O Millennium BCP fechou o ano de 2021 com lucros de 138,1 milhões de euros, menos 25% do que no ano anterior, informou o banco esta segunda-feira. A instituição liderada por Miguel Maya teria aumentado os lucros em 56%, neste exercício, mas teve de registar novas (e volumosas) provisões relacionadas com o caso dos créditos em francos suíços na Polónia: mais 533 milhões em provisões que subtraíram ao resultado anual, um tormento ainda sem fim à vista. Sobre exposição à Rússia, banco diz estar “perfeitamente tranquilo” e que apenas tem exposição “imaterial“.
Excluindo esse efeito, o Millennium BCP teria tido lucros anuais de 405 milhões de euros – ou seja, mais do que o dobro do conseguido em 2020. Porém, o banco teve de registar 533 milhões (líquidos de impostos) em provisões relacionadas com as perdas que a unidade polaca do banco tem de precaver, à espera de uma decisão final dos tribunais locais.
Em causa está um número vasto de créditos que foram dados aos clientes polacos que, por estarem indexados a francos suíços, acabaram por ir para tribunal exigir que o banco os convertesse em créditos normais, na moeda local, o zloty. Este é um problema que remonta a antes de 2008, mas que continua a penalizar os resultados do BCP.
“Não há soluções simples para problemas complexos. Temos de gerir as coisas pensando com enorme rigor”, afirmou Miguel Maya, lembrando que até 2018 o banco ganhava os processos em tribunal mas “a partir daí houve alterações político-jurídicas” que fizeram com que as decisões dos tribunais começassem a ser diferentes.
Queremos que seja resolvido e bem resolvido, com uma solução justa, equilibrada, tão justa quanto possível. A nossa preocupação é ter rigor no acompanhamento do processo e ir criando as provisões. Não vamos acelerar nem pressionar nada só para dizer que o problema está encerrado”, afirmou Miguel Maya.
O banco gastou, também, 90,7 milhões de euros em “custos de ajustamento do quadro de pessoal em Portugal”, ou seja, saídas de pessoal. Apesar disso, os resultados do banco em Portugal aumentaram 28,5% para 172,8 milhões. “O ano de 2021 foi um ano muito complexo, que obrigou a muitas fases de adaptação no contexto das várias ondas da pandemia”, mas o BCP conseguiu “superar com sucesso todos os desafios com que se defrontou”, afirmou Miguel Maya, na conferência de imprensa de apresentação dos resultados.
Por serem resultados anuais, também discursou o presidente do conselho de administração Nuno Amado, que cumpre em 2022 10 anos no BCP e reforçou que “o banco está muito melhor do que estava há 10 anos” e “devolveu tudo aquilo que o Estado emprestou, com juros de mil milhões – não devemos nada a ninguém“, sublinhou Nuno Amado.
“Perfeitamente tranquilo” com exposição “imaterial” à Rússia
Miguel Maya, presidente da comissão executiva, indicou que o Millennium BCP apenas tem “exposição imaterial” à Rússia e à Ucrânia, incluindo dívida soberana, dívida corporativa ou, mesmo, linhas de mercado monetário com bancos nessas geografias – isto tanto na unidade portuguesa como na unidade polaca.
“Não há nenhum motivo para preocupação“, garante Miguel Maya, que afirma que o banco tem uma situação “muito confortável” a esse respeito, acrescentando que foram operacionalizadas “100 medidas” em resposta às sanções anunciadas pela Comissão Europeia no último sábado.
O banqueiro diz que “neste caso concreto, não temos relações relevantes com estas geografias e a economia portuguesa não tem uma interligação muito forte do ponto de vista económico”. “Relativamente ao tema macroeconómico, é um tema com outra dimensão, é uma crise seríssima, uma crise que todos esperamos que possa ser resolvida num espaço curto mas que, se não for resolvida, mesmo que fique apenas naquele espaço – ou seja, não entra noutro espaço, porque isso seria catastrófico – terá consequências ao nível dos preços da energia, da inflação” para todos, a nível macroeconómico, o que exige “enorme prudência“.
Novo Banco “entalado” com dívida da petrolífera russa Gazprom
BCP aumenta pressão sobre o Governo, sobre o Novo Banco
A propósito de Novo Banco, Miguel Maya subiu o tom da pressão sobre o Governo no sentido de alterar aquilo que o banco gasta anualmente em contribuições para o Fundo de Resolução, que poderá ter de injetar mais dinheiro no Novo Banco este ano – mesmo com a perspetiva de lucros por parte da instituição liderada por António Ramalho.
“Eu fico contente que o Novo Banco apresente bons resultados. Um sistema financeiro sólido, com lucro, todos beneficiamos em Portugal”, começou por dizer Miguel Maya: “a grande preocupação é que o BCP tem de concorrer na união bancária com as mesmas capacidades que os outros bancos europeus – é profundamente injusto do ponto de vista da concorrência” que o banco tenha de concorrer com bancos de outros países que não têm de fazer os mesmos pagamentos.
Miguel Maya diz que, dos quatro trimestres do ano, normalmente “os funcionários do banco estão um trimestre a trabalhar para o Fundo de Resolução”. “É isto que gostaríamos de ver mudado”, asseverou.
“Não critico se foi bem feito ou mal feito, na altura”, disse Miguel Maya, referindo-se à resolução do Novo Banco e à forma como essa operação foi financiado. “Provavelmente não podia ser feito diferente, mas hoje pode ser feito de forma diferente – há condições, hoje, para fazer uma alteração que poderia ter um impacto” muito importante para o BCP e para o setor financeiro português, atira.
Revolut Bank chega a Portugal com garantia de depósitos e, em breve, crédito ao consumo
Questionado sobre a entrada do Revolut Bank em Portugal, Miguel Maya não se pronunciou concretamente sobre esse concorrente mas “a concorrência é uma coisa ótima, é o que nos faz acordar de manhã e pensar como é que podemos ser melhores, servir melhor os clientes. A preocupação não é o Revolut, é não ter custos de contexto em Portugal que nos colocam em campo com um equipamento inferior aos outros intervenientes”.
“Dispensamos favores mas gostaríamos que tivessem cuidado de assegurar justiça às empresas que criam emprego em Portugal e pagam impostos em Portugal. Deem-nos condições para competir sem fardos adicionais às costas”, terminou Miguel Maya.
Tribunal da Concorrência. “Nunca nos passou pela cabeça prejudicar os clientes”
Sobre o processo que corre no Tribunal da Concorrência, Miguel Maya confirmou que “claro que houve troca de informação, mas nunca houve nenhuma intenção de que essa troca de informação tivesse qualquer intenção de prejudicar clientes”.
“Eram trocas de forma alargada, com conhecimento de todos, sem nenhuma preocupação de esconder nada, as pessoas estavam a partilhar a informação que as pessoas podiam ir buscar a qualquer sucursal”.
Miguel Maya acrescentou que o BCP “tem preocupação enorme de cumprir a legislação, pode falhar, mas desde o momento em que tomou conhecimento de que havia eventual infração (acusação de infração) tomou medidas concretas de formação ao mais alto nível no banco para que as pessoas não cometessem falhas por desconhecimento – para que não se repetisse, para que houvesse alguma coisa que estivesse a ser feito”
“Temos de aguardar que seja feita justiça. É muito fácil bater na banca, cada vez que há crise diz-se “enforquem os banqueiros”, mas o que tem sido demonstrado é que a banca cria valor para os clientes. Nunca nos passou pela cabeça prejudicar os clientes”, rematou.
Dividendo “muito moderado” e “continuidade” na gestão
O banco acrescentou, ainda, que irá propor um pagamento de um dividendo mas “muito moderado”, ainda mais com as incertezas macroeconómicas trazidas pelo conflito na Ucrânia. E Nuno Amado, presidente do conselho de administração, adiantou que haverá “continuidade” na gestão do banco, tanto ao nível da comissão executiva como do conselho de administração.
Sobre os resultados, a margem financeira subiu 3,7% para 1.532 milhões de euros, sendo este um dos indicadores mais importantes sobre a operação de um banco porque reflete a diferença entre aquilo que o banco paga para se financiar (depósitos, BCE, etc.) e os juros que cobra nos empréstimos que concede aos clientes. O return on equity do banco, ou seja, o retorno dos capitais, foi de 2,4%.
As comissões aumentaram 7,6% para 727,7 milhões, contribuindo para um resultado core recorrente do banco (sem itens específicos) de 1.219 milhões, mais 4,5% do que no ano anterior. O Millennium BCP acrescentou, ainda que as moratórias que expiraram em 2021 não tiveram um impacto significativo no crédito vencido.
“Do total de 8,2 mil milhões de euros de moratórias expiradas em 31 de dezembro, só 306 milhões foram alvo de reestruturação devido a dificuldades financeiras”, diz o BCP, com o presidente da comissão executiva, Miguel Maya, a garantir que foi isso que aconteceu mesmo tendo o banco ter sido muito pró-ativo na concessão dessas moratórias.