O líder socialista apresentou esta segunda-feira as linhas do programa com que o PS concorre a eleições. No Cineteatro Capitólio, em Lisboa, António Costa começou logo pela necessidade de garantir a “governabilidade”, a “estabilidade” e a “previsibilidade” (e colou-se ao Presidente Marcelo) nas próximas eleições, assinalando como “fundamental que haja uma maioria” — sem sequer referir eventuais acordos à esquerda, que até depreciou. De seguida, o socialista sublinhou que em primeiro lugar o PS propõe-se “executar integralmente todas as medidas de apoio às famílias e às empresas que a coligação negativa de todos os partidos impediu que fossem aprovadas”, onde inclui o salário mínimo de 900 euros no final da próxima legislatura.

Ir além da proposta in extremis do SMN e estudar semanas de 4 dias de trabalho (em alguns setores)

A sessão começou atrasada, com os presentes a terem de realizar teste à Covid-19 à entrada do Capitólio, o que levou a um tempo de espera. António Costa tomou o púlpito precisamente pela responsabilização da “coligação negativa” pela crise política, apontando uma a uma as medidas que foram chumbadas no Orçamento do Estado para 2022. Entre elas inclui-se a trajetória de subida do salário mínimo nacional que Costa propõe que chegue a 2026 nos 900 euros. Na proposta final que fez à esquerda, na negociação do OE para 2022, o PS inclui uma trajetória que fixava o valor do rendimento mínimo nos 850 euros em 2025, agora acrescentou mais um ano e, consequentemente, 50 euros a esse aumento proposto in extremis nas negociações finais com a esquerda em novembro passado.

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“A coligação negativa impediu. A maioria do PS pode fazer avançar”. Costa apresenta programa do PS

Ainda em matéria salarial o programa do PS também vai prever um “quadro fiscal adequado para que as empresas assegurem, a par da criação de emprego líquido, políticas salariais consistentes em termos de valorização dos rendimentos, centrado na valorização dos salários médios”. Embora não concretize mais do que isto nas linhas gerais que forem entregues. Em matéria de organização do trabalho, o PS também não se compromete, mas propõe-se a “promover um amplo debate nacional e na concertação social ” sobre o teletrabalho. A ideia de base passa pela possibilidade de aplicar a alguns setores modelos híbridos de teletrabalho ou mesmo “a semana de quatro dias” — está inscrito nas linhas do programa e foi referido por Mariana Vieira da Silva que discursou antes de Costa.

Foi ainda a dirigente socialista e também ministra do atual Governo que apontou que o partido vai manter o caminho das “contas públicas certas” e propõe-se a ter um crescimento 0,5 pontos percentuais acima da média da UE e 1 ponto acima da zona euro até 2026. Isto além de prometer uma redução “no mínimo, no horizonte de 2026, o peso da dívida pública no PIB para valores inferiores a 110%”.

O líder do PS falou ainda nas necessidades do país e disse que para lhes responder “não pode andar de crise em crise e a viver de governos provisórios de dois anos” — uma ideia do líder do PSD Rui Rio que Costa já tinha recusado no passado. E sublinhou, mais uma vez, que a sua proposta é para quatro anos, agora que “já se sabe” que o PS não conseguirá aprová-la com mais ninguém. A ideia de desvalorizar o apoio de esquerda foi colocada assim: “Já sabemos que sem uma maioria do PS estas alterações não conseguem passar na Assembleia da República”.  E na sequência desta frase ainda acrescentou a recusa a que o país “ande de instabilidade em instabilidade”.

Despique com Rui Rio no namoro aos professores

Quanto a promessas, além das que traz do Orçamento que não passou, António Costa alinha ainda, nas linhas gerais que apresentou, uma parte totalmente dedicada aos professores — uma classe que Rui Rio namorou em particular no discurso de encerramento do Congresso do PSD, em dezembro. O PS propõe um “Pacto Social para a Educação: Uma Educação de Qualidade para Todos”, sem concretizar medidas e apenas alinhando intenção de mobilizar professores, pais, encarregados de educação e alunos para esse seu desígnio. Mas para os professores em concreto, o PS propõe-se a “alterar o regime de recrutamento” e o “modelo de vinculação”, “introduzindo fatores de estabilidade reforçada quer no acesso à carreira quer no desenvolvimento dos projetos pedagógicos, reduzindo, sempre que se justifique, a mobilidade entre escolas e possibilitando a vinculação direta em quadro de agrupamento ou quadro de escola”. E também “criar incentivos à aposta na carreira docente e ao desenvolvimento de funções docentes em áreas do país onde a oferta de profissionais é cada vez mais escassa”.

Aliás, a sessão começou com uma intervenção do diretor do gabinete de estudos do PS, Porfírio Silva que atirou precisamente ao PSD nesta matéria onde há um despique entre as partes, ao dizer que os socialistas querem aumentar o número de professores “contrariamente a outros que ainda há pouco tempo achavam que havia professores a mais e que podiam agir em conformidade”. “Temos de tornar esta carreira mais atrativa”, acrescentou depois António Costa, quando falava na necessidade de dar estabilidade a esta carreira — uma reinvindicação antiga de um setor de peso (eleitoral também).

Saúde. “Lições da pandemia” e prometer obra

Na Saúde, os socialistas dizem ter aprendido as “lições da pandemia” e apontam como prioridades a revisão dos modelos da Unidades de Saúde Familiar e garantir que cobrem 80% da população até ao fim da legislatura. Mantêm a promessa de implementar o regime de trabalho em dedicação plena, “como previsto no projeto de Estatuto do SNS” aprovado mesmo no final da legislatura, e ainda rever incentivos pecuniários e não pecuniários a médicos que se fixem nas zonas mais carenciadas.

Além disso, o PS vai inscrever no seu programa o compromisso de “construir ou modernizar até 2026 100 unidades de cuidados de saúde primários e construir as novas unidades hospitalares Central do Alentejo, Lisboa Oriental, Seixal, Sintra, Central do Algarve e a maternidade de Coimbra”.

A regionalização — já se sabe — mantém-se na proposta socialista, com Costa a voltar a propor o referendo em 2024. E, em matéria de organização democrática, propõe também a “criação de um Simplex’ para os fundos europeus, destacando o desenvolvimento de um processo de pré-qualificação de beneficiários, que se materialize numa ‘certidão permanente'”. Recorde-se que a gestão dos fundos tem sido um ponto-chave no discurso do Presidente da República, que tem exigido transparência neste processo numa altura em que o país se preparar para receber um envelope financeiro “irrepetível”, o que repetiu na sua mensagem de Ano Novo.

O PS chegou a ter previsto apresentar apenas um manifesto eleitoral, já que o programa eleitoral que apresentou em 2019 — depois convertido em Programa de Governo — foi interrompido a meio. Era para o período que ia até 2023, mas o chumbo do Orçamento do Estado para este ano precipitou eleições legislativas que foram marcadas para o dia 30 de janeiro. Mas o que é certo é que o programa eleitoral completo continua por divulgar — o que só deverá acontecer na próxima quarta-feira — e por agora conhecem-se apenas as linhas gerais e a lista das “12 grandes prioridades” do partido para os próximos 4 anos (e 10 meses, já que a legislatura que se segue terá de ser estendida até outubro de 2026, de acordo com a Constituição):

1. Convergir entre 2021 e 2026. Crescer por ano em média 0,5 p.p. acima da média da UE27 e 1 p.p. acima da média da zona euro;

2. Manter as contas públicas certas. Reduzir, no mínimo, até 2026, o peso da dívida pública no PIB para valores inferiores a 110%;

3. Alterar o regime de recrutamento, introduzindo fatores de estabilidade reforçada no acesso à carreira de professor;

4. Prosseguir o trabalho de revisão e generalização do modelo das unidades de saúde familiar, garantindo que elas cobrem 80% da população na próxima legislatura;

5. Garantir a visitação domiciliária pelos cuidados de saúde primários dos residentes em estruturas para idosos;

6. Aumentar, até 2026, para 80% o peso das energias renováveis na produção de eletricidade, antecipando em 4 anos a meta estabelecida;

7. Creches gratuitas, de forma progressiva, até 2024;

8. Aprovar as alterações legislativas para a Agenda do Trabalho Digno na AR até julho;

9. Discutir novas formas de equilíbrio dos tempos de trabalho, incluindo a ponderação de aplicabilidade em diferentes setores das semanas de quatro dias ;

10. Aumentar até 2026 o peso das remunerações no PIB em 3 pontos percentuais para atingir o valor médio da União Europeia – aumentar o rendimento médio por trabalhador em 20% entre 2022 e 2026;

11. Apoiar, até 2026, 30 mil jovens em cursos profissionais nas áreas emergentes e na formação superior nas áreas STEAM (Ciências, Tecnologias, Engenharias, Artes e Matemática);

12. Aumentar em 25% face a 2017 o número de empresas nacionais exportadoras para atingir um volume de exportações equivalente a 53% do PIB em 2023.