(Texto atualizado depois do comunicado conjunto dos aliados que confirma o fecho do SWIFT a bancos russos, entre outras medidas)

“Isso seria, de facto, uma declaração de guerra” por parte do Ocidente. Em 2019, num outro momento em que foi equacionada a exclusão da Rússia do sistema SWIFT, o então primeiro-ministro Dmitry Medvedev avisava que o Kremlin veria essa decisão como um ato de guerra. Mais de dois anos depois, com a invasão da Ucrânia, os aliados avançaram com o fecho do SWIFT para um conjunto de bancos russos – quem tem o poder de carregar no botão?

Depois de Vladimir Putin avisar que não iria tolerar interferências por parte do Ocidente, na sua investida na Ucrânia, os líderes europeus superaram a hesitação inicial e anunciar essa mesma exclusão do sistema de comunicações financeiras – uma decisão pela qual os ucranianos vinham suplicando nos últimos dias (como forma de, possivelmente, demover Putin).

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Além dos governos de França e Itália, também a Alemanha passou a estar disponível para tomar essa medida de forma “direcionada e funcional”. Isto depois de a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros ter dito, na sexta-feira, que não seria uma decisão sensata e poderia ser contraproducente para o Ocidente e para os cidadãos comuns na Rússia. Até o húngaro Viktor Órban já estará disponível para avançar e também o governo de Chipre terá dado “luz verde” – um país (da zona euro) em cujos bancos muitos russos abastados têm depósitos.

Antes de ser tomada a decisão, um governador de um banco central da Europa, que preferiu não ser identificado, indicou à Reuters que a decisão de cortar o acesso da Rússia ao SWIFT é “uma questão de dias”.

Será suficiente? Não. E é necessário? Sem dúvida“, afirmou o mesmo responsável, acrescentando que os responsáveis políticos na Europa têm noção de que a medida também poderá causar disrupção no sistema financeiro europeu (e Ocidental). “Sanções só fazem sentido se houver custos para ambos os lados, e sabemos que isto terá custos“, afirmou a mesma fonte.

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Esses custos não serão apenas suportados pelos europeus, habituados a usar o SWIFT, por exemplo, para pagar o fornecimento de gás natural a empresas russas. A ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock, tinha avisado na sexta-feira que cortar o acesso da Rússia ao SWIFT pode ter efeitos perniciosos.

Para a responsável, esse corte poderá tornar impossível, entre outras coisas, o envio de dinheiro para grupos de defesa dos direitos civis no país. Até irá impossibilitar que cidadãos russos que estão a trabalhar ou a estudar no estrangeiro possam enviar dinheiro “para as suas avós”, na Rússia. “Não são só os oligarcas que fazem transações financeiras com o exterior“, afirmou a ministra alemã – quarenta e oito horas depois, o governo alemão já verá a questão de outra forma.

Quem manda nesta cooperativa, o SWIFT?

O sistema SWIFT é gerido por uma sociedade sedeada na Bélgica (cuja formação foi explicada em maior detalhe aqui) usado por instituições financeiras de mais de 200 países, como plataforma segura de mensagens – ou seja, não é através do SWIFT que o dinheiro se move, não é um sistema de pagamentos mas, sim, uma plataforma que é usada para transmitir mensagens com instruções associadas às transações.

A sua criação foi feita num modelo de “cooperativa“, em termos relativamente parecidos com os que a banca portuguesa criou a SIBS, gestora do Multibanco, por exemplo. O SWIFT nasceu em 1973 pela mão de bancos europeus e americanos, que quiseram evitar um cenário em que alguma instituição (privada) desenvolvesse um sistema que, depois, se tornasse um monopólio.

Porque as sanções do Ocidente não assustam (nem demovem) Putin

Hoje, esta cooperativa é gerida por um conselho de administração composto por 25 pessoas – um grupo onde existe um russo, Eddie Astanin, que também é presidente da principal câmara de compensação e liquidação da Rússia (um outro tipo de plataforma que, em termos simples, certifica que os pagamentos são feitos corretamente, da origem à chegada).

Apesar de se considerar uma “entidade neutra” com alcance global, o SWIFT tem sede num país europeu (Bélgica) e, por isso, tem de respeitar diretrizes europeias e está na jurisdição das autoridades financeiras. Os detentores do capital do SWIFT são mais de 2.000 bancos e instituições financeiras mundiais, com supervisão feita pelo Banco Nacional da Bélgica (equivalente ao Banco de Portugal) mas em parceria com os maiores bancos centrais do Ocidente, como o BCE, o Banco de Inglaterra e a Reserva Federal dos EUA.

Não sendo um sistema de transações financeiras, apenas um serviço complementar de comunicações, não é suposto que o SWIFT seja uma entidade com intervenção em caso de conflitos. Porém, em 2012 o Irão deixou de poder aceder-lhe – uma de inúmeras sanções aplicadas ao país pelos EUA. A sociedade que controla o SWIFT assegurou, então e agora, que não tem qualquer influência neste tipo de decisões, apenas as executava, e que a responsabilidade de cortar o acesso a um país é dos governos.

“O SWIFT é uma cooperativa global neutral criada e operacionalizada para o benefício coletivo da sua comunidade”, indicou a sociedade em comunicado, nesta quinta-feira. “Qualquer decisão de impor sanções contra países ou entidades individuais está, exclusivamente, nas mãos das entidades governamentais e dos legisladores competentes”.

Como o Kremlin tem vindo a fomentar uma alternativa ao SWIFT

Foi aprovado no Parlamento Europeu, em abril de 2021, um projeto de resolução (não-vinculativo) que já admitia a exclusão da Rússia do sistema SWIFT caso o país tomasse alguma iniciativa hostil como a invasão da Ucrânia. A hipótese não era nova: já tinha sido discutida na Europa, ao mais alto nível, e foi aí que Medvedev avisou que para o governo russo isso seria visto como uma declaração de guerra.

Hoje em dia passam por este sistema, em média, 42 milhões de mensagens associadas a transações financeiras – o SWIFT é usado em mais de metade das transferências financeiras de elevado valor, entre entidades de diferentes países. Na Rússia, em particular, cerca de 300 instituições financeiras e empresariais no país usam regularmente o SWIFT – aliás, a Rússia é o segundo país do mundo com mais entidades que utilizam a plataforma regularmente, só superado pelos EUA.

Nos últimos anos, porém, o Kremlin tem vindo a incentivar a criação de um “plano B”. Quando a Rússia anexou a Crimeia, em 2014, já nessa altura foi debatida a possibilidade de se vedar o acesso da Rússia ao SWIFT – foi aí que acelerou o desenvolvimento de uma alternativa a esse sistema de mensagens, o SPFS.

O SPFS continua a ser menos usado na Rússia do que o SWIFT, mas isso é algo que poderá mudar se o SWIFT deixar de ser utilizável no país. Apesar de ser menos usado no dia-a-dia, o número de entidades russas inscritas no SPFS supera o número de entidades que estão inscritas no SWIFT.

Maria Shagina, uma especialista que em 2021 fez uma pesquisa académica sobre “quão desastroso seria para a Rússia ver-se desconectada do SWIFT“, para o Carnegie Moscow Center, explicou porque é que há tantas empresas e bancos russos inscritos no SPFS: por um lado, o banco central russo (que controla o SPFS) cobra comissões que são cerca de metade das cobradas pelo SWIFT e, por outro lado, em 2019 foi proposto na Rússia o registo obrigatório no SPFS de todos os bancos (não só os russos mas também filiais de entidades estrangeiras no país).

As opiniões dividem-se, um pouco, entre os especialistas sobre o impacto prático da decisão de bloqueio ao SWIFT – alguns temem consequências graves, outros admitem que poderá não ser tão traumático assim (sobretudo tendo em conta as sanções que já tinham sido impostas aos bancos russos). Mas a importância geopolítica do sistema não é de somenos, o que fica evidente nas declarações russas de 2019.

Depois de Putin ter avisado o Ocidente para não interferir nos seus planos na Ucrânia, os governos da União Europeia decidiram avançar com o que alguns analistas chamam a “opção nuclear”. O que falta saber é até que ponto é que esse crescimento do SPFS poderia fazer com que, neste momento, o Kremlin já não considerasse a expulsão do SWIFT uma “declaração de guerra” – como considerava, publicamente, nessa altura.

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