“O país tem conseguido manter a situação epidemiológica controlada”, afirmou a ministra da Saúde, Marta Temido, no início da conferência de imprensa desta sexta-feira, dedicada à situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal. “Porém temos uma nova dificuldade e temos de a enfrentar em conjunto, a variante Ómicron”, alertou.

A ministra lembrou que as medidas atualmente em vigor se deveram ao crescimento do risco de transmissão. Agora, se esta variante se transmite mais, cada um terá de fazer mais. “Os próximos dias vão ser decisivos para percebermos o impacto desta nova variante e a resposta proporcional com a qual nos comprometemos.”

Mais uso de máscara, mais testes, mais vacinação, mais controlo de fronteiras. Todos temos de estar preparados para fazer mais”, incitou Marta Temido.

Sobre a primeira semana de janeiro, em que as escolas estarão fechadas, os bares e discotecas também e o teletrabalho é obrigatório, Marta Temido avisou: “O período de contenção já definido para 2 a 9 de janeiro não pode ser visto como um momento de compensação, mas como reforço daquilo a que todos somos chamados a fazer até lá”.

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Vacinas “permitiram inverter a tendência do risco de transmissão”

Uma das estratégias implementadas foi, também, o reforço da campanha de vacinação — até quinta-feira, tinham sido administradas 2,2 milhões de doses de reforço da vacina contra a Covid-19. Mais de 80% das pessoas com mais de 80 anos já a tomaram, e quase 70% das pessoas com 65 a 79 anos, destacou a ministra.

Estas vacinas de reforço “permitiram inverter a tendência do risco efetivo de transmissão, que se mantinha acima de 1 desde meados de outubro”, e que tem vindo a reduzir, disse a ministra.

25% das pessoas a partir dos 70 anos ainda não tomou a dose de reforço contra a Covid-19

Questionada sobre se Portugal vai continuar a usar a vacina da Janssen (da Johnson & Johnson), numa altura em que peritos norte-americanos preferem o uso da Moderna e da Pfizer face às doses de reforço, Marta Temido recordou que, no país, as vacinas de reforço estão a ser feitas com vacinas mRNA. “Ou seja, as pessoas que fizeram a primeira vacina não mRNA, agora o reforço é com mRNA”. A ministra salientou ainda que as aquisições do país são desta “tecnologia vacinal”.

A ministra lembrou também que o plano de vacinação do país tem em conta a “população vulnerável de grupos” e deu como exemplo as crianças abaixo dos 11 anos que começam a ser vacinadas este fim de semana. Sobre a prioridade aos professores, Temido descartou a ideia, para já, dizendo que “os grupos específicos poderão ser considerados numa outra fase.”

Governo pondera aumentar o número de testes gratuitos por pessoa

O número de testes gratuitos disponíveis por pessoa pode aumentar, admitiu Temido, devido às recomendações mais recentes e ao expectável aumento da procura. “Será um alargamento que será possível e equacionável no contexto do que estamos a acompanhar”, continuou.

Até agora, a comparticipação tem estado limitada ao máximo de quatro testes por mês e por utente, uma medida que foi reintroduzida a 18 de novembro. Questionada sobre o número em questão que poderá estar em cima na mesa, nesse cenário de alargamento de testes, a ministra da Saúde não adiantou pormenores, voltando a frisar a importância da vacinação e da testagem.

Questionada sobre a possibilidade do uso da máscara no exterior, Marta Temido lembrou que, “ao contrário da opção de alguns países, mantivemos a utilização da máscara em espaços fechados a maioria do tempo e voltámos a reforçar essa utilização no início do mês de dezembro”. “A utilização máscara em espaços fechados permanece a condição essencial.”

Já sobre a capacidade dos serviços, referiu que a utilização de serviços começa “naturalmente” a ressentir-se em termos de inquéritos epidemiológicos, mas também de resposta à testagem, dada a “procura mais intensa”.

Tendo em conta os cuidados hospitalares, “na última semana estavam ainda com níveis estáveis”, ainda que as autoridades de saúde prevejam um “agravamento”.

Na semana passada foram contratadas mais de 400 camas, sendo que as administrações regionais de saúde celebraram mais 38 acordos para o encaminhamento de utentes Covid e não Covid.

No final do ano, a Ómicron pode representar mais de 90% dos casos

Sobre a variante Ómicron, Marta Temido salientou que os primeiros casos no país foram identificados a 28 de novembro e que, neste momento, a prevalência já ronda os 20%.

“Dentro de uma semana será a variante dominante no país”, diz João Paulo Gomes, investigador no investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), acrescentando que até ao final do ano, será mais de 90%.

João Paulo Gomes confirmou que, de facto, tudo indica que a Ómicron é mais transmissível do que as variantes anteriores, mas desmente que a nova variante possa ter uma transmissibilidade 70 vezes superior à Delta. “Isso não existe, está muito longe da realidade.”

A transmissibilidade deve medir-se por critérios epidemiológicos — número de infeções — e não por medições em células de laboratório: “Não daria valor aos dados de laboratório em termos de transmissão”.

No caso da Ómicron, tal como aconteceu com a Alpha, não é preciso sequenciar geneticamente todas as amostras (fazer a leitura dos genes do vírus de cada caso positivo) para ter uma boa estimativa da prevalência, uma vez que uma mutação da Ómicron faz com que o teste PCR não consiga detetar uma das regiões do vírus (detetando perfeitamente as outras duas).

Apesar da falha no teste, usada em proveito dos investigadores, João Paulo Gomes assegurou que “não há indicação que qualquer teste de diagnóstico tenha menor eficácia contra esta variante.”

Neste momento, continua a haver um conhecimento parco e muita incerteza sobre a variante Ómicron, como destacaram a ministra e os investigadores. “Sabemos que é mais transmissível do que a Delta, a variante predominante até à data”, afirmou Marta Temido, para acrescentar a duplicação de casos de um a dois dias na África do Sul, de dois a três dias na Dinamarca e no Reino Unido. Face a Portugal, o tempo estimado é “de dois dias”.

“Sabemos que há uma aparente menor gravidade da doença e da consequente letalidade, sabemos ainda que há uma aparente diminuição da efetividade vacinal após o esquema primário”, referiu. “A efetividade vacinal contra a infeção sintomática após a administração da dose de reforço estimada ainda em 70 a 75%.”

Assim, a ministra justificou que seja “útil, neste cenário, olharmos para os países que estão à nossa frente, ou aparentemente à nossa frente, na medida em que este ritmo de duplicação de casos é muito significativo”. Olhando para Reino Unido e Dinamarca, “vemos que o tradicional formato de evolução da curva da incidência é substituído por uma parede de casos, quase um arranha-céus de casos”, acrescentou a ministra.

“Os cenários que têm sido desenvolvidos têm uma larga margem de incerteza”, reforçou Baltazar Nunes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Se, por um lado, a Ómicron aparenta ter maior transmissibilidade ou maior vantagem em relação à Delta — o que se traduz num maior número de casos —, por outro lado, “a expressão ao nível do aumento das hospitalizações ainda é uma grande incógnita”.

E esta incógnita depende sobretudo de dois fatores: da gravidade da infeção — “Tudo indica que será igual ou menor do que a Delta”, diz o investigador — e da efetividade das vacinas contra a doença grave por Ómicron.

Sabemos que há uma redução da efetividade da vacina contra infeção sintomática, mas os estudos são muito recentes e com uma grande incerteza — número de casos analisados muito pequeno”, disse Baltazar Nunes.

Isto significa que é menos eficaz a prevenir a infeção, mas não se sabe se será menos eficaz a prevenir a doença grave. Quando a Delta substituiu a Alpha, também houve redução da proteção contra infeção, mas não contra internamento.

Se se verificar que as vacinas têm menor proteção contra hospitalização, mesmo em Portugal, com cobertura vacinal elevada e doses de reforço, “poderemos ter cenários em que o número de hospitalizações em cuidados intensivos ultrapasse as linhas vermelhas” e “podemos ter de adotar outras medidas para conter a pandemia”.

Por outro lado, se a vacina se mantiver eficaz contra a hospitalização, os casos de infeção podem continuar a aumentar, mas as camas ocupadas nos cuidados intensivos não ultrapassará muito as linhas vermelhas.

O grande indicador será o número de hospitalizações no grupo acima dos 70 anos que tomou a vacina de reforço há pouco tempo. Outro sinal do domínio e transmissibilidade da Ómicron será se o Rt deixar de diminuir (como tem acontecido nas últimas semanas) e voltar a aumentar.

A nossa expectativa é que, quando atingirmos uma maioria do número de casos da variante Ómicron, que o Rt que está neste momento a descer, comece a crescer.”

Quer seja porque cada indivíduo consegue infetar mais pessoas, quer porque mesmo os vacinados e recuperados possam ser infetados, o aumento da transmissibilidade previsto para a Ómicron vai fazer o Rt subir novamente e, com ele, a incidência. Mas o processo de transmissão é igual ao dos restantes coronavírus, por via respiratória. Tem é a vantagem de ter mutações que lhe permitem ligar-se melhor às nossas células (infeta melhor) e outras que afetam a ligação aos anticorpos.

“A partir desse momento, começamos a ter dados suficientes para fazer projeções da velocidade a que está a crescer em Portugal”, disse Baltazar Nunes, isto tendo em conta também o padrão de vacinação e a exposição anterior ao vírus.

O investigador acrescentou ainda que “é pouco provável que haja um impacto nas hospitalizações e morte enquanto não houver um impacto na incidência”.