Kasia Wappa vive na aldeia de Hajnowka, a 30 quilómetros da fronteira entre da Polónia com a Bielorrússia. Entre a sua casa e a fronteira, atravessa-se a floresta Bialoweza, um parque natural com 150 mil hectares, conhecido como a “última região selvagem intocada na Europa”. Desde o estalar da tensão na fronteira entre os dois países, com milhares de migrantes a tentar entrar na União Europeia, a floresta Bialoweza transformou-se num último reduto, também para refugiados.

Na região de Podlaskie, a mais fria na Europa, o acesso apenas é permitido a locais. É uma das consequências do estado de emergência imposto em setembro deste ano, como medida para conter o número de migrantes que se junta na fronteira da Polónia. “Ao longo da fronteira com a Bielorrússia, ninguém pode ajudar sem ser os locais”, é como Kasia descreve a “zona vermelha” da fronteira, “um local onde a maioria das pessoas fica presa”.

Para dar resposta, dezenas de moradores formaram uma rede de ajuda a refugiados. O grupo Granica (Grupo Fronteira, em polaco), reúne ativistas de 14 diferentes organizações humanitárias. “Sem ninguém de fora aqui, sem jornalistas, cabe-nos a nós ajudar para evitar que estas pessoas se magoem, ou que morram”.

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“Caem de joelhos e beijam-nos as mãos, porque lhe demos uma garrafa de água”

Kasia Wappa não demorou a juntar-se a este grupo de ativistas. “Comecei a doar poucas coisas, roupa, comida, mas disse-lhes que queria fazer mais do que apenas dar. Queria encontrar as pessoas e ajudar na floresta” de Bialoweza, o “sítio natural para as pessoas procurarem refúgio”, conta ao Observador.

Os voluntários do grupo Granica encontram os migrantes “às vezes por acidente, outras quando um amigo de um amigo nos pede ajuda, através de telefonemas ou das redes sociais”, mas têm também uma rede de contactos, números de telefone que passam entre os migrantes “de mão em mão” para que consigam entrar em contacto com os ativistas, assim que atravessem a fronteira. “Assim que estabelecemos contacto, pedimos que partilhem a localização por Google Maps, pegamos nas nossas coisas, nos nossos carros e vamos”, com eles levam mochilas com roupa quente, botas, comida enlatada, garrafas de água e powerbanks, para que os migrantes não percam a única forma de os contactar.

Migrantes na floresta Bialoweza, auxiliados por voluntários polacos junto à fronteira com a Bielorrússia

Facebook Kasia Wappa

“Nunca vamos sozinhos”, explica Kasia, “se vamos ajudar um grupo de 10 pessoas precisamos de levar muita coisa, vamos em grupos de dois ou três, escondemos o carro numa zona que não seja visível”, mas evitam ir de noite, quando percorrer a floresta é “quase impossível”. Quando encontram os migrantes a primeira preocupação é “fazer com que se sintam seguros, pelo menos durante algum tempo”. Do outro lado os ativistas encontram migrantes em lágrimas ou desconfiados, “não estão habituados a ver amigos, a ser tratados como seres humanos, escondem-se como animais na floresta”.

Sonham com um sítio quente e seguro para ficar, seja na Polónia ou na Alemanha. Lembro-me de um jovem que caiu sobre os joelhos porque lhe demos uma garrafa de água. Conseguem imaginar? Isto é a Europa? Pessoas de joelhos a beijar-te as mãos, por água?”

Migrantes escondem-se e fazem de tudo para não voltar atrás

Quantos migrantes se escondem na floresta de Bialoweza é impossível de saber. “Muitos não fazemos ideia de que lá estão, escondem-se tão bem”. Kasia já ajudou “algumas dúzias de pessoas”, mas não consegue estimar quantas deambulam os bosques à espera de ajuda.

O silêncio na floresta contrasta com a violência que é relatada da fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. Os migrantes sabem que não podem fazer barulho para não alertar os milhares de soldados que patrulham a floresta, por isso escondem-se na “floresta fria, húmida, sem comida nem água, a água que bebem é castanha, espessa dos pântanos”. Alguns são encontrados com hipotermia, com os dedos e narizes queimados pelo frio, uma vez que durante a noite “as temperaturas descem abaixo dos 0 graus”. As pessoas “não comem durante dias, três ou quatro diria que é a norma, muitas não comem durante uma semana”, mas a pior história que Kasia ouviu foi de um migrante que “não comeu, nem bebeu água potável durante quinze dias, não andava, estava muito fraco, muito pouco saudável”.

A maioria dos migrantes são pessoas do “mundo árabe”, países como a Síria ou o Iraque, onde o caminho para a União Europeia “é divulgado como sendo fácil”, mas as “condições aqui são inimagináveis”.

As pessoas chegam com caras massacradas, completamente roxas, com pernas deformadas por pancadas de armas, alguns sem conseguir andar com ossos partidos. Choram porque não querem voltar para a Bielorrússia, preferem morrer a tiro na Polónia do que sofrer uma morte lenta na Bielorrússia.”

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As regiões fronteiriças orientais da Polónia são conhecidas pelas suas “zonas selvagens”, ao invés das povoações que são “escassas e afastadas umas das outras”. Na floresta Bialoweza, o silêncio impera. A paisagem é de árvores caídas, pântanos espessos, castanhos espalhados pelo parque natural. Tudo isto dificulta a passagem dos migrantes que fogem das autoridades:  “Já aconteceu vermos migrantes presos em pântanos, encharcados e com o frio não se conseguem secar”, para garantir que ninguém os vê “têm que andar muito devagar, à noite, sem conhecerem o terreno, sem sinalização”.

Há cada vez mais migrantes a procurar refúgio na floresta, mas também mais soldados a patrulhar as zonas fronteiriças. “Vemos todos os dias milhares de soldados em todo o lado, trazem veículos, helicópteros”, formam batalhões e patrulham o território de noite e de dia.

“Os migrantes são reféns da fronteira, não têm como voltar atrás”

Quando lhe é pedido que descreva a situação na fronteira entre o seu país e a Bielorrússia, Kasia escolhe três palavras: “Mutável, tensa e diferente consoante o local”. O número de pessoas na fronteira e em que zonas da fronteira polaca varia de semana para semana. Na região de Podlaskie ter “duas ou três mil pessoas em apenas um local é uma situação nova”. A violência não tem parado de subir “entre migrantes e soldados” e “não sabemos qual pode ser o resultado, é assustador”.

A ativista faz uma pausa, respira fundo, e diz: “Quero enfatizar uma coisa, mesmo que nós não os deixemos entrar, eles não podem voltar para trás, estão presos numa zona onde não têm ajuda nenhuma, são reféns desta zona de fronteira”. De acordo com os relatos das dezenas de migrantes que Kasia Wappa tem conseguido ajudar, uma coisa é clara: “Mesmo que decidam que é demasiado difícil e queiram regressar a casa, não lhes é permitido” pelas autoridades bielorrussas. “São empurrados de volta para o campo e a violência não para de crescer” há relatos de agressões, abusos sexuais, “tudo o que conseguirem imaginar”.

Na Polónia migrantes “passam 15 dias sem comer”

Embora seja crítica do Governo polaco, que “está a pôr em risco a democracia” no país, Kasia Wappa está em linha com os argumentos da Polónia e da União Europeia contra a Bielorrússia. Os 27 estados-membros acusam o país de Lukashenko de “instrumentalizar” os migrantes e de os transportar até à fronteira com a Polónia. A ativista admite ter ouvido relatos semelhantes, “histórias de bielorrussos a dar armas, gás pimenta a migrantes e a encorajá-los a usá-las contra polacos e contra os soldados, não é fácil controlar as nossas emoções”. Na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia “ninguém sabe o que vai acontecer, nem quando irá parar”.

Medo partilhado por migrantes e ativistas e as histórias com “final feliz”

O medo é um sentimento que toca a todos, em Podlaskie. Aos migrantes, perseguidos pelo exército do país, mas também entre ativistas. “O nosso governo muda leis do dia para a noite e tudo o que façamos é visto como uma ação política”. Desde outubro, depois da aprovação de nova legislação pelo governo polaco, os soldados que patrulham as fronteiras podem expulsar de forma imediata quaisquer migrantes que entrem no território de forma ilegal, de acordo com vários meios de comunicação internacional, incluindo a britânica BBC.

Kasia chegou a ver amigos “atacados por um grupo de soldados” com armadas apontadas “sem explicação”. “Não somos heróis, há mesmo quem nos veja como malucos, mas é um trabalho que é preciso fazer”.

No dia em que falou com o Observador, Kasia Wappa almoçava à pressa, depois de uma manhã passada na floresta. Explicou que tinha acabado de voltar da floresta, onde esteve a ajudar um grupo de pessoas que vinham do Iraque, “estavam sem roupas e sapatos, precisavam de roupa quente e comida”. “Tivemos que passar por alguns pontos de segurança”, vigiados por guardas, e a entrega foi mais demorada para garantir que “não fomos seguidos, para assegurar às pessoas na floresta que estão seguras”.

É um grupo de migrantes a quem a Kasia deseja que corra tudo de bem. Que seja uma história com um final feliz como outras que já conheceu nos últimos tempos. “Há pessoas que conseguem sair da floresta, às vezes deixo-lhes o meu número de telemóvel, quando simpatizo com o grupo”. Depois recebe um telefonema, ou uma mensagem a dizer: “Olá irmã! Já chegámos a Bruxelas ou à Alemanha, dizem que estão seguros e vivos e que estão muito agradecidos, e que nunca nos vão esquecer. É algo que me faz chorar”.