O ex-Presidente timorense José Ramos-Horta considerou que o massacre de Santa Cruz, cujo 30.º aniversário se cumpre na quinta-feira, lançou o problema de Timor-Leste para o palco internacional e ajudou a mobilizar uma “resposta formidável” da diplomacia portuguesa.
“Como resultado de Santa Cruz a questão de Timor passou a ser a questão número um da diplomacia portuguesa. As embaixadas portuguesas em todo o mundo tinham Timor como primeira questão”, frisou o Prémio Nobel da Paz.
“Era crucial não deixar cair a questão. Porque hoje é notícia, mas amanhã e depois há outros massacres no mundo. O desafio para nós e para a solidariedade internacional e para governos amigos, era não deixar cair a questão de novo”, sublinhou.
Para muitos em Portugal, as imagens do massacre foram as primeiras informações que viram sobre o que se passava em Timor-Leste desde o início da ocupação em 1975.
As imagens recolhidas pelo jornalista britânico Max Stahl, incluindo de jovens timorenses a rezar em português na pequena capela do cemitério, ajudaram a criar uma onda de solidariedade entre os portugueses que se manteve até ao referendo de independência de 1999.
O cemitério em si tornou-se famoso, em 12 de novembro de 1991, quando militares indonésios levaram a cabo o que ficaria conhecido como o massacre de Santa Cruz, um momento trágico de viragem na luta pela independência de Timor-Leste.
Mais de duas mil pessoas tinham-se dirigido a Santa Cruz para prestar homenagem ao jovem Sebastião Gomes, morto por elementos ligados às forças indonésias uns dias antes no bairro de Motael.
No cemitério, os militares indonésios abriram fogo sobre a multidão e provocaram a morte de 74 pessoas no local. Nos dias seguintes, mais de 120 jovens morreram no hospital ou em resultado da perseguição das forças ocupantes. O massacre foi filmado por Max Stahl e a atenção internacional sobre Timor-Leste mudou para sempre.
Os restos mortais de Sebastião Gomes estão na zona mais nova de um cemitério onde se entra por um pequeno portão e uma calçada portuguesa paga por Portugal em 2001, quando se fizeram também algumas obras no muro exterior, algo recordado numa simples placa à direita do portão de entrada.
Max Stahl morreu, coincidentemente, 30 anos depois de Sebastião Gomes, em outubro passado.
Ramos-Horta sublinhou que o aspeto mais importante foi haver “testemunhos”, e especialmente esses testemunhos serem documentados com as “poderosas imagens” de Stahl.
O facto de o Max ter tido aquela coragem e sangue-frio de ir para o cemitério e dali filmar aquele monte de gente a ser baleada, de resistir com o militar indonésio a chamá-lo. Ele chegou a inutilizar um filme, e seria esse que entregaria se o pedissem. Depois enterrou o outro, o que é conhecido. E depois ter a coragem nessa noite de trepar o muro e ir lá buscar a cassete”.
Questionado pelo facto de os militares não terem entrado no cemitério, Horta disse que se tratou de uma questão de medo e superstição.
“Os militares indonésios, sobretudo de determinadas regiões, tinham muito medo de cemitérios, por superstição. Não era muito diferente de muitos de nós. Eu também não gostava de passar ali quando era jovem”, recordou.
E insiste que se não houvesse filmagem Santa Cruz seria como outros massacres, o de 7 de dezembro de 1975, quando a Indonésia invadiu Timor-Leste, o de Kraras ou o de Matebian.
“As imagens do Max foram cruciais. Mas temos de reconhecer a diplomacia portuguesa. Os portugueses reagiram de forma fantástica. Foram formidáveis”, disse.
Hoje, volvidos 30 anos e apesar de algum desalento com a situação que se vive em Timor-Leste, Ramos-Horta disse que recusa ser pessimista, apontando exemplos de grandes melhorias.
“Vejo as coisas sempre em perspetiva. E não sou tão pessimista. Houve melhorias. Em 2000 a esperança de vida era menos de 60, hoje é 71. E a esperança de vida é o melhor indicador, porque representa melhor nutrição, acesso a saúde, água, etc”, exemplificou.
Ainda assim considerou que importa continuar a recordar os princípios e valores que guiaram a luta pela independência, mantendo o patriotismo e a unidade nacional, com iniciativas que passem por recordar a história aos mais jovens e que registem os depoimentos.
“Não pode ser só lembrar os massacres, é preciso fazer filmes sobre os guerrilheiros, os combatentes, a rede clandestina, o papel da igreja e o papel da diáspora”, enfatizou.