Dez juristas manifestaram a “frontal discordância” com o veto de Marcelo Rebelo de Sousa à lei da eutanásia, indicando que o Presidente da República optou por uma “interpretação desgarrada do decreto no seu conjunto” e recusou uma justificação “teologicamente fundamentada e integrada” do decreto.
Numa carta aberta publicada esta quinta-feira, os dez juristas sinalizam que Marcelo fundamentou a sua decisão de vetar a lei em razões jurídicas, nomeadamente a clarificação se a morte medicamente assistida poderia ser aplicada em caso de “doença fatal”, ou de “doença grave”, ou de “doença incurável” e se estas condições são alternativas ou cumulativas.
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No entanto, os signatários da carta salientam que os cenários de “doença fatal”, “grave” ou “incurável” não foram objeto do “juízo do Tribunal Constitucional [TC]” emitido em março, algo que “infelizmente não consta” da carta de Marcelo à Assembleia da República. Aquilo que o TC apontou foi falta de objetividade em termos como “lesão definitiva” ou “gravidade extrema”.
Os juristas sublinham também que o direito à vida “não era incompatível com a legislação atinente à morte medicamente assistida”, apontando que as pistas de solução lançadas pelo TC “foram seguidas pelos deputados”, introduzindo “normas definitórias que ultrapassam, em definitivo, os problema de falta determinabilidade de lei, assim emprestando segurança e certeza jurídicas em matéria de grande sensibilidade”.
Ainda sobre as dúvidas do Presidente da República sobre a exigência doença seja “incurável”, “fatal” ou “grave” para se poder recorrer à morte medicamente assistida, os dez signatários consideram que elas “já existiam” no primeiro decreto, que foi remetido para o TC, e “quantas a essas”, nem Marcelo nem o Tribunal “encontraram qualquer” desconformidade com a Constituição.
Já no primeiro decreto, prosseguem os juristas, Marcelo poderia “ter levantado a dúvida” que agora coloca, porque a lei aludia, no mesmo artigo, a “natureza incurável da doença ou condição definitiva da lesão” e a “doença incurável e fatal”. Os dez signatários referem também que, na altura, Marcelo tinha a consciência de que a finalidade da lei, que passava por “contemplar uma doença incurável, ou fatal, como resultado de todo o processo legislativo, desde que dela resulte um sofrimento intolerável”, um aspeto a que o TC “não teve dúvidas em considerar ser suficientemente determinado ou determinável”.
No segundo decreto — já corrigido pelos deputados –, há referências, afirmam os juristas, a um “tipo de doença incurável e fatal a que tem de ser sempre associado com o atroz sofrimento, juridicamente determinado”. Logo que essa condição exista, “a doença tanto pode ser incurável como fatal, pois trata-se do exercício à autodeterminação pessoal”.
Além disso, o TC estipulou que “cada pessoa [tem] o poder de tomar decisões cruciais sobre a forma como pretende viver a própria vida e, por inerência, a forma como não a pretende continuar a viver”. Ora, argumentam os signatários, Marcelo optou por não tomar em consideração a questão do sofrimento, tendo recusado usar uma “hermenêutica teleologicamente fundamentada e integrada”, que é a única que é “sufragada pela doutrina e pela jurisprudência”.
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A carta aberta foi assinada pelo pelos professores universitários de Direto André Lamas Leite, Ana Raquel Conceição, David Duarte, Hugo Ramos Alves, Inês Ferreira Leite, Miguel Prata Roque e Teresa Pizarro Beleza, pela jurista Conceição Condeço, a docente universitária Joana Macedo Vitorina e o advogado Paulo Saragoça da Matta.