Ao segundo dia útil após o Conselho Europeu que discutiu a resposta à crise energética, e após um fim de semana de negociações entre os partidos que suportam o Governo de Pedro Sánchez — o PSOE e o Podemos — Espanha vai aprovar um plano de choque — assim é designado pela imprensa espanhola — para conter os preços da eletricidade, gás e combustíveis. O plano, que tem um valor global de 6 mil milhões de euros em ajudas diretas às empresas e às famílias, envolve a possibilidade de recurso ao ERTE (um regime comparável ao layoff simplificado) e a imposição de um teto à subida das rendas da habitação. O pacote será aprovado amanhã para entrar em vigor a 1 de abril.
Uma das medidas de maior impacto será o alargamento a todos os consumidores e a todos os combustíveis do desconto de 20 cêntimos por cada litro que já tinha sido anunciado para os transportes cuja paralisação estava a afetar setores vitais da economia espanhola. O Estado espanhol vai suportar 15 cêntimos e as petrolíferas os restantes 5 cêntimos.
Madrid não pode baixar o imposto petrolífero, que já está nos mínimos europeus, e deixou cair a possibilidade de alterar o IVA que Portugal tem defendido. Uma das razões será o facto de uma descida da taxa de IVA beneficiar apenas as famílias, já que a maioria das empresas consegue obter o reembolso deste imposto.
Do lado de cá e para os particulares, o Governo estendeu para abril o reembolso de 20 euros por mês de despesas feitas em estações de serviço e baixou marginalmente o imposto petrolífero (corte de 4,7 cêntimos por litro no gasóleo desde outubro) para devolver os ganhos com o IVA em cada litro por via do aumento dos preços. Para as empresas de transportes de passageiros e mercadorias, foi aprovado um subsídio de 30 cêntimos por litro até às 35 toneladas e de 20 cêntimos por litro a partir desse patamar. Estes apoios valem por três meses, mas ainda se aguardam mais medidas.
Para já o Programa de Estabilidade indica que as respostas à crise energética e à Guerra da Ucrânia custem pouco mais de 800 milhões de euros.
Crise energética e Ucrânia custarão aos cofres públicos 809 milhões
Na sexta-feira passada, António Costa afirmou que Portugal ainda estava à espera de uma resposta da Comissão Europeia sobre a sua proposta para uma redução temporária do IVA nos combustíveis, referindo que uma das conclusões do Conselho Europeu admite que os Estados-membros usem a redução de impostos como ferramenta temporária para responder ao impacto do aumento dos preços. Esta disposição consta do documento divulgado no final do encontro na sexta-feira passada, mas a descida das taxas de IVA ou impostos específicos é referida no contexto dos preços da eletricidade e do gás. E não do combustível.
O primeiro-ministro sinalizou ainda que não basta a luz verde de Bruxelas, é preciso também um parlamento a funcionar (para aprovar uma alteração da lei fiscal) e isso só existirá em Portugal a partir da tomada de posse prevista para amanhã (o novo Executivo toma posse na quarta-feira). Uma hipotética passagem do IVA para a taxa intermédia teria um impacto no preço final dos combustíveis comparável ao do desconto anunciado por Espanha.
Espanha não mexe no IVA dos combustíveis, mas, de acordo com alguns jornais (El País), vai reduzir as taxas praticadas na eletricidade. E pretende estender a mais 600 mil famílias a tarifa social da eletricidade para chegar a 1,9 milhões de lares. Ao contrário de Portugal, onde a escalada dos preços grossistas demora tempo a chegar às famílias e é moderada pelo regime de fixação das tarifas, uma parte importante dos consumidores domésticos espanhóis têm vindo a sofrer desde o ano passado de aumentos da fatura de dois dígitos.
As medidas deverão estar em vigor até 30 de junho, mas podem ser estendidas. No total, Espanha prevê mobilizar 16 mil milhões de euros, dos quais 10 mil milhões serão atribuídos em empréstimos do banco de fomento púbico, o ICO (Instituto de Crédito Oficial), para ajudar as empresas a responder ao impacto económico da alta dos preços.
Há ainda pacotes específicos de apoio a setores mais atingidos. O setor dos transportes de mercadorias terá ajudas diretas por tipo de veículo num montante de 450 milhões de euros. Para a agricultura estão estimados 362 milhões de euros e para as pescas 68 milhões de euros. Os grandes consumidores industriais de energia terão um acesso a 500 milhões de euros para compensar o aumento da fatura.
Outra das novidades anunciadas por Sánchez este fim de semana é um limite de 2% à atualização das rendas para a habitação até 30 de junho, que era uma pretensão do Podemos. Este teto tem ainda como finalidade ajudar a controlar a inflação que no país vizinho já ultrapassou os 7%.
Estas são decisões a curto prazo, mas ainda esta semana Portugal e Espanha devem formalizar a proposta para limitar o preço do gás usado para produzir eletricidade e assim travar os preços grossistas do mercado ibérico de eletricidade, uma vez que a Península Ibérica é “uma ilha energética” com reduzida interligação à Europa. Esta possibilidade foi aberta no Conselho Europeu depois de uma intensa discussão que opôs os países do Sul da Europa, com Portugal e sobretudo Espanha à cabeça, à Holanda e acima de tudo Alemanha.