Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, vai ser operado esta quarta-feira, conforme informação avançada pelo próprio partido. A cirurgia de urgência à carótida interna esquerda vai deixá-lo fora da campanha para as eleições legislativas durante mais de uma semana.

“No seguimento de exames médicos e de uma avaliação clínica multidisciplinar foi apurada a necessidade de Jerónimo de Sousa ser submetido a uma intervenção cirúrgica urgente da estenose carotídea (à carótida interna esquerda), que não pode ser adiada para depois das eleições”, esclareceu o PCP em comunicado.

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O que é a carótida?

A artéria carótida é um grande vaso sanguíneo que leva o sangue do coração para a cabeça, cérebro e rosto. Existe uma artéria carótida de cada lado do pescoço e cada uma delas divide-se em dois ramos, um externo (que irriga a face) e um interno (que irriga o cérebro).

O que é a estenose da carótida?

A estenose carotídea é um estreitamento da artéria dificultando a circulação do sangue e resulta, frequentemente, da acumulação de uma placa (de colesterol, por exemplo) dentro das artérias, a que se dá o nome de aterosclerose. Tabagismo, colesterol alto e diabetes são os principais fatores de risco para os mais velhos, mas entre os mais jovens podem existir outras causas não relacionadas com a aterosclerose.

É um problema “relativamente comum”, diz ao Observador o cirurgião vascular J. Pereira Albino. A aterosclerose é causa de enfartes do miocárdio (músculo cardíaco) e outras doenças do coração (como dor no peito), lesões nas carótidas e nos vasos que irrigam os membros inferiores, acrescenta o coordenador da Unidade de Cirurgia Vascular do Hospital Lusíadas em Lisboa.

No caso de Jerónimo de Sousa, a estenose encontra-se do lado esquerdo, o que, para o médico, pode representar uma situação um pouco pior, porque é o hemisfério esquerdo do cérebro que controla a fala, a escrita e vários órgãos.

Estenose da carótida

Estenose da carótida: estreitamento da artéria que irriga o cérebro por acumulação de uma placa de gordura — Blausen.com staff (2014). “Medical gallery of Blausen Medical 2014”. WikiJournal of Medicine 1 (2)

Que consequências pode ter?

“É a causa principal de acidentes vasculares cerebrais [AVC]”, disse à rádio Observador José Silva Cardoso, antigo presidente da Associação Portuguesa de Cardiologia e investigador no Cintesis (Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde).

O estreitamento da artéria pode aumentar até bloquear completamente o vaso sanguíneo, impedindo o transporte de sangue, neste caso para o cérebro, ou podem soltar-se fragmentos da placa que obstruía a artéria que acabam por bloquear vasos mais pequenos — provocando acidente isquémicos transitórios (AIT).

O cirurgião vascular J. Pereira Albino explica que os AIT são como pequenos AVC, mas de curta duração e recuperáveis, em que a pessoa pode momentaneamente perder a força num dos braços, ter dificuldade em falar ou ficar confuso. Estes sinais indicam, muitas vezes, a obstrução das carótidas.

Como se deteta?

Durante muito tempo, o doente pode não ter qualquer sintoma que indique o estreitamento da artéria carótida. Há doentes que permanem assintomáticos, enquanto outros podem sentir tonturas, ficar com a visão turva, desmaiar ou ter um AIT.

Um médico pode detetar o problema através da palpação das carótidas, ao verificar que a pulsação está diminuída, ou, mais frequentemente, através da auscultação, detetando um sopro carotídeo, explicou José Silva Cardoso. Ou seja, o médico consegue detetar o som causado pelo fluxo sanguíneo turbulento ao passar no local obstruído.

O ecodopler carotídeo também pode ser usado como exame complementar para o diagnóstico da estenose carotídea.

No caso de Jerónimo de Sousa, não foi dada informação se era um doente assintomático ou se terá tido algum acidente isquémico transitório.

Como se trata?

Existem duas formas de tratamento, uma por cirurgia e outra por um método endovascular, introduzindo um stent (um tudo de malha metálica que enche como um pequeno balão para abrir a artéria).

Colocação de um stent num vaso sanguíneo com placas ateroscleróticas

O stent é um tudo de malha metálica que enche como um pequeno balão para abrir a artéria com as placas ateroscleróticas — BruceBlaus/Wikimedia Commons

A colocação do stent é menos invasiva do que a cirurgia e tem sido bem sucedido no tratamento de outras situações de obstruções dos vasos sanguíneos no tórax e nos membros inferiores, mas, no caso das carótidas, dá mais complicações que a cirurgia, conta J. Pereira Albino.

A cirurgia implica que se corte a circulação da carótida (impedindo assim temporariamente o fluxo de sangue) e se abra a carótida para poder retirar a placa.

Nos doentes sem sintomas, a cirurgia só é feita quando a estenose é já de 70 ou 80% (ou seja, quando o vaso está tão estreito que representa apenas 30 a 20% do original). No caso dos doentes sintomáticos, a cirurgia é feita a partir de uma estenose de 60%.

Qual o risco da cirurgia?

“O risco é muito baixo e recuperação quase imediata”, disse cirurgião cardiotorácico Manuel Antunes à RTP3. “A anestesia é geral, mas curta, e o doente é acordado no final da cirurgia.”

O médico acredita que se trata de uma “cirurgia profilática”, de prevenção, não é uma cirurgia que vá corrigir alguma que já tivesse a causar problemas.

O cirurgião vascular J. Pereira Albino é mais cauteloso. De facto, o risco de complicações, dependendo do tipo de doente, é baixo, de 3% no máximo. Cerca de 1% desse risco está associado à própria intervenção cirúrgica, que pode, por exemplo, desencadear um AVC, alerta o médico. Depois, podem acontecer pequenas complicações como um hematoma no local da cirurgia ou a lesão de um nervo que encontre próximo da zona operada, provocando, por exemplo, rouquidão.

A recuperação é rápida?

José Silva Cardoso acredita que o secretário-geral do PCP pode “muito rapidamente retomar a atividade normal”. E Manuel Antunes considera que o período de cerca de dias 10 dias até Jerónimo de Sousa voltar à campanha será uma medida de precaução.

J. Pereira Albino diz o doente pode ter complicações nas primeiras 24 horas, mas que se passar esse período sem problemas a recuperação será rápida. “É uma recuperação bastante fácil.” O médico alerta, no entanto, que também podem ocorrer problemas menores como rouquidão e dificuldades de deglutição que podem comprometer ações de campanha no imediato.