Na semana passada, na antecâmara do Grande Prémio do Bahrain que deu início à nova temporada de Fórmula 1, Lewis Hamilton recebeu uma carta de um preso político no país que lhe pedia que não deixasse de lutar pelos direitos humanos sempre que tinha de competir num local onde existia pouco ou nenhum respeito por eles. Esta semana, com a Fórmula 1 a mudar-se do Bahrain para a Arábia Saudita, Lewis Hamilton voltou a ser o destinatário de uma mensagem semelhante.
Abdullah al-Howaiti foi preso aos 14 anos, condenado à morte aos 17 e atualmente tem 20. O crime? Foi acusado de estar envolvido num assalto a uma joalharia em que um polícia acabou por morrer. O problema? As imagens das câmaras de vigilância, assim como todas as testemunhas oculares, garantem que não estava sequer nas imediações da loja. De acordo com o The Guardian, que teve acesso ao diário do jovem saudita, Abdullah foi repetidamente torturado depois de ser detido e acabou por ser coagido a assinar um pedaço de papel em branco que serviu de confissão.
“Ele continuou a bater-me e, sempre que eu tirava os pés da mesa, batia-me no tronco até eu desmaiar. Deitava água na minha cara, ligava o ar condicionado no frio e obrigava-me a ficar de pé durante hora e meia”, escreveu o saudita no diário, num testemunho que fica completo com uma carta que a família de Abdullah enviou a Lewis Hamilton nos últimos dias. “Os nossos apelos por justiça não foram ouvidos. Mas talvez, se fores tu a dizer o nome dele, aqueles que vão decidir o seu destino consigam ouvir. Podes levantar a tua voz para salvar o Abdullah? Seja em conversas privadas com as autoridades ou em público, enquanto estás aqui na Arábia Saudita para competir, acreditamos que podes fazer a diferença”, escreveram os familiares do preso político.
Na época passada, quando a Fórmula 1 organizou o primeiro Grande Prémio na Arábia Saudita, Lewis Hamilton mostrou-se muito crítico com a decisão de ter uma etapa do Campeonato do Mundo no país. “Se me sinto confortável aqui? Não diria que sim. Mas a escolha não é minha, a modalidade tomou a decisão de estar aqui”, disse o piloto inglês. Nas últimas horas, na conferência de imprensa antes da qualificação para a corrida do próximo domingo, Hamilton voltou a abordar o assunto. “No final, a responsabilidade de mudar as coisas pertence aos que estão no poder. E não estamos a ver o suficiente. Precisamos de ver mais. Nós, pilotos, tentamos fazer o que podemos. E é importante que tentemos educar-nos e garantir que estamos a fazer alguma coisa com a pouca diferença que conseguimos fazer. Não há muito que eu possa dizer que faça a diferença. As histórias deixam-me assoberbado. Um adolescente, no corredor da morte, enviou-me uma carta. Quando tens essa idade nem sabes o que andas a fazer na vida. Mas não somos nós a decidir onde corremos. Mas claro que temos uma oportunidade de fazer a diferença enquanto aqui estamos”, atirou.
A Fórmula 1 tem escolhido uma narrativa que passa por referir que leva as respetivas responsabilidades “muito a sério” e tem “padrões éticos muito altos” em relação a todos os parceiros com quem trabalha, usando para a Arábia Saudita exatamente o mesmo comunicado que usou para responder à polémica no Bahrain, mas a linha de pensamento não é suficiente para convencer as organizações que se dedicam à defesa dos direitos humanos.
“Ao correr na Arábia Saudita, a Fórmula 1 está efetivamente a dizer que executar pessoas por participarem em protestos pró-democracia é ok. Está a dizer que as autoridades sauditas podem limpar as manchas de sangue de uma execução em massa e aparecer junto à bandeira axadrezada dias depois para entregar um troféu. As execuções quase diárias mostram que eles ouviram esta mensagem de forma clara. A Fórmula 1 mostrou que é capaz de tomar ações decisivas para proteger os direitos humanos quando cancelou o Grande Prémio da Rússia em poucas horas. O falhanço na hora de responder às execuções na Arábia Saudita é um duplo padrão vergonhoso”, disse Maya Foa, a diretora do grupo Reprieve.
