Na véspera do jogo entre o Belenenses SAD e o Benfica do último sábado, as autoridades de saúde já teriam suspeitas de que o surto de infeção pelo SARS-CoV-2 na equipa azul podia ter origem na variante Ómicron, detetada originalmente na África do Sul, disse fonte oficial do clube ao Observador. Durante o inquérito epidemiológico efetuado aos jogadores do Belenenses, apercebendo-se do número de atletas infetados e da rapidez com que o contágio percorreu o plantel, a delegada de saúde responsável pelo processo fez questão de perguntar em particular aos dirigentes do B. SAD sobre se algum dos infetados tinha estado no continente africano nos últimos tempos. Na primeira ronda de testes aos futebolistas, 17 análises acusaram negativo para a presença do SARS-CoV-2 e 13 dessas análises viriam a revelar-se infeções pela nova variante do novo coronavírus.

Enquanto se multiplicavam os resultados positivos no clube, entre atletas e equipa técnica, ao delegado de saúde responsável por acompanhar o caso chegou então essa informação relevante: Cafú Phete, defesa central do Belenenses SAD, tinha estado na África do Sul para representar a seleção nacional em duas partidas, em meados de novembro — contra o Zimbabué, no dia 11, e contra o Gana, três dias mais tarde. Cafú Phete não foi, no entanto, o primeiro caso positivo identificado nesta cadeia de transmissão: foi outro atleta quem, às 15h30 do dia 26 de novembro (véspera do jogo entre Belenenses SAD e Benfica, no Jamor), desenvolveu sintomas como febre e vómitos e decidiu realizar um autoteste. Deu positivo. A partir daí, todo o processo acelerou.

Depois de comunicar o resultado do teste ao clube, a direção convocou todos os jogadores para realizarem testes de antigénio no estádio do Jamor naquele mesmo dia. Quando “apareceu um positivo, outro logo depois, e outro logo a seguir”, a direção clínica do Belenenses SAD contactou as autoridades de saúde e reportou o surto. Rapidamente se percebeu que “não era normal, não era como o surto do Tondela” (que também tinha vários infetados antes do jogo com o Sporting de sábado), contou fonte oficial do clube: era muita gente vacinada e infetada num curto período de tempo. Por isso, uma das questões incorporadas no inquérito epidemiológico pretendia apurar se algum dos atletas tinha estado em África — uma questão que sugere que, desde início, havia a desconfiança de que o surto podia ter sido causado pela nova variante.

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Mesmo assim, no dia 26, sexta antes do jogo, e enquanto se esperava pela realização dos testes PCR que confirmariam as infeções, a delegada de saúde decidiu seguir à risca a norma da Direção-Geral da Saúde (DGS), que dispensa do isolamento profilático as pessoas vacinadas que não testaram positivo, a não ser que a autoridade de saúde local tenha um entendimento diferente. Para casa foram então apenas os jogadores que tinham testado positivo nos testes rápidos. A testagem PCR realizou-se às 12h00 de 27 de novembro, precisamente no dia do Belenenses SAD-Benfica, e os resultados foram comunicados às 19h17, menos de noventa minutos antes do encontro. Entretanto, o clube já tinha enviado às autoridades de saúde uma lista em formato Excel das pessoas com quem o jogador tinha contactado.

Após terem sido conhecidos os resultados dos testes PCR, as autoridades de saúde colocaram em isolamento os jogadores positivos para a presença do SARS-CoV-2 e os que, mesmo estando negativos, tiveram contacto direto com estes. Num primeiro momento, enquanto esperavam pelos resultados dos testes, também os jogadores que tinham tido Covid-19 há menos de 180 dias ficaram em isolamento.

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O Observador sabe que quatro jogadores do Belenenses SAD que tinham tido recentemente Covid-19 e nos testes da última sexta-feira testaram negativo para a presença do SARS-CoV-2 acabaram por ver ser-lhes levantada a indicação de que deveriam cumprir isolamento profilático. Foi essa a mudança que permitiu ao Belenenses SAD ter jogadores disponíveis para ir a jogo, cumprindo as regras da Liga para o número mínimo de atletas exigido para que um clube possa entrar em campo e disputar uma partida — sete jogadores.

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Mas mesmo essa medida viria a ser novamente alterada já na manhã desta segunda-feira, após a sequenciação genómica das amostras recolhidas aos jogadores da Belenenses SAD — ordenada precisamente porque “um dos casos positivos terá tido uma viagem recente à África do Sul”. Uma sequenciação que confirmou aquilo de que a delegada de saúde já parecia desconfiar: os 13 casos identificados no plantel do Belenenses SAD eram todos resultado de uma infeção pela nova variante do coronavírus. Os contactos ficaram isolados a partir desta segunda-feira e serão todos testados o mais depressa possível; e, depois, voltam a ser testados ao quinto e ao décimo dias de confinamento, indica o comunicado do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

Questionada pelo Observador sobre porque é que o princípio de precaução em saúde pública não foi empregue mais cedo, e o isolamento alargado a todo o plantel, quando os inquéritos epidemiológicos revelaram que um dos jogadores tinha estado no país em que a nova variante havia sido identificada, a Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo limitou-se a encaminhar o comunicado que a DGS já tinha publicado no domingo, dizendo que nada mais tem a acrescentar.

A falta de explicações

Mas o comunicado em causa não explica porque é que, mesmo ciente desde o início do processo de que um dos casos positivos na B. SAD tinha ligações a África do Sul, a autoridade de saúde esperou pela confirmação genómica antes de alargar completamente o isolamento. Diz apenas que “a autoridade de saúde e a DGS não se pronunciam sobre a realização de jogos” e descreve o processo com que se avalia o risco epidemiológico numa cadeia de transmissão: “O inquérito epidemiológico inclui ainda o rastreio de contactos dos casos, sendo feita uma avaliação e estratificação de risco dos mesmos, encaminhamento para isolamento dos casos identificados e contactos de risco, nos termos das normas da DGS, e de acordo com a avaliação da autoridade de saúde”.

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A norma que determina as medidas sanitárias a implementar em jogos de futebol foi atualizada a 17 de abril. O documento, que é público e pode ser consultado no site oficial da DGS, confirma que qualquer caso positivo deve ser isolado e ficar impossibilitado de participar nos treinos e nas competições; e que os colegas de equipa, incluindo a equipa técnica, são considerados contactos de um caso confirmado. No entanto, “a identificação de um caso positivo não torna, por si só, obrigatório o isolamento coletivo das equipas” — neste caso, houve 17 casos positivos, 13 dos quais com a variante Ómicron.

A DGS argumenta que “a implementação das medidas de prevenção e controlo de infeção”, assim como a realização de testes, “minimiza o risco de contágio por SARS-CoV-2 entre os praticantes e equipas técnicas. Mas a decisão final sobre que contactos devem ou não ficar isolados é da “autoridade de saúde territorialmente competente” — neste caso, da ARS de Lisboa e Vale do Tejo —, seguindo-se os princípios da Norma 015/2020.

De facto, quando as autoridades de saúde dispensaram uma parte da equipa do isolamento, estavam a cumprir as regras dessa norma, que pode ser consultada aqui: as pessoas recuperadas há pelo menos 180 dias não seguem as medidas nela descritas. Mas passaram por cima dela quando determinaram que mesmo essas tinham de ficar em isolamento, perante a incerteza que paira sobre a transmissão, impacto e efetividade vacinal contra a variante Ómicron. Questionada sobre porque não o fez mais cedo, por precaução, quando um dos jogadores revelou que tinha estado na África do Sul, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo não responde.

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Já ao fim desta tarde, a Liga emitiu um comunicado muito duro contra a DGS e a delegada de saúde (de Oeiras), com as quais quer reunir-se, juntamente com o Governo, na figura do secretário de Estado de Desporto, alegando a “não aplicabilidade do protocolo em vigor” face à nova variante, tendo em conta que “alguns deles [os jogadores] tiveram comprovadamente contacto direto no jogo anterior com elementos positivos”.