O Reino Unido vai ilegalizar a prática da himenoplastia, uma intervenção cirúrgica que consiste na reconstrução do hímen, a membrana localizada na entrada da vagina associada à virgindade da mulher.
No ano passado, tinha já sido criminalizada no Reino Unido a prática de “testes de virgindade”. A ministra de Estado responsável pela área da saúde mental do Reino Unido, Gillian Keegan, explicou que o governo estava empenhado em salvaguardar a segurança das mulheres e raparias vulneráveis do país. “É por isso que estamos a criminalizar os testes de virgindade e é por isso que demos mais um passo importante na criminalização da himenoplastia”.
A prática cirúrgica, explica o The Guardian, é procurada por raparigas e mulheres — muitas vezes vítimas de abuso sexual — que, pressionadas por membros da família ou pela comunidade onde se inserem, procuram conservar o hímen de modo a que ocorra um sangramento aquando a relação sexual na altura do casamento.
A Organização Mundial de Saúde, contudo, salienta que a preservação do hímen não está diretamente relacionada com a prática ou não de atividades sexuais, e que este pode romper-se através, por exemplo, da prática desportiva ou do uso de tampões.
A prática da himenoplastia está relacionada com comunidades conservadoras que atribuem grande simbolismo ao conceito de virgindade — termo que a Organização Mundial de Saúde exclui do dicionário médico — especialmente em relação à prática de relações sexuais na altura do casamento.
Aleena, nome fictício de uma vítima de violação, explicou à BBC que enquanto adolescente, enfrentou a pressão dos seus familiares para que realizasse uma himenoplastia.
Era algo sobre o qual eu sentia que não tinha poder de decisão”, afirmou. “[A cirurgia] foi-me sempre apresentada como sendo a única opção e algo que tinha de fazer para me enquadrar na minha comunidade. Senti-me sozinha, culpada se não a fizesse, como se tivesse a carregar um peso enorme sobre os meus ombros.”
Aleena, como explica o canal britânico, recusou realizar uma himenoplastia, embora a pressão por parte da família continuasse. O casamento com alguém que não atribuiu significado ao “hímen intacto ou não” acabou por ajudar Aleena em relação à pressão familiar.
Outra mulher, de origem curda, vítima de violação na infância, e posteriormente alvo de abuso psicológico por parte da família, considera que a criminalização da prática cirúrgica seria uma proteção de extrema importância para as raparigas e mulheres pressionadas pela família para restaurar o hímen,
“O risco de ser ostracizada pela minha comunidade porque não quis passar pela cirurgia mesmo com a pressão dos meus pais teve um peso muito grande na minha mente. Senti como se não pertencesse [à comunidade] e como se fosse anormal“, explicou Hahsa (nome fictício), citada pelo The Guardian.
O presidente do Colégio Real de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido, Edward Morris, afirmou que a himenoplastia nunca poderá ser justificada com evidências médicas.
“Nós temos feito uma campanha a favor da criminalização tanto dos testes de virgindade como da himenoplastia em conjunto com instituições de apoio aos direitos e à saúde das mulheres, uma vez que [os testes e a prática cirúrgica] são formas de violência contra as mulheres e as raparigas”, assumiu o médico.
Queremos enviar uma mensagem clara aos profissionais de saúde que nenhuma das práticas tem lugar no mundo da medicina e não deveriam ser realizadas em circunstância nenhuma. (…) As mulheres merecem ter o direito sobre o seu sistema sexual e reprodutivo”, concluiu Edward Morris.
Dheeraj Bhar, cirurgião plástico dono de uma clínica privada em Londres, não concordou com a criminalização da himenoplastia. O médico explicou à BBC que embora nunca tenha feito um teste de virgindade nem concorde com esta prática, o médico realiza himenoplastias, que custam entre três mil e quatro mil libras.
Acho que o principal problema é que quando se bane um procedimento médico está-se a conduzir os pacientes para o mercado negro. Vão começar a procurar ‘médicos de esquina’ ou a trazer para o Reino Unido médicos de outros países para realizarem estes procedimentos”, explicou Dheeraj Bhar. “A grande preocupação é que se nãos e souber onde é que estes procedimentos estão a ser feitos não se pode monitorizar as complicações resultantes daí”.
Está prevista uma pena de prisão de até cinco anos para quem execute ou incentive a himenoplastia, e também a condenação de quem coagir uma mulher ou rapariga a viajar para o estrangeiro com o propósito de realizar a cirurgia.