No dia 29 de setembro de 2021, às 10h43, o investigador irlandês Sean Jordan publicou o seguinte tweet: “Grande dia para mim! O meu primeiro dia no @istecnico em Lisboa! Fui contemplado este ano com uma bolsa de Pós-doutoramento Junior da Fundação ‘la Caixa’, para promover o meu trabalho na origem da vida e da investigação astrobiológica. Um enorme obrigado a @ZitaMartins por me acolher!”

A mensagem pública inaugurava uma nova era na investigação do cientista de 34 anos. E também abria novos caminhos científicos na procura de respostas à grande pergunta fundamental da Ciência: de onde é que nós vimos?

Com esta investigação no Centro de Química Estrutural (CQE) do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, Sean Jordan espera “ampliar os limites do conhecimento sobre a formação de membranas na origem e evolução da vida”

Com esta investigação no Centro de Química Estrutural (CQE) do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, Sean vai “ampliar os limites do conhecimento sobre a formação de membranas na origem e evolução da vida”. Por um lado, investigando como as estruturas remanescentes dessas membranas podem ser preservadas no registo rochoso. Por outro, analisando “quais os efeitos potenciais que isto pode ter na nossa interpretação das bioassinaturas da Terra primitiva e de outros locais do nosso sistema solar”.

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Para chegar lá, o cientista que desde pequeno sempre quis compreender “como o mundo funciona, em geral, e como a vida interage com o mundo”, tem de cruzar várias áreas do saber.

Sou biogeoquímico, essa mistura de biologia, geologia e química. Por isso trabalhei já desde a compreensão das populações microbianas modernas, analisando as alterações climáticas do passado, estudando as primeiras membranas celulares na origem das primeiras enzimas da vida, até à origem da própria vida. E agora olhando para a forma como podemos compreender os fósseis.”

“Fósseis Falsos: Identificação do potencial de preservação de estruturas orgânicas abióticas que imitam microfósseis no registo rochoso” é o nome do projeto de pós-doutoramento que vai ocupar a mente de Sean nos próximos três anos, financiado em cerca de 300 mil euros pela Fundação “la caixa”.

A ideia é conseguir desenvolver uma metodologia para identificar microfósseis reais em amostras de rochas antigas, trazendo nova compreensão sobre a origem e a evolução da vida no planeta.

Para melhor explicar a narrativa científica, o cientista começa pelo princípio do mundo. Sabe-se que “toda a vida é composta por células, por isso é provável que a primeira vida fosse também celular”.

Trabalhos científicos recentes “sobre as membranas celulares precoces” evidenciaram que “podem formar-se numa série de ambientes e produzir estruturas microscópicas que não são vivas, mas que fazem lembrar os primeiros vestígios de vida”.

O cientista está a utilizar diferentes misturas de moléculas orgânicas que representam o que esperaríamos dos primórdios da vida e a tentar desenvolver membranas celulares artificiais, para perceber se podem sobreviver ao tipo de condições que teríamos há 4,5 mil milhões de anos

Os microfósseis — que são impressões microscópicas de células microbianas em amostras de rochas antigas — dão-nos “uma visão única” dos primeiros organismos vivos. Mas “e se algumas dessas importantes características forem realmente formadas a partir de moléculas orgânicas simples, e não de microrganismos?”, problematiza Sean Jordan, indicando agora a grande pergunta que norteia esta pesquisa.

A hipótese científica de Sean é esta: “Isso iria alterar significativamente a nossa compreensão da origem e evolução da vida na Terra”, garante, até porque esses são exatamente os tipos de bioassinaturas que procuramos em Marte, podendo interferir também com a nossa procura de vida extraterrestre.”

Procurar formas de vida noutros planetas passa por saber fazer um melhor diagnóstico e conhecer o que se passa aqui na Terra, para compreendermos o que vemos fora daqui.”

Por isso, o projeto de investigação deste biogeoquímico atualmente em curso no CQE irá debruçar-se sobre a formação das primeiras membranas celulares e as estruturas que estas formam, que serão depois fossilizadas, artificialmente, e utilizadas para desenvolver um método de identificação de microfósseis reais em amostras de rochas antigas. Ao fazê-lo, o cientista estará a propor uma outra forma de estudar e compreender a dinâmica dessas células.

A investigação está a ser orientada pela astrobióloga portuguesa Zita Martins, professora associada no Instituto Superior Técnico e referência internacional nos estudos sobre a origem da vida na Terra, procurando compostos orgânicos em amostras de meteoritos. A cientista foi distinguida pelo Presidente da República com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, em 2015, como reconhecimento do trabalho excecional na área científica.

Sean nasceu em Dublin, na Irlanda. Licenciou-se em Ciências Ambientais pela Universidade de Dublin (2009), onde depois se doutorou em Biogeoquímica em 2016. Nesse ano, integrou uma pesquisa de doutoramento no Laboratório Nick Lane, na University College London (UCL), “para investigar, utilizando moléculas químicas simples, como teriam sido as primeiras membranas celulares na origem da vida”.

Foi enquanto desenvolvia a tarefa, perscrutando ao microscópio essas membranas, que algo aconteceu. “Comecei a aperceber-me que muitas das imagens que estava a receber destas estruturas sintéticas que estávamos a fazer no laboratório eram muito semelhantes ao que os cientistas relatam como fósseis do início da vida, recuando a 3,5 mil milhões de anos.”

“Se a vida começou em Marte ao mesmo tempo que começou na Terra, devem existir fósseis remanescentes desses primórdios que ainda estão nas rochas”, diz o investigador

Passado algum tempo, assistiu a uma palestra de um atual colaborador deste projeto investigativo, Mark van Zuilen (Institut de Physique du Globe de Paris), especialista nos primórdios da Terra e da Vida, que “falava sobre biomorfos, que são estruturas formadas através de mecanismos não vivos no registo da rocha e que mimetizam a estrutura do que chamamos microfósseis”.

Sean falou-lhe do que estava a fazer em laboratório: “de como essas estruturas se poderiam ter formado na Terra antes de haver vida e como é que isso pode ser o que estamos a ver nos registos rochosos”.

O grande impacto da investigação que desenvolve, sublinha, é “se realmente somos capazes de distinguir entre os não vivos e os remanescentes vivos no registo rochoso inicial, para compreender melhor como eram os primeiros organismos vivos na Terra”.

Até ao momento, garante o biogeoquímico, o que exploramos noutros planetas é exatamente o que procuramos da herança da vida na Terra. Por isso, se o que procuramos está equivocado, a forma como investigamos não só nos induz em erro, como também nos escapa o mais importante.

“Se a vida começou em Marte ao mesmo tempo que começou na Terra — quando os dois planetas eram habitáveis—, devem existir fósseis remanescentes desses primórdios que ainda estão nas rochas. Por isso esperamos ver essas estruturas de microfósseis de microorganismos que foram deixados para trás.”

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Só que “se não podemos afirmar o que é um microfóssil na Terra — apesar de todas as técnicas avançadas que temos — , como podemos dizer o que é um microfóssil e uma estrutura não viva em Marte?”, questiona.

A investigação tradicional de análises de microfósseis tem incidido na procura de estruturas vivas. Nas últimas décadas, tem-se prestado mais atenção à procura de estruturas não vivas, embora já se fale nelas há muito tempo. Mas “a verdadeira investigação”, realça Sean, só está a decorrer mais recentemente. “Por isso, espero que este projeto possa, de certa forma, contribuir para esse corpo de conhecimento.”

Atualmente, o cientista está a utilizar diferentes misturas de moléculas orgânicas que representam o que esperaríamos dos primórdios da vida e a tentar fazer membranas celulares artificiais, para perceber se elas podem sobreviver ao tipo de condições que teríamos há 4,5 mil milhões de anos.

Por exemplo: “respiradouros hidrotermais alcalinos submarinos, que têm 70 a 100 graus e mais pH alcalino — que descobrimos ser realmente benéfico para algumas das reações”. Conjetura-se que esses são locais da origem da vida.

A investigação de está a ser orientada pela astrobióloga Zita Martins, professora associada no IST e referência internacional nos estudos sobre a origem da vida na Terra   @Filipa Bernardo/Global Imagens

“Provavelmente, foi aí que a vida começou. Mas não sabemos ao certo, por isso há também outros locais interessantes, como as piscinas hidrotermais em terra.”

No laboratório do CQE, Sean irá utilizar as condições desses dois tipos de ambiente para testar a sobrevivência ou estabilidade dessas membranas que, ao microscópio, parecem pequenas bolhas de sabão. O objetivo é utilizar técnicas analíticas mais avançadas para obter informação molecular com grande detalhe.

“Uma das coisas que é relatada a partir do primeiro registo rochoso é uma presença de pequenas quantidades de carbono orgânico, frequentemente considerada como um sinal de organismos outrora vivos. Estou a tentar descobrir se as estruturas que faço no laboratório irão fornecer um sinal de carbono semelhante após a degradação.” Ou seja: “Será que vamos ver o mesmo nos não vivos que nos vivos e, se assim for, haverá algo mais que nos possa dizer quais são as diferenças reais?”

Depois disso, irá colocar a matéria num autoclave [tipo de tanque aquecido hermeticamente fechado, usado para processos químicos] em alta pressão e em alta temperatura, que será artificialmente fossilizado e irá “cozinhar” a matéria orgânica.

Nunca fizemos isto antes, por isso não temos ideia do que vai sair quando os abrirmos. É emocionante, mas se não houver nada ali estaremos em apuros.”

Sean é cauteloso, mas o cientista tem evidências de que algo importante sairá dessa experiência e será a partir dessas amostras “cozinhadas” que irá analisá-las como se fossem um microfóssil.

Ainda em julho deste ano, o cientista irá também para Pilbara, na Austrália ocidental, em expedição científica para a formação de Piscina Strelley, um importante depósito geológico, que se considera guardar os primeiros sinais de vida datados de há 3,5 a 4 mil milhões de anos, muito perto da formação da terra, e onde se poderá encontrar microfósseis.

“Queremos recolher amostras para comparar a assinatura química que obtemos destes fósseis com a assinatura química que obtivemos dos fósseis artificiais e, depois, compará-los com amostras que os meus colaboradores já possuem, que são células microbianas de rochas mais jovens e que podemos afirmar, com segurança, que foram micro-organismos e que, por isso, estamos a olhar para fósseis questionáveis sobre a origem da vida.”

O trabalho de Sean Jordan abre novos caminhos científicos na procura de respostas à grande pergunta fundamental da Ciência: de onde é que nós vimos?

Trata-se de um trabalho de investigação fundamental, “em que todo o processo é importante” e de onde podem advir “outros contributos científicos colaterais”, sublinha Sean, evocando as investigações iniciais de Charles Darwin, por exemplo, que acabaram por ter um contributo seminal para a Ciência.

“Se conseguirmos melhor compreender como a vida começou, podemos compreender mais sobre como as funções são semelhantes e podemos então, provavelmente, lançar uma luz sobre mais algum tipo de questões aplicáveis, até de biologia da saúde humana.”

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto de Sean Jordan no CQE foi um dos 45 selecionados (quatro de Portugal) – entre 635 candidaturas – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2021 do programa de bolsas de Pós-Doutoramento Junior Leader. O investigador recebeu 305 mil euros por três anos. As bolsas Junior Leader apoiam a contratação de investigadores que pretendam continuar a carreira em Portugal ou Espanha nas áreas das ciências da saúde e da vida, da tecnologia, da física, da engenharia e da matemática. As candidaturas para a edição de 2023 abrem em julho.