “Foi na passagem do século XX para o XXI que a física e a microelectrónica conseguiram começar a fabricar e manipular à escala nanométrica. Ora, muitos processos biológicos no corpo humano acontecem também a essa escala.” A hemoglobina, por exemplo, uma proteína essencial à vida, tem um diâmetro de cerca de 5,5 nanómetros (nm). A maior parte dos vírus tem entre 20 a 200 nm – o SARS-CoV-2 tem um diâmetro de 100, sem a espícula.
O cientista de 64 anos ainda considerou ser historiador na juventude, mas sentia a falta de algum rigor. Escolheu Física, mas, no primeiro ano no curso, no pós-25 de Abril, trocou as aulas pelo Serviço Cívico Estudantil: trabalhou numa fábrica e ajudou na alfabetização da população. Formou-se na Universidade do Minho e fez o doutoramento em Engenharia de Materiais no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Depois regressou ao Minho – onde anos mais tarde arrancou o INL – e é por lá que se tem mantido na docência, investigação e na direção do curso de Engenharia Física.
Resume em poucas palavras o que mais o apaixona no seu trabalho: “Descobrir e fazer coisas tão fascinantes que até parecem mentira.” Como um nanodispositivo capaz de escutar as conversas do cérebro.
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto Graphene Aptasensor Bioelectronics: a Neural Interface for Neurotransmission Probing in Neurological Disorders, liderado por Pedro Alpuim, do INL, foi um dos 30 selecionados (12 em Portugal) – entre 644 candidaturas – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2021 do Concurso Health Research. O investigador recebeu 998 mil euros para desenvolver o projeto ao longo de três anos. O concurso chama-se agora aixaResearch de Investigação em Saúde e as candidaturas para a edição de 2022 encerram a 25 de novembro.