Não têm necessariamente de ser os vinhos mais caros da casa, mas são, muitas vezes, os orgulhosos porta-estandartes que, de copo em copo, ambicionam mostrar o que melhor se faz em determinada produtora, sejam eles rótulos a estrear ou a ganhar pó há uma década (neste caso, um late release), tenham eles estagiado em barricas convencionais ou no fundo do mar, a 10 metros de profundidade. De Lisboa ao Alentejo e com paragens pelo Douro, reunimos seis topos de gama que chegaram recentemente ao mercado para falar num idioma que só o amante de vinho entenderá.

Anfíbio (€48)

Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alicante Bouschet são as castas que compõem o vinho que nascido em terra seca se fez à água. O Anfíbio, colheita de 2017, é o primeiro vinho de Lisboa envelhecido no mar. Depois de quatro meses em barricas, estagiou outros oito a 10 metros de profundidade na costa Atlântica. O projeto nasce das paixões pelo mar e pelo vinho, respetivamente, de Pedro Pessanha e de Joana Paes — ela está à frente da Quinta da Casa Boa, em Torres Vedras, um negócio familiar que já vai na terceira geração e que assina este vinho.

O casal inspirou-se no local onde habitualmente passa férias, em Porto Covo: “O dono do centro de mergulho [local] já tinha feito algo idêntico com vinhos da região de Setúbal. Assim que percebeu que a Joana era produtora, lançou o desafio.” Depois de um período de reflexão e de ensaios com diferentes lotes tintos, a 10 e a 20 metros de profundidade, decidiram arriscar e lançaram à agua o vinho escolhido por um painel de provadores. O mergulho aconteceu em novembro de 2020, com as 250 garrafas a submergirem no verão. Por enquanto, o produto de edição limitada dirige-se ao mercado nacional, mas a intenção é duplicar a produção e voltá-la também para o exterior.

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Herdade Aldeia de Cima, Myndru 2019 (€70)

Regressar à Vidigueira significa, neste caso, regressar à Herdade Aldeia de Cima, a mesma que entre 2017 e 2019 foi reconstruída à imagem do casal Luísa Amorim e Francisco Rêgo. O projeto é fruto de uma vontade pessoal e nasce colado a um cenário inédito na região: vinhas plantadas em patamares em terras de xisto, a fazer lembrar os socalcos do Douro vinhateiro — estão irreconhecíveis desde a última visita.

Vinha Cevadeira - Aldeia de Cima

A parcela de nome Cevadeira © Divulgação

Nunca nada acontece por acaso, nem aqui, na serra do Mendro. A intenção dos produtores era trabalhar os próprios bagos, mas o pedido de um dos vizinhos para vindimar as uvas de duas pequenas courelas no sopé da serra obrigou a trocar os planos. Daquela vinha velha em viticultura de sequeiro, uma parcela denominada Cevadeira (nome associado à atividade cerealífera) com um total de 1,5 hectares, surgiu um “vinho de contemplação”, espelho das castas tintas que compõem o seu ADN — Alfrocheiro, Tinta Grossa e Baga. À procura de menor intervenção, o vinho não estagiou em madeira, esteve antes 12 meses em ânforas de Cocciopesto e em tinajas de terracota. A enologia, como de costume, ficou a cargo de Jorge Alves e António Cavalheiro. Do Myndru 2019 de cor translúcida, e de taninos suaves e redondos, existem pouco mais de 2.000 garrafas.

Duorum, O.Leucura 2015 (€140)

É seguramente o topo de gama da Duorum, até porque “só sai quando os deuses querem”, diz o produtor João Portugal Ramos. E não é para menos: com 14 anos de projeto, esta é apenas a quarta colheita que vê a luz do dia, depois do lançamento das edições de 2008, 2011 e 2012 — e de todas elas, a mais recente, de 2015, foi a que teve mais tempo de estágio em garrafa. “Neste vinho tivemos paciência”, acrescenta o enólogo João Perry Vidal. “É um vinho feito de vinhas velhas”, diz, embora haja predominância da Touriga Nacional e da Touriga Franca.

Para o estágio apenas foram usadas barricas de carvalho francês, de 225 litros, incluindo barrica nova e de segundo ano para não existir uma sobreposição da madeira. O nome do vinho não vem ao caso e está diretamente relacionado com a descoberta de um pássaro raro após um estudo de impacto de ocupação daquela zona de plantação de vinha. Falamos do chasco-preto ou Oenanthe Leucura — para os ingleses é “port wine bird”, assegura a dupla —, uma ave em vias de extinção. A edição limitada do projeto duriense que homenageia a biodiversidade —  a conduta ambiental e vitícola levou ao reconhecimento do Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade e à adesão à iniciativa europeia Business & Biodiversity — é composta por 6.404 garrafas.

Tecedeiras Único 2018 (€100)

Apesar do nome, será intencionalmente repetido em anos tido como excecionais, à semelhança do que acontece com os grandes vinhos tranquilos do país. Para o enólogo que o criou, Rui Cunha, o novo rótulo da duriense Tecedeiras — projeto irmão da Quinta da Covela, que em tempos pertenceu ao realizador Manoel de Oliveira, atualmente da dupla Lima&Smith — resulta “num vinho longo que vai falando connosco” — e de um “lote ímpar das melhores uvas colhidas”. Esta é uma das seis referências recentemente criadas para assinalar os 20 anos da Tecedeiras e que englobam a linha premium, a par de um grande reserva, dois monocastas, uma edição comemorativa e uma linha experimental. A marca em questão tem origem nas vinhas escarpadas do Cima Corgo, na zona de São João da Pesqueira, além de parcelas de vinhas velhas na zona de Sabrosa. Voltando ao que é único: existem apenas 1.500 garrafas do vinho complexo e de cor rubi. Foram 19 meses de estágio em barricas e um ano de repouso antes de ser comercializado. A produção é artesanal.

Família Margaça Talhão 37 (€25,99)

É o primeiro topo de gama da marca que continua a querer carimbar a sua identidade e afastar-se “do rótulo de vinho barato” dada a “apropriação industrial indevida” da marca Pias. Em 2020, a família Margaça desenhou uma nova estratégia, sempre com uma mira certeira: reclamar a legitimidade das origens dos “verdadeiros vinhos de Pias”. Nesse rebranding foi concebido o conceito para o segmento de topo, mas a referência só agora surge no mercado — o atelier de Rita Rivotti chegou a desenhar uma imagem alusiva ao talhão 34 mas, surpresa das surpresas, foi o terreno praticamente vizinho que brilhou mais alto, explica Renato Neves, enólogo da Família Margaça. É ele quem assegura, já a pensar em rótulos futuros de cunho semelhante, que a produtora alentejana não está presa nem a talhões nem a castas.

Herdade vinhos Família Margaça

Uma das herdades da produtora Família Margaça (FILIPE FARINHA / STILLS)

O monocasta Petit Verdot de Monte da Torre — uma das cinco herdades da família (ao todo são 700 hectares) — surge da colheita de 2019, sendo que a vinha foi plantada em 2011 ainda pelas mãos da administração anterior. “Foi uma reconversão de vinhas velhas e, na altura, foram plantadas várias castas que não existiam no encepamento original da empresa”, diz o enólogo. Depois da “maturação perfeita”, encontramos um vinho marcado pela fruta, concentrado e até encorpado tal como é expetável num vinho alentejano, refere. “Em termos aromáticos é muito intenso no nariz, há uma exuberância fora de série”. À fruta preta — fácil de cheirar até com o copo “a um palmo do nariz” — adicionam-se as especiarias conferidas pelas barricas novas de carvalho francês.

Monte D’oiro Reserva 2011 (€50)

Há 10 anos Francisco Bento dos Santos tomava a decisão que ajudaria a definir o rumo da Quinta do Monte D’oiro, na região dos Vinhos de Lisboa. O nascimento do primeiro filho e a consequente licença parental contribuíram para a escolha de dedicar-se a 100% ao projeto que o pai, o conhecido gastrónomo José Bento dos Santos, começara em 1989 com a aquisição da propriedade. Volvida uma década, o Reserva 2011 vê a luz do dia. “O ano de 2011 foi muito bom no país inteiro e nós não fomos exceção”, conta. Vai daí que decidiu guardá-lo sem data certa até que, chegados a 2019, começaram as conversas de, já agora, assinalar a década à frente dos desígnios da produtora com aquele que “não deixa de ser o vinho mais importante da casa”.

Quinta do Monte d'Oiro

O projeto da Quinta do Monte D’oiro surge no final da década de 1980 © DR

Na verdade, o Reserva tinto (proveniente das melhores parcelas de Syrah e com 4% de Viognier, em co-fermentação) é a referência mais antiga — a primeira colheita data de 1997 — e é, também, a “razão de estarmos aqui”, dado que o sucesso entre a crítica especializada serviu de catapulta para o projeto. “Eram dois hectares e meio e o meu pai tinha uma vida profissional muito intensa”, diz, consciente que, à data, dificilmente adivinharia os alicerces que hoje existem. Embora não seja o rótulo mais caro, é o topo de gama e o porta-estandarte — deste late release foram intencionalmente guardadas 2.011 garrafas. “É o verdadeiro vinho de terroir, apanha várias parcelas. É um vinho muito completo onde pomos as energias todas, é o último a sacrificar.”