A Igreja Católica em Portugal está a investigar um caso de alegados abusos sexuais cometidos há mais de 30 anos por um padre português, informou esta quarta-feira o Patriarcado de Lisboa, instituição eclesiástica que recebeu a denúncia. O caso, além de estar a ser investigado internamente, também já estará nas mãos do Ministério Público.

A queixa foi, porém, remetida para a diocese de Vila Real, uma vez que o sacerdote em questão, embora tenha trabalhado durante algum tempo em Lisboa, é natural de Vila Real e se encontra atualmente sob a jurisdição do bispo daquela diocese transmontana, D. António Augusto de Azevedo.

“A Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa recebeu uma denúncia de abusos praticados, há mais de 30 anos, por um sacerdote que exerceu o seu ministério nesta diocese e que está, atualmente, incardinado na Diocese de Vila Real, de onde é natural”, lê-se num comunicado enviado esta manhã pelo Patriarcado de Lisboa.

A denúncia foi dada a conhecer ao Bispo daquela diocese, que informou ter iniciado uma investigação prévia e feito a comunicação às autoridades judiciais competentes“, acrescenta a diocese lisboeta, que é liderada pelo cardeal-patriarca, D. Manuel Clemente.

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“A Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa prossegue o seu trabalho, mantendo uma total disponibilidade para colaborar com as autoridades competentes e tendo sempre como prioridade o apuramento da verdade e o acompanhamento das vítimas.”

A diocese de Vila Real também confirmou o caso. Num comunicado publicado na sua página de internet, o bispo D. António Augusto de Azevedo deu mais detalhes: “A Diocese de Vila Real recebeu do coordenador da Comissão para a proteção de menores da Diocese de Lisboa a informação da existência de uma denúncia de eventuais abusos de menores ocorrido há alguns anos naquela diocese. O caso envolverá o Pe. Manuel José Moura Machado, ordenado em Lisboa em 1985 e incardinado na diocese de Vila Real em 2011.

“O referido sacerdote foi informado desta denúncia e afastado de toda a atividade pastoral. Em cumprimento das orientações em vigor, será iniciada uma investigação prévia e feita a comunicação às autoridades judiciais competentes”, confirma o bispo de Vila Real.

Em causa estão as paróquias de Parada de Monteiros, Pensalvos e São Martinho de Bornes, todas situadas no concelho de Vila Pouca de Aguiar, que agora ficam sem sacerdote. Na terça-feira, D. António Augusto de Azevedo já emitiu um decreto extraordinário de nomeação do padre Marco Paulo Monteiro Amaro como administrador das paróquias em questão devido ao afastamento do padre Manuel José Moura Machado.

Em resposta ao Observador, o bispo de Vila Real explicou que “este caso é especial na medida em que diz respeito a duas dioceses”, o que implica uma articulação entre dois bispos. “A vítima foi escutada e julgo que acompanhada pela diocese de Lisboa”, disse. “Em relação ao sacerdote, foram tomadas as medidas previstas para estes casos. Está a ter o acompanhamento necessário. Canonicamente, para já, terá lugar um inquérito.”

D. António Augusto de Azevedo acrescentou, ainda, que “o caso denunciado não tem qualquer relação com a diocese de Vila Real mas reporta-se ao período em que o referido padre trabalhou na diocese de Lisboa, concretamente em paróquias na zona de Sintra”.

A Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa é uma estrutura interna da Igreja Católica criada em abril de 2019, dois meses depois da cimeira convocada pelo Papa Francisco que reuniu em Roma duas centenas de bispos de todo o mundo para discutir a resposta a dar à crise dos abusos de menores na Igreja. A criação de comissões destinadas a acolher e a encaminhar denúncias foi uma das medidas discutidas nessa reunião — e o cardeal-patriarca de Lisboa, que representou Portugal na cimeira, foi o primeiro a avançar com uma.

O organismo é liderado por D. Américo Aguiar, bispo-auxiliar de Lisboa, e inclui várias figuras da sociedade civil, como o antigo procurador-geral da República Souto de Moura, o ex-diretor nacional da PJ José Alberto Campos Braz ou o ex-diretor nacional da PSP Francisco Oliveira Pereira.

Algumas dioceses portuguesas seguiram o exemplo de Lisboa, mas nem todas, uma vez que alguns bispos portugueses (mais notavelmente os do Porto, Funchal e Lamego) rejeitaram a ideia. Mais tarde, o Vaticano determinou que todas as dioceses católicas do mundo deveriam ter uma estrutura deste género, o que levou várias dioceses portuguesas a terem de criar comissões — mesmo que a contragosto dos bispos. Atualmente, as 21 dioceses nacionais têm uma comissão de proteção de menores.

Estas comissões, que são organismos da própria Igreja Católica destinados a receber denúncias e a dar-lhes seguimento interno (embora também tenham o dever de as enviar às autoridades civis), não se confundem, porém, com a “Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa“, uma organização liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que inclui a socióloga Ana Nunes de Almeida, o psiquiatra Daniel Sampaio, o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a assistente social Filipa Tavares e a realizadora Catarina Vasconcelos.

Esta comissão, que entrou em funcionamento no início deste ano, depois de a Igreja Católica ter determinado uma investigação independente ao seu próprio passado, tem como objetivo fazer um estudo histórico da crise dos abusos de menores na Igreja Católica em Portugal no período 1950-2022 e, até ao dia 15 de janeiro já tinha recebido e validado 102 testemunhos de abusos.