Após muita especulação sobre o seu estado de saúde, Ivo Rosa já informou o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa de que vai regressar ao serviço antes de expirar a segunda baixa médica no próximo dia 15 de abril, confirmou o Observador junto de fonte próxima do processo.
O juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal foi operado de urgência ao coração no final de fevereiro mas considera que já se encontra em condições físicas de poder retomar a liderança da fase de instrução criminal do caso Universo Espírito Santo (também conhecido por caso BES/GES) e de mais dois processos que tem a seu cargo.
Conselho Superior Magistratura abre processo disciplinar a Ivo Rosa
Ao que o Observador apurou, a decisão de Ivo Rosa não está inteiramente desligada do facto de se aproximar uma decisão importante nos autos do caso BES/GES. O processo pode ser brevemente classificado como urgente e, com o juiz natural de baixa e o risco de prescrição de cerca de 40 crimes que já existe, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) teria espaço de manobra para aplicar uma medida de gestão e ordenar a redistribuição do processo — uma medida que cabe nos poderes legais do órgão de gestão dos juízes.
A importância de ser um processo urgente
Com o regresso de Ivo Rosa para concretizar as primeiras diligências instrutórias agendadas para 27 de abril (depois de dois adiamentos em fevereiro e em março), será este juiz que deverá provavelmente decidir sobre se os autos são ou não urgentes, ficando definitivamente posta de lado qualquer intervenção do CSM.
Um dos assistentes, precisamente o BES, SA (pessoa coletiva que ainda existe e encontra-se em liquidação), requereu no dia 21 de março que os autos fossem classificados como urgente. Os advogados do BES, Paulo Sá Cunha e Miguel Pereira Coutinho, alegaram que existe um sério risco de prescrição. O Observador avançou entretanto que a maior parte dos crimes por falsificação de documento e infidelidade — mais de 40 — poderão cair. Só no caso de Ricardo Salgado, poderão estar em risco cerca de 15 dos 65 crimes que lhe foram imputados pela acusação do Ministério Público (MP).
Ora, manda a lei que o requerimento do BES, SA tenha de ser apreciado por todos os sujeitos processuais, estando a correr prazo até ao dia 11 de abril. Só após esse prazo é que o juiz de instrução Jorge Melo (que está a substituir Ivo Rosa) tomaria essa decisão. Ao que o Observador apurou, Ivo quer evitar que o seu colega se pronuncie essa questão e prepara-se para regressar antes de 15 de abril para ser ele a tomar a decisão.
E porque razão é este requerimento importante? Porque poderia levar o CSM a tomar uma medida de gestão e ordenar uma redistribuição dos autos, nomeando-se assim um novo juiz de instrução para decidir quais os arguidos acusados pelo MP serão julgados e quais os que não irão a julgamento.
Explicando. Com um juiz natural doente e sem data prevista para regressar e com um dos processos mais importantes da democracia portuguesa (classificação do próprio Ivo Rosa) com riscos significativos de prescrição e classificado com urgente, ao Conselho não restaria outra hipótese que não uma ordem para a redistribuição dos autos e nomeação de outro juiz de instrução.
Processo disciplinar. O (longo) histórico de “desobediência” e “interferência ilegítima” de Ivo Rosa
Acresce que, em termos gerais, o Conselho não costuma esperar mais de 90 dias para ordenar tal redistribuição quando se trata de uma ausência do juiz de instrução por baixa médica.
Antes do Observador ter confirmado o regresso do juiz Ivo Rosa, fonte oficial do CSM confirmou ao nosso jornal que “continua a acompanhar esta situação e em coordenação com o Sr. Juiz Presidente da Comarca tomará todas as medidas que se vierem a revelar necessárias”, lê-se na resposta escrita. No momento em que o Observador fez as perguntas (dia 31 de março, ao final da tarde), Ivo Rosa apenas tinha comunicado ao Conselho “novo atestado médico” para prolongar a “baixa médica (…) até ao dia 15 de Abril.”
Impedido ou não impedido? Ivo Rosa diz que não.
Outra questão prende-se com a possibilidade de o juiz Ivo Rosa ser abrangido pela nova lei que alargou de forma muito significativa as razões pelas quais os juiz de instrução ficam impedidos de participarem nas fases de instrução ou de julgamento quando tomam decisões na fase de inquérito. Uma alteração legal que entrou em vigor na semana passada, sob grandes protestos da magistratura judicial, com destaque para o conselheiro Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
No caso do Universo Espírito Santo, Ivo Rosa chegou a assinar um ofício do Tribunal Central de Instrução Criminal dirigido ao diretor da Unidade de Telecomunicações e Informática da Polícia Judiciária a ordenar a destruição de 19 sessões de interceções telefónicas entre o sr. Paulo Murta e o seu advogado, uma matéria que foi avançada pelo Correio da Manhã.
A questão é que tal ofício é datado de 27 de setembro de 2018 e foi precedido no dia anterior de um despacho do juiz Carlos Alexandre, o juiz titular dos autos na fase de inquérito, a dar a ordem efetiva de destruição.
Fonte oficial do CSM afirmou que o órgão de gestão de juízes “não se pode imiscuir em questões jurisdicionais mas apenas em questões organizativas do Tribunal.” Ou seja, seria o juiz Ivo Rosa a avaliar se se encontra impedido ou não. De acordo com a Rádio Renascença, a resposta é negativa.
A maioria das fontes judiciais contactadas pelo Observador garantem que tal questão não é motivo para impedimento, pois a decisão de destruir as escutas telefónicas foi do juiz Carlos Alexandre, não configurando o ofício assinado por Ivo Rosa um ato de inquérito. O Observador também sabe que essa também é a avaliação que o MP faz da situação.
Já causam mais polémica as outras intervenções que Ivo Rosa teve nos autos do caso BES/GES. As mesmas ocorreram depois de ter sido designado a 28 de outubro de 2021 por sorteio informático como o titular no Tribunal Central de Instrução Criminal da fase instrução criminal desses mas antes do próprio Ivo ter decidido abrir formalmente a fase de instrução criminal a 26 de janeiro de 2022.
Ivo Rosa pode vir a perder a instrução do caso Universo Espírito Santo
Com efeito, Ivo Rosa despachou nos autos do Universo Espírito Santo no dia 3 e 4 de novembro de 2021, realizou reunião com todos os arguidos no dia 12 de novembro de 2011, ouviu várias testemunhas apresentadas pelas defesas de Ricardo Salgado (testemunha Maria João Bastos Salgado) e de José Manuel Espírito Santo (filhos e outras testemunhas).
No que diz concretamente respeito ao levantamento do arresto de 700 mil euros da conta de Maria João Bastos Salgado, o sr. dr. juiz de direito Ivo Rosa proferiu despacho a marcar diligências em 10 de Dezembro de 2021, reagendou em 5 de Janeiro de 2022, adiou em 7 de Janeiro de 2022 e inquiriu Maria João Salgado em 25 de Janeiro de 2022.
Só após todas essas decisões é que o sr. dr. juiz Ivo Rosa declarou aberta a fase de instrução criminal no dia 26 de janeiro de 2022.
Diversas fontes judiciais não consideram estes atos como sendo atos instrutórios ou preparatórios da fase de instrução. Contudo, esse não é o entendimento de outras fontes do CSM.
Resumindo e concluindo: o juiz Ivo Rosa vai continuar a liderar a fase de instrução criminal, com um processo disciplinar às costas e com o concurso curricular para ser graduado em juiz desembargador a decorrer.
Mas mesmo assim não é líquido que o órgão de gestão dos juízes não tenha de ser obrigado a intervir. Não só pelo estado de saúde do juiz mas também porque, como o Observador avançou em primeira mão, se for graduado em juiz desembargador, Ivo Rosa terá de de iniciar o debate instrutório até setembro — que é a data em que todos os novos desembargadores terão de tomar posse.