Era um dos debates mais aguardados e percebeu-se porquê: afinal, Rui Rio conta ou não com o Chega para formar uma maioria à direita? E, em caso afirmativo, qual é o preço que André Ventura exige para fazer parte dessa mesma maioria? Os dois entraram no frente a frente com posições de princípio e não as abandonaram: Ventura só aceita apoiar um governo social-democrata se integrar o executivo; Rio não aceita coligações e paga para ver se o Chega vai engolir o sapo ou perpetuar os socialistas no poder.
Se estas posições vão permanecer inalteradas depois de 31 de janeiro é outra questão. Neste debate, tal como vem fazendo ao longo dos últimos meses, Rui Rio negou toda e qualquer pretensão de incluir o Chega no Governo, usou os Açores como um exemplo irrepetível dada a “instabilidade” de Ventura e fez o exercício teórico que há muito vai correndo na direção do PSD: se, apesar de barrado, for chamado a viabilizar um Governo de direita, Ventura rejeitará essa solução e entregará o poder ao PS?
“Se [o PSD] apresentar um programa de governo, aí, André Ventura tem de decidir se quer chumbar um governo do PSD ou não”, atirou Rio, já perto do final do debate. Antes disso, o social-democrata já tinha rejeitado qualquer tipo de coligação com o Chega (“não quero ir para o poder a qualquer preço”), entre uma e outra consideração sobre o partido liderado por André Ventura. “Não posso fazer uma união com um partido que é instável”, chegou a dizer Rui Rio.
A questão de formação de Governo está resolvida: Rio diz que não conta com o Chega, Ventura diz que só aceita conversar com bilhete de entrada no carrossel executivo. Um dos dois terá necessariamente de ceder.
A partir daí, tudo fica mais ambíguo e não ficou resolvido neste debate. Sem um acordo de coligação de Governo e sem um acordo de incidência parlamentar, Rio espera que André Ventura dê luz verde a todos os Orçamentos sem qualquer tipo de moeda de troca? Ou vai negociar? Se negociar, vai negociar o quê? Com que horizonte? Rio não o disse.
André Ventura, por sua vez, entrou no debate mantendo o preço que há muito definiu: só aceitará apoiar o PSD se fizer parte do Governo e repetiu a mesma ideia em vários momentos do debate. Daí não saiu e, já perto do final do duelo a dois, depois de Rio ter dito que era o Chega que tinha de escolher entre permitir Rio como primeiro-ministro ou a perpetuação do PS, Ventura resistiu em responder à pergunta, insistindo que “o Chega só aceita um Governo de direita em que possa fazer essas transformações e isso implica presença no Governo”. A ver se assim será, caso o cenário se confirme.
Rio tentou demonstrar divergências, Ventura jogou em casa
A par desta dança muito particular entre os dois em torno da questão da governabilidade, o primeiro a ter a iniciativa do jogo foi Rui Rio. O líder do PSD levou para o debate uma estratégia pensada: provar por A+B que as divergências com o Chega são profundas e insanáveis. Ensaiou Rio: “O Chega já disse que só apoiará o PSD se fizer uma coligação, se tiver quatro ou cinco ministérios. Isso não pode ser. Há divergências de fundo com o Chega que não permitem isso. Não quero ir para o poder a qualquer preço. O Chega assume-se contra o regime. Mas aquilo que quero é pôr o regime democrático democrático. É impossível fazer uma coligação com o Chega. Não há Chega moderado.”
A partir daí, no entanto, foi Ventura quem tomou as rédeas do debate com uma estratégia exatamente oposta: provar que há vários pontos de contacto entre ele e Rui Rio. “Em que é que o Chega é radical!?”, chegou a interpelar Ventura. Três exemplos: prisão perpétua, subsiodependência e redução do número de deputados.
Sobre a prisão perpétua, Rio foi ambíguo, limitando-se a explicar as diferenças entre o que é praticado pela generalidade dos países europeu e as propostas de Ventura, sem se pronunciar sobre a validade das soluções seguidas por países como a Alemanha ou a Bélgica, onde existe de facto a figura de prisão perpétua ainda que com possibilidade de liberdade condicional depois de um período mínimo de pena.
Sobre a subsidiodependência, Rio, que tem insistido na questão desde as regionais açorianas e tem um historial muito próprio durante os 12 anos em que presidiu a Câmara do Porto, tentou demarcar-se da posição do Chega, explicando que não quer cortar qualquer tipo de subsídio mas antes aumentar a fiscalização. “Não quero cortar subsídio nenhum, quero fiscalizar. Os subsídios são para quem realmente precisa. Estamos acima de tudo a falar de uma moralização”, sustentou Rio.
Terceiro ponto, também trazido por Ventura, embora há muito seja conhecida a posição de Rio: a redução do número de deputados. O líder do PSD defende a redução para 215 deputados, o presidente do Chega pretende a redução para 100 parlamentares. Rio tentou explicar que pretende salvaguardar a representação dos pequenos partidos, incluindo a do Chega; Ventura disse não estar preocupado com seu próprio lugar. E por aí ficaram. Rio, na defensiva, tentou explicar as suas próprias ideias, num curto espaço de tempo; Ventura dominou a agenda dos temas levados para o debate.
O apelo ao voto útil e o contra-ataque
Outro aspeto da estratégia que Rio levou para o duelo: conseguir falar ao eleitorado que pode oscilar entre PSD e Chega que só ele pode derrotar António Costa e que qualquer voto em André Ventura será mais um voto em António Costa.
“Se o resultado eleitoral der ao Chega uma votação expressiva temos muita dificuldade em tirar o PS de lá. Se o eleitorado votar muito no Chega e menos no PSD, obviamente que está a dificultar imenso a saída de António Costa. Se fizer o voto útil e razoável no PSD está a facilitar substituirmos António Costa”, atirou Rio.
O líder do Chega, por sua vez, insistiu na colagem de Rui Rio a António Costa, dizendo que só ele garantiria uma verdadeira alternativa aos socialistas. “Estou à minha frente com um homem que não quer ser líder da oposição, quer ser vice-primeiro-ministro de António Costa. Eu quero ser a alternativa ao PS, não quero ser vice-primeiro-ministro de ninguém”, rematou.
O diálogo mais revelador
Rui Rio: O que eu disse foi ‘se o Chega se moderar…’, o Chega não se tem moderado, bem pelo contrário. Há pouco confrontou André Ventura com isso e disse que há dias em que diz que o PSD é igual ao PS, há dias em que diz que o líder do PSD gostava de ser líder do PS e no dia seguinte diz que se gostava de juntar para tirar o PS daquele que gostava de ser líder do PS.
André Ventura – Mas o radicalismo é isso…
Rui Rio – Isto não tem lógica nenhuma. Para tirar de lá António Costa quer aliar-se com alguém que ele acha que gostaria de estar no lugar de António Costa no sentido de ser líder do PS. Não tem coerência. Há uma instabilidade e se não olhasse para ela, aconteceria aqui no continente o que está a acontecer nos Açores, uma completa instabilidade por depender do Chega. Aquilo que entendo dos militantes do PSD, dos votantes do PSD e portugueses é que não querem um PSD encostado à direita, querem um PSD moderado e ao centro. Revejo-me totalmente porque é a minha maneira de ser, forma de estar ideologicamente onde me situo.
Clara de Sousa – Mesmo que isso signifique entregar o poder novamente ao PS?
Rui Rio – Não significa entregar ao PS necessariamente por isto: se apresentar o programa de Governo na Assembleia da República e André Ventura tem de decidir se quer chumbar o Governo do PSD e abrir as portas a um Governo da esquerda ou não.
André Ventura – Já deixei bem claro quais são as nossas condições e o porquê, mas hoje também ficou aqui bem claro qual é o problema: não são as medidas nem as ideias, o problema é eu dizer coisas como ‘o dr. Rui Rio prefere estar com o PS’; é uma questão pessoal. Não é uma questão política.
Clara de Sousa – Mas não deixou claro, ontem disse que faria tudo para afastar António Costa e hoje diz que não fará tudo.
André Ventura – Farei tudo para isso, tudo faremos para isso.
Clara de Sousa – Não viabilizará orçamentos de um Governo do PSD que precise do seu voto porque não está no Governo.
André Ventura – Não viabilizaremos nenhum orçamento mau para o país e se não houver reformas na Justiça e na Segurança Social, não viabilizaremos nenhum orçamento. O Chega só aceita Governo de direita em que possa fazer essas transformações e isso implica presença no Governo. (…) O que o PSD estava habituado era a ter muletas como o CDS e IL, só que aqui há um partido que tem ideias de rutura.