Entre os sucessivos pacotes de sanções aplicados pela União Europeia (e pelos países aliados) contra a Rússia, nos últimos dias, esteve uma ordem para congelar bens que Vladimir Putin e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, têm no estrangeiro. Mas essa foi uma medida que, sendo inédita, terá sido tomada sem garantias de que é possível apurar exatamente que bens pertencem – oficialmente, Putin ganha o equivalente a 125 mil euros por ano e apenas é dono de um pequeno apartamento. Isso não inclui o luxuoso palácio, sob alta segurança, que Putin garante não ser seu. Nem o iate que até há poucas semanas estava atracado na Alemanha.

Ao longo dos últimos anos foi sendo divulgada informação sobre dinheiro, propriedades e outros bens que oficialmente estão ligados a familiares ou pessoas próximas de Putin. “Cheio de Graça” é o nome de um iate que poucas semanas antes da invasão da Ucrânia saiu da Alemanha em direção à Rússia, sem concluir os trabalhos de reparação e melhoramento a que estava a ser sujeito, segundo noticiou a imprensa alemã. Esse é o nome oficial do navio, construído na Alemanha, mas em várias notícias aparece descrito como “o iate de Putin“.

O iate tem um comprimento de 270 pés, está equipado com um ginásio, um salão onde está um piano de cauda da Steinway, um spa, uma biblioteca e uma grande piscina interior que pode ser transformada em pista de dança.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sobre o design do navio, o dono da empresa alemã que o concebeu afirmou que “o dono é uma pessoa muito confiante. Não é um escravo das tendências [no design]”, afirmou Jonny Horsfield, fundador da empresa H2 Yacht Design. Mas não confirmou que esse dono de quem falava era Vladimir Putin.

O luxuoso palácio nas encostas do Mar Negro

Além do iate, há também o apartamento no Mónaco, avaliado em mais de 3,5 milhões de euros, que foi comprado através de um offshore por uma mulher que se acredita ser amante de Putin. E existe, ainda, uma quinta luxuosa comprada no Sul de França pela ex-mulher de Putin, Lyudmila Putin, e pelo seu (novo) marido.

Mas o expoente máximo da opulência associada a Vladimir Putin – cuja propriedade o próprio nega categoricamente – é um palácio luxuoso nas encostas do Mar Negro, que foi filmado à socapa por um ativista em 2011 e se tornou o principal símbolo da corrupção oligárquica que os opositores de Putin dizem gravitar à volta do Kremlin.

O palácio luxuoso nas encostas do Mar Negro foi filmado à socapa por um ativista em 2011.

Uma ponte de 80 metros liga o luxuoso palácio a uma sala de chá. Existe, também, um túnel que leva até à praia. É um túnel subterrâneo, tal como também é subterrânea a pista de hóquei no gelo que ali foi construída. Em cima há uma zona de casino, um spa, uma sala de cinema, uma adega e várias “disco-piscinas“. Há fontes, vinhas e jardins sumptuosos e portas banhadas a ouro.

Este é o imponente “Palácio de Putin“, que Vladimir Putin garante não ser seu. Só conhecemos pormenores sobre este luxuoso palácio porque um ambientalista (e ativista) conseguiu infiltrar-se no local e entregar as imagens a Alexey Navalny, um dos principais rostos da oposição a Putin nos últimos anos. Esse ambientalista, Dmitri Shevchenko, acabou por ser detido, mas conseguiu passar as imagens recolhidas numa ocasião em que conseguiu entrar no palácio durante uma pesquisa científica àquela região isolada no Cabo Idokopas, não muito longe da zona turística de Gelendzhik.

Tudo ali destilava dinheiro“, descreveu o ambientalista em entrevista à correspondente do espanhol El País em Moscovo. As imagens disponíveis estão num documentário em vídeo, que dura quase duas horas, e que foi colocado no Youtube por Alexei Navalny e pelos seus colaboradores – já acumula mais de 120 milhões de visualizações e está legendado em inglês. Nesse documentário mostram-se, também, imagens obtidas com um drone e, também, imagens dos planos de construção que viram a luz do dia na altura em que o palácio foi construído, no início da década passada.

Hoje a propriedade valerá cerca de 1.200 milhões de euros, com uma dimensão equivalente a 39 vezes o tamanho do principado do Mónaco.

Criou-se ali “um estado dentro de um estado”, garante Navalny no documentário – há guardas a proteger a propriedade vedada, 24 horas por dia, e o FSB (antigo KGB) já veio, entretanto, confirmar que existe uma proibição total a que aviões possam sobrevoar aquele palácio e os 50 quilómetros quadrados à volta – mas sublinha que essa restrição foi imposta apenas para proteger aquela costa de alegados espiões da Nato que terão andado por ali. Os barcos também não podem aproximar-se a menos de dois quilómetros da costa, segundo terá dito a Navalny uma fonte do FSB, organismo que colocou ali um posto de observação.

Imagem do exterior do palácio.

Putin garante, porém, que aquela propriedade não é sua: “nada do que aparece ali descrito como propriedade minha me pertence, nem a mim nem a meus familiares próximos – e nunca pertenceu”. O Presidente russo garante que as imagens que o mostram a nadar numa das piscinas são uma montagem e jura, também, que não viu o documentário de Navalny por ser demasiado longo e “aborrecido” – apenas viu alguns trechos compilados pelos seus assessores.

Perante a polémica, surgiu um empresário próximo de Putin a garantir que o palácio é seu – esse empresário chama-se Arkadi Rotenberg e é um multi-milionário ligado aos hidrocarbonetos e cujas empresas são frequentemente premiadas com concursos públicos de vária ordem na Rússia. É, também, companheiro habitual de judo de Vladimir Putin.

Uma das poucas imagens disponíveis do interior.

O oligarca que fugiu da Rússia e denunciou que o palácio era de Putin

O palácio está numa região onde a construção era proibida mas, apesar da paisagem magnífica e da proximidade a outras estruturas turísticas, “nunca ninguém teve interesse económico em construir ali, porque tinha de se construir toda a infraestrutura do zero”. A dada altura, porém, os ambientalistas onde se incluía Dmitri Shevchenko ficaram alerta porque souberam que o terreno tinha passado para investidores privados e que havia planos para construir ali – o que aconteceu a partir de 2005.

Um dos empresários envolvidos na construção acabou por ser Sergei Kolésnikov, um magnata da construção que abandonou o país e escreveu uma carta aberta ao então Presidente Dmitri Medvédev onde, entre muitas outras coisas, revelou publicamente que era Putin que estava no centro dos financiamentos fraudulentos que teriam estado na origem daquele empreendimento megalómano. Medvédev nunca reagiu a essa carta, que se saiba.

Imagem de um dos pátios interiores do palácio.

O projeto de construção terá sido supervisionado pelo empresário Nikolái Shamálov, que se tornaria sogro de Putin. O palácio acabaria por ser comprado, alegadamente por 350 milhões de dólares, pelo multi-milionário Aleksandr Ponomarenko. Mas, segundo a Fundação Anti-Corrupção onde participa Navalny, essa foi uma venda fictícia, muito abaixo do valor real, a empresas ligadas a pessoas próximas de Putin – o Presidente continuou a ser, advogam os opositores, a ser o verdadeiro dono da propriedade.

Um outro ecologista, que em conjunto com Shevchenko e outros tentou infiltrar-se na propriedade, o cubano Surén Gazaryán foi em 2012 acusado que “tentativa de homicídio” por alegadamente ter ameaçado os guardas que patrulham o complexo – acabou por ter de sair da Rússia para evitar o que provavelmente seria uma longa pena de prisão. Os seus bens pessoais, que foram apreendidos pelos guardas, nunca lhe foram devolvidos.

Já em 2013 um ativista russo, Vladimir Ivanov, foi condenado a 13 anos de prisão – a pena mais pesada de um conjunto de sentenças que foram aplicadas a outras pessoas que estavam a investigar este palácio, o “Dacha de Putin”. Garantem que todas as provas contra eles eram falsas e queixam-se de terem sido torturados na prisão. Tornou-se “demasiado perigoso” investigar aquele palácio, dizia Schevchenko.

Entre propriedades, bens e dinheiro, é impossível avaliar exatamente qual é a fortuna de Putin – e ainda mais difícil provar que esses ativos lhe pertencem. O The New York Times recorda que um financeiro (nascido nos EUA), Bill Browder, foi chamado a testemunhar no Congresso norte-americano em 2017 e disse, então, que a riqueza de Putin poderia ascender ao equivalente a 200 mil milhões de dólares.

União Europeia aprova congelamento de bens de Putin e Lavrov

Esse era um homem que tinha sido banido da Rússia, em 2005, depois de entrar em choque com alguns oligarcas no país. Sendo verdadeira a sua estimativa sobre a riqueza real de Putin, isso significaria que o Presidente da Rússia era, na altura, o homem mais rico do mundo.

Uma outra estimativa, mais recente, foi feita por Anders Aslund, académico da universidade de Georgetown e que escreveu em 2019 um livro sobre a corrupção na Rússia: na sua leitura, pertenciam a Putin bens e dinheiro no equivalente a 125 mil milhões de dólares. A maior parte estava, claro, escondida através de uma rede de offshores em nome de amigos e familiares de Putin.

Apesar dessa dificuldade em associar toda esta riqueza a Putin (além do pequeno apartamento, é claro), um diplomata europeu citado pelo The New York Times sublinhou que a decisão de congelar os bens de Putin no exterior, mesmo que não seja muito eficaz, tem um valor simbólico que faz com que seja “um sinal político muito importante”.

Quando a Rússia avisou que exclusão do SWIFT seria “declaração de guerra” pelo Ocidente