António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, foi o primeiro estreante da bancada do Governo a discursar, para falar (aparentemente) sem discurso escrito de seis alavancas e seis pilares para o desenvolvimento da economia. Num discurso que acabou apelidado pelo PSD (pelo deputado Afonso Oliveira) como de um “sonho, uma reflexão, uma visão”, mas “vai chegar a realidade. Aqui falamos de realidade”.
E na sua primeira intervenção como ministro da Economia e do Mar, já fez promessas e anúncios. Prometeu uma mobilização para Sines e a taxação sobre os lucros inesperados das empresas de energia (que António Costa já tinha antecipado no primeiro dia do debate) — dizendo que está a ser considerada, mas acrescentando (em resposta a Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda) que não se pode hostilizar as empresas.
Ainda nas promessas, falou da ampliação da intervenção do Banco de Fomento — prometendo para a instituição mais recursos humanos e um chairman com visão estratégica e ligação ao mundo empresarial — e a prossecução do plano do turismo e avançar com a agenda para competitividade setor do comércio. E tentando sempre enquadrar as medidas ou a visão com números.
Com uma pasta da economia que se junta ao mar — “maior ativo que temos” mas temos de o conhecer –, Costa Silva falou daquele que considera ser um “dos grandes polos” que é Sines, que pode ser “um grande polo de desenvolvimento do país para o futuro”. Para o novo ministro da pasta, “podemos ter em Sines não uma, mas duas Autoeuropas do futuro”, explicando que é um porto ligado a toda a rede portuária internacional; pode ser um hub para as tecnologias verdes; um centro de dados; e um local de de importação GNL (gás natural liquefeito) e transhipment europeu. Por isso, prometeu “mobilização para essa área”. Sines, disse, tem intenções de investimento de 10 mil milhões de euros. Mas acabou a apontar outros polos industriais — como o “quadrilátero de ouro” de Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos — e o microcosmos de tecnologia digital da Covilhã e Guarda. “O país está a mudar”, garantiu, para criticar: “A minha função aqui não é puxar o país para baixo, mas puxar o país para cima”.
Ainda que seja catalogado como o pai do PRR, Costa Silva ficou sem os fundos europeus na orgânica do governo, mas desvalorizou isso mesmo na sua intervenção, dizendo que o Governo é uma equipa e uma task force coesa. Por isso refutou a ideia expressa pela oposição de que está refém de outros ministros — os fundos europeus ficaram sob a alçada de Mariana Vieira da Silva. “Sou um homem livre e só sou refém de mim próprio”. E demonstrou “a preocupação, que partilhamos, de aumentar a qualidade da execução dos fundos e articular o PRR com o PT 2020 e com o PT 2030”, mas mostrou abertura: “contribuições serão bem vindas. Não sabemos tudo”.
E, por isso, não deixou de falar da necessidade de aplicar eficientemente os fundos e que podem ajudar para uma transformação estrutural. Costa Silva falou deste momento como o certo para “mudar a trajetória de crescimento e mudar o próprio modelo de crescimento”. E como? “Fazendo chegar mais dinheiro à economia, estimulando empresas que produzem bens e produtos competitivos à economia mundial”.
Para esta visão apontou as tais seis alavancas para chegar a três pontos:
- Fazer crescer economia 0,5 pontos percentuais acima da média europeia;
- que as exportações passem a representar 53% do PIB em 2030;
- sendo 9% das exportações de produtos tecnológicos e alto valor acrescentado;
O caminho passa pelos seis pilares:
- qualificação e competências dos trabalhadores;
- capitalização das empresas. Portugal tem dos mais baixos capital por trabalhador, quando comparado com União Europeia. “Não há crescimento económico e desenvolvimento sem capital”, salientou, dizendo ser necessário uma “banca comercial saudável”, conjugando-a com o o banco fomento;
- inovação tecnológica. Para Costa Silva há que “mudar o modelo de desenvolvimento país, baseado na inovação tecnológica e não nos salários”. Por isso promete uma “descida seletiva do IRC”, aprovando um pacote para que as empresas reinvistam os seus lucros na atividade económica para empresas que investem na inovação tecnológica e para empresas que contratem jovens qualificados”;
Aproveitando este ponto, Costa Silva fez o seu primeiro anúncio: dia 13 de abril serão entregues as candidaturas finais para as agendas mobilizadoras que são “uma questão fulcral”, prometendo para antes do verão os contratos finais. “Estou muito esperançado com as apresentações que fizeram”, já que estas agendas, no seu entender, são o “futuro da economia para país, com a reinvenção dos setores tradicionais aplicando digitalização e economia circular e com projetos relacionados com tecnologias de futuro”;
- literacia financeira e digital. Costa Silva diz que vai avançar com acordos com escolas de negócio para que haja esses pacotes de formação financeira a empresas e instituições;
- ecossistema de inovação, com interação com todo o tecido empresarial. O objetivo é “desenvolver novos produtos de alto valor acrescentado, decisivo para futuro”;
- Olhar para as exportações e importações como uma hélice dupla. “Não podemos só ver exportações”, ainda que veja a necessidade de haver um esforço “para alargar a penetração de mercados internacionais e aumentar volume exportações”. Mas tem de se implementar “uma estratégia inteligente de substituição das importações”, considerando que “um dos óbices que não deixa economia crescer” é o conteúdo importado das exportações. Voltou ao tema, em resposta ao deputado do PCP, Bruno Dias, falando na visão de “produzir em território nacional bens à escala que sejam competitivos”, e isso “vai mudar trajetória do nosso país”, assumindo que, nesse ponto, “tem faltado visão com todas estas alavancas”.
Depois de um discurso que o PSD apelidou de sonho, muitas das perguntas instado a responder estavam fora das suas áreas de intervenção: impostos (muitos), habitação, TAP e até saúde. Sem que tenha feito referências diretas a alguns destes temas, Costa Silva respondeu individualmente a cada deputado que se lhe dirigiu, mostrando-se disponível para receber contributos das várias forças políticas. A Mariana Mortágua até respondeu: “Como sabe economia é extremamente complexa, ninguém sabe tudo”, e por isso mostrou disponibilidade para “incorporar as ideias que tem”.
Em cada resposta aos deputados, Costa Silva assumia necessidade de mudanças e voltou a falar do seu sonho de haver uma Universidade do Atlântico, nos Açores e na Madeira.
Sem as citações que habitualmente usa nas suas intervenções, Costa Silva não deixou a veia poética: “Podemos sempre sonhar e permite-nos sempre sonhar. Somos um país de lutadores, de resistentes, que se mobiliza e galvaniza e enfrenta dificuldades. Viver é tornar possível o impossível”. E ainda sobre o sonho concluiu: “Não é mau sonharmos. Tudo começa num sonho. Todas as invenções da humanidade, todas elas, partiram de uma ideia da cabeça de uma pessoa”.