Há um ano e meio António Costa tinha tudo na cabeça. Chegou à Autoeuropa, deu a volta na companhia do costume, o Presidente da República, e no final disparou com uma declaração inesperada que deixou Marcelo Rebelo de Sousa num desconforto pouco usual. Lançou-lhe a recandidatura a Belém ao prometer voltar ali, para os 30 anos da fábrica, com o mesmo Presidente no ano seguinte. Agora é Costa quem vai inesperadamente a votos, mas Marcelo não lhe retribuiu o gesto de há um ano. Circularam de braço dado, saíram com uma promessa dada, outra recebida e discursos articulados, mas com todo o peso da crise política à parte.
Na intervenção que fez na fábrica da Volkswagen em Palmela, Costa lembrou que a moda é o “created in” em vez do “made in”, quando explicava que o ideal era o país conjugar os dois no que a dinamização da economia diz respeito. Quanto a ele, Marcelo e a realidade política nacional, ambos criam e fabricam sem parcimónia, mas nenhum previu, naquele episódio “made in” Palmela em maio de 2020, que o cenário hoje pudesse ser o que é.
A dada altura, na intervenção que fez, Marcelo falava na “previsibilidade da vida portuguesa: foi possível prever há um ano a nossa vinda aqui nos termos em que se realiza — salvo o almoço”, que foi palavra dada mas não cumprida. Só não acrescentou: e salvo o quadro político. Esta sexta-feira, quando Costa foi questionado sobre se gostaria de voltar para cumprir o almoço na cantina com o Presidente, respondeu apenas com um “boa tarde”. Perante uma tentativa semelhante dos jornalistas, Marcelo atirou com a evolução da pandemia para fintar qualquer insistência e atirar-se rapidamente para a maçaneta do carro que o transportaria dali para fora.
Mais 500 milhões de euros na fábrica de automóveis de Palmela
Para trás já tinha deixado a parte que lhe interessava. O anúncio do investimento de mais 500 milhões de euros na Autoeuropa nos próximos cinco anos, deixado por um administrador da marca alemã. Alexander Seitz disse que o investimento será feito “em produto, equipamento e infraestruturas”. Também disse que a fábrica e a equipa que ali trabalha em Palmela estão “preparadas para acompanhar a transformação da indústria automóvel com sucesso”, mas ainda está por acontecer a promessa feita há quase dois anos de produzir ali veículos híbridos ou elétricos”.
Costa e Marcelo exploraram esse flanco como conseguiram, alinhados como ao volante do T-ROC (o carro ali produzido) que destaparam num ato inaugural. “Temos a oitava reserva de lítio a nível mundial, ao contrário do que nos aconteceu no passado temos os recursos naturais que otimizam esta localização para indústrias e transformações para quem estes recursos são absolutamente decisivos”, disse o primeiro-ministro ouvindo o Presidente da República acrescentar logo a seguir: “Se o futuro é uma mobilidade diferente, contem connosco, se é novas formas de energia, contem connosco. Queremos estar aí e não na parte de trás dos que vão avançando para o futuro.”
Marcelo ainda alinhou com Costa quando reconheceu, perante o auditório, que é “testemunha da forma empenhada como o primeiro-ministro tem apoiado a Autoeuropa”. E ainda apresentou como trunfo do país a gestão da pandemia quando Portugal “demonstrou que é mais resistente do que os outros. Parámos o mínimo possível”. A pandemia mantém-se e no dia anterior Costa tinha disparado uma nova dose de medidas para responder ao Natal.
Promessa para lá da legislatura interrompida
Já na sua intervenção, António Costa sublinhou uma promessa batida do Governo e como é desta que o Governo vai pedir à União Europeia que a Península de Setúbal passe a ser uma NUT II. A alteração não é de somenos, afinal a Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUT) é o sistema de divisão do território em regiões criado pelo Eurostat nos anos 1970, para harmonização de recolha, compilação e divulgação de estatísticas regionais dos países da União Europeia.
Também é a bitola para a distribuição de fundos comunitários e a Península de Setúbal “é fortemente penalizada por estar integrada numa NUT II [Área Metropolitana de Lisboa], que a recoloca numa posição desfavorável designadamente no regime de apoios a grandes empresas ou na atratividade de fundos comunitários”, segundo explicou Costa.
Em fevereiro, acrescentou, “abre-se a janela de oportunidade para que Portugal possa solicitar à União Europeia e ao Eurostat a reconfiguração das suas unidades estatísticas e das suas unidades de planeamento” e é aí — para lá do tempo desta sua legislatura interrompida pelo chumbo do Orçamento para 2022 — que Costa prevê que o país solicite “que a península de Setúbal deixe de ser uma NUT III e passe a ser uma NUT II”. Uma reivindicação que tem juntado as forças políticas da margem sul em pedidos insistentes junto do Governo de António Costa e que tem agora esta sinalização.