A constitucionalista Teresa Violante afirma que a suspensão do isolamento no quadro da Covid-19 para exercer o direito de voto nas eleições legislativas de 30 de janeiro é “claramente constitucional” e mostra-se “satisfeita” com a possibilidade. Ainda assim, a especialista considera “estranho” que o Governo tenha pedido um parecer ao ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) para saber se o isolamento impede o exercício do direito de voto ou se poderá ser interrompido para esse efeito.

O anúncio de que o Governo pediu esse parecer foi feito ao final da manhã pelo Presidente da República, no final da reunião do Infarmed. Marcelo Rebelo de Sousa explicou que o Executivo de António Costa está a estudar três cenários para permitir que todos os cidadãos em isolamento por causa da Covid-19 podem votar nas eleições legislativas. E, um deles, passa pela suspensão do isolamento.

Governo pediu parecer à Procuradoria-Geral da República para saber se isolamento impede direito de voto

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em declarações ao Observador, a constitucionalista Teresa Violante aplaude a iniciativa.

[A medida] é claramente constitucional. Ver finalmente que os órgãos de soberania e os principais responsáveis políticos estão genuinamente preocupados com esta situação deixa-me profundamente satisfeita. Na minha opinião, uma das mais graves aberrações que as medidas sanitárias provocaram até agora foi destituir do direito de voto a quem se encontrava sujeito à medida de confinamento obrigatório. E isso já sucedeu em vários atos eleitorais entre nós nestes quase dois anos de pandemia”, afirma Teresa Violante.

A constitucionalista considera, por isso, que é preciso aprender com a experiência: “Se isso teve alguma justificação nos primeiros atos eleitorais, deixou de ter a partir do momento em que já houve tempo para serem adotadas medidas legislativas”.

Questionada sobre o perigo da transmissão da Covid-19, em caso de suspensão do isolamento, durante o exercício de voto, Teresa Violante afirma que cabe ao Governo tomar medidas e soluções para garantir a segurança de todos os envolvidos. A especialista lembra que nas últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos as pessoas infetadas com Covid-19 não foram impedidas de votar, tendo sido adotadas medidas sanitárias apertadas. “Há uma série de possibilidades que têm de ser estudas e analisadas. Mas claro que fazê-lo três semanas antes não é de todo o cenário ideal”, sublinha.

Ouça aqui na íntegra as declarações de Teresa Violante:

“Uma das mais graves aberrações da pandemia foi destituir o direito de voto a quem está em isolamento”

Teresa Violante defende ainda que o facto de o Governo ter pedido um parecer à Procuradoria-Geral da República para saber se o isolamento impede o direito de voto e se pode ser suspenso (tal como comunicou Marcelo Rebelo de Sousa) não faz sentido.

Eu confesso que me causa alguma estranheza este pedido de parecer que o Governo faz à Procuradoria-Geral da República para saber se é possível ou não suspender o regime de isolamento. O regime de isolamento decorre de uma resolução do Conselho de Ministros aprovada pelo Governo. Portanto, é o próprio Governo que tem o poder de decidir em que termos esse regime de isolamento é aplicado. Não é a Procuradoria-Geral da República que está em condições de saber se é possível fazer essa suspensão e se é possível essas pessoas votarem em segurança ou não”, afirma a especialista.

Na opinião de Teresa Violante, “quem está em condições de fazer essa ponderação e tomar esse juízo é a Direção-Geral da Saúde”. “Não é, certamente, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República”, remata.

Em declarações ao Observador, a constitucionalista afirma que, neste caso, tem de ser o Governo a “tomar a liderança” e, eventualmente, pedir a colaboração da Assembleia da República “se a solução escolhida implicar uma alteração da lei eleitoral”.

E a possibilidade de quem está em isolamento por causa da Covid-19 poder votar obriga a essa alteração? Teresa Violante explica que sim, uma vez que a iniciativa pode levar a uma revisão das modalidade de voto (como por exemplo o alargamento de horários). “Este tipo de questões necessitam de alterações à lei eleitoral. E alterações à lei eleitoral são matéria de competência absoluta da Assembleia da República”, resume a constitucionalista.

Partidos fecham agendas de campanha. Pandemia muda pouco, mas criou uma preocupação — os votos dos isolados

Já na manhã desta quarta-feira, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública afirmou que o Governo admite tomar medidas para garantir que os eleitores em isolamento profilático por causa da Covid-19 podem votar nas eleições legislativas. “É algo ao qual o Governo está a dar toda a atenção”, afirmou Alexandra Leitão, no Explicador da Rádio Observador.

No estrangeiro, o isolamento por causa da Covid-19 não vai ser problema para os emigrantes portugueses, garante secretaria de Estado das Comunidades

Nas eleições legislativas, entra em vigor o voto por via postal. Ou seja, o cidadão recebe automaticamente o boletim de voto em casa, exerce o direito e, depois, envia o documento por correio para Portugal de forma gratuita. A medida visa, habitualmente, facilitar o acesso dos emigrantes ao direito de voto, uma vez que muitos cidadãos têm de percorrer vários quilómetros para votar.

A secretária de Estado das Comunidades reforça, em declarações ao Observador, que a grande maioria dos emigrantes portugueses prefere esta modalidade ao voto presencial.

As pessoas podem optar pelo voto presencial e houve algumas que o fizeram: cerca de 2.800. E vão votar nas mesas de voto da sua área de residência. O voto presencial é uma opção. Mas a grande maioria vai votar por via postal, definido como voto normal. E, assim, mesmo estando confinada, a pessoa vai poder votar”, destaca Berta Nunes.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna anunciaram ontem que o voto antecipado no estrangeiro decorre entre 18 e 20 de janeiro. Em comunicado, as tutelas explicam que este modelo se destina aos “eleitores recenseados em território nacional que se encontrem temporariamente deslocados no estrangeiro” por “inerência do exercício de funções públicas ou privadas ou em representação oficial de seleção nacional, organizada por federação desportiva dotada de estatuto de utilidade pública desportiva”.

Este voto destina-se também a quem é “estudante, investigador, docente e bolseiro de investigação em instituição de ensino superior, unidade de investigação ou equiparada reconhecida pelo ministério competente, doente em tratamento” ou ainda a “eleitores que acompanhem ou vivam com os eleitores mencionados nos quatro pontos anteriores”.

O Presidente da República convocou eleições legislativas antecipadas para 30 janeiro de 2022 depois do “chumbo” do Orçamento do Estado, no Parlamento, a 27 de outubro.

Isolados não podem votar? PSD disponível para apoiar solução