O jornalista independente Vincent Bresson passou mais de três meses infiltrado no grupo “Génération Z”, designação dada à juventude partidária do candidato de extrema direita Éric Zemmour. Tornou-se, rapidamente, num elemento de confiança da “equipa fantasma”, noticia o Le Monde. A razão? Porque “existe pelo menos uma probabilidade de ele ser presidente”, afirma. A menos de dois meses das eleições em França, Zemmour está em terceiro lugar nas sondagens.

Oficialmente, se alguém é negro ou de origem árabe, Zemmour acredita em ‘assimilação’: com trabalho duro, adaptação à ‘cultura francesa’, podes ser um francês ‘como os outros’”, escreveu Bresson no livro “Au Coeur de Z” (“No Coração de Z”, em tradução livre) que chega às bancas esta quinta-feira, em França.

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Nem os defensores destes ideais passam imunes: a um raro apoiante com ascendência árabe foi-lhe dito que nunca poderia vender o seu apartamento, “não com aquela cara”. Mas cuidado, alerta Bresson, estes “zemmouristas”, apesar de encararem sempre as minorias como “menos francesas”, “são supostamente os rostos mais moderados ​​da campanha”. Noutros dos episódios vivenciados, um dos colegas gozou com o motorista negro que estava a entregar panfletos da campanha: “Se ele ao menos soubesse o que está a carregar”.

Testemunhou ainda uma conversa entre dois militantes seniores, durante o primeiro comício de Zemmour em dezembro, onde se referiram aos funcionários negros do parque de estacionamento como “Mamadou”, um reconhecido insulto racista em França. A ofensa segue, contudo, em linha com o pensamento de Zemmour, pois o próprio afirmou que, caso seja eleito, proibiria as famílias de dar nomes não franceses às crianças, ou seja, só “teriam permissão para usá-lo [Mamadou] como um nome do meio”.

Como “jovem, branco, com formação universitária chamado Vincent – um nome no calendário cristão – e criado como católico”, Bresson considerou-se “um recruta plausível”. O jornalista revela ter ficado surpreendido com a rapidez da integração e a forma como progrediu no grupo: passou rapidamente de expedições para os que vasculham as redes sociais à procura de ameaças potencialmente sérias à segurança do líder. Foi inclusive promovido a uma lista de elite: alguns defensores dormiam na sede de campanha do político, agindo como guardas e em troca recebiam um livro autografado, uma foto ou um almoço com o próprio.

Fiquei admirado com a falta de segurança”, assume Bresson. “Mudei o meu sobrenome e inventei um emprego em relações públicas, mas nem uma vez a minha identidade foi verificada. Muitas vezes, eu podia ter mexido na secretária de Zemmour, por exemplo – embora nunca o tenha feito. Eu sou um jornalista, não um espião”.

“Esta não é uma campanha política transparente”, sublinha, quando detalha a estratégia do diretor Samuel Lafont para minar a internet. A unidade mais célebre é a “WikiZédia”, onde o nome não deixa margem para dúvidas: é responsável por controlar a página da Wikipédia de Zemmour – foi vista 5,2 milhões de vezes em 2021, tornando-se a mais consultada do país. No plano ao qual Bresson teve acesso, o propósito é precisamente esse: ser “o mais visível possível na Wikipedia”, citando as suas opiniões sobre o maior número possível de assuntos — algumas historicamente falsas –, além de enumerar as suas aparições na televisão. É uma atividade “sem precendentes”,  nas palavras do administrador da Wikipédia francesa, Jules.

Entre as instruções recebidas, os jovens entram nos mais variados grupos de Facebook, desde fãs da falecida estrela de rock francesa Johnny Hallyday a adeptos do clube de futebol Lyon, ou até mesmo a amantes de pizza ou anti-vacinas. Aí, publicam conteúdo pró-Zemmour para, em simultâneo, questionar a opinião dos membros do grupo sobre o candidato de extrema-direita. “Eles podem publicar exatamente o mesmo conteúdo em 20 grupos diferentes. Trata-se de criar a impressão de um enorme número de pessoas, de um movimento online massivo”.

O livro, que levou  seis meses da ideia à publicação, esteve até ao final da última semana nas mãos de um dos principais advogados dos média franceses.

É sobre infiltração em nome de mais transparência. Éric Zemmour é o único candidato presidencial condenado por discurso de ódio racista. A atividade online da sua campanha é no mínimo amoral. Há um interesse público muito claro”, justificou um dos editores do livro, Geoffrey Le Guilcher, visto que já estão a ponderar a hipótese de ação judicial contra aquelas 302 páginas.