O Vaticano está a avaliar com o governo ucraniano as condições de segurança para uma eventual visita do Papa Francisco a Kiev ainda durante a guerra, confirmou esta quinta-feira à imprensa o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin, que é o chefe da diplomacia da Santa Sé.
Também esta semana, o embaixador ucraniano junto da Santa Sé, Andriy Yurash, afirmou que a Ucrânia espera uma suspensão dos bombardeamentos russos durante uma eventual deslocação do chefe da Igreja Católica ao território ucraniano.
A confirmação destes contactos exploratórios por parte do número dois da hierarquia do Vaticano surge uma semana depois de o próprio Papa Francisco ter confirmado, durante uma conferência de imprensa na sua viagem apostólica a Malta no último fim de semana, que a possibilidade de visitar Kiev está “em cima da mesa“.
O Papa Francisco já foi formalmente convidado a visitar Kiev tanto pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, como pelo presidente da câmara da capital, Vitali Klitschko. A 22 de março, depois de uma conversa por telefone entre Francisco e Zelensky, o Presidente da Ucrânia afirmou que o Papa “é o convidado mais esperado no país“.
Agora, o líder da diplomacia do Vaticano confirmou que “uma viagem não é impossível” e que o governo ucraniano “já deu amplas garantias de que não haverá qualquer perigo” durante a eventual visita a Kiev.
Em declarações aos jornalistas citadas pelo Catholic News Service, Pietro Parolin explicou que “uma viagem não é impossível, pode ser feita”, mas é necessário “ver que consequências teria uma viagem destas e avaliar se verdadeiramente contribuiria para o fim da guerra“. Lembrando que outros líderes mundiais já se deslocaram a Kiev (esta sexta-feira, por exemplo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esteve na capital ucraniana), Pietro Parolin explicou que Ucrânia tem dado garantias de segurança relativamente a uma eventual visita do Papa.
Na quinta-feira, o embaixador da Ucrânia junto da Santa Sé, Andriy Yurash, esteve reunido com o Papa Francisco e, no final, explicou à agência Reuters que a reunião se centrou em “muitos tópicos atualmente na agenda, em primeiro lugar a possível visita de Sua Santidade à Ucrânia“.
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“Dei mais argumentos sobre os motivos pelos quais a visita tem de ser realizada o mais rapidamente possível e exatamente nestas circunstâncias”, afirmou Yurash.
Contudo, o cardeal Pietro Parolin alertou para a necessidade de cautela na interpretação da intervenção do Papa Francisco, que pretende essencialmente ser um mediador entre as duas partes em conflito. “O Papa não iria para assumir uma posição a favor de um lado ou de outro“, avisou Parolin.
Desde o início da guerra, o Papa Francisco tem aproveitado várias das suas intervenções públicas para denunciar os horrores sofridos pela população ucraniana, mas sem nunca apontar diretamente o dedo à Rússia, uma cautela que tem sido entendida como uma forma de Francisco manter a porta aberta a uma negociação de paz que permita pôr um ponto final na guerra sem vencedores ou vencidos.
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Simultaneamente, Pietro Parolin explicou que o Vaticano tem de ter em consideração as relações ecuménicas com a Igreja Ortodoxa Russa, a maior denominação religiosa da Rússia. Essa relação “delicada” também “tem de ser tida em conta na consideração geral sobre a possibilidade de fazer a viagem ou não”.
Com cerca de 90 milhões de fiéis, a Igreja Ortodoxa Russa é a maior igreja ortodoxa do mundo, mas é também um pilar estratégico do regime de Vladimir Putin. O patriarca de Moscovo, Cirilo I, é um dos mais poderosos aliados de Putin, emprestando a sua rede de influência (concretamente a rede de bispos e sacerdotes espalhados pelo território russo) à narrativa do Kremlin.
Mas a crise entre a Rússia e a Ucrânia também se joga no plano religioso: atualmente, a Igreja Ortodoxa Russa está em cisma com o Patriarcado de Constantinopla, o primus inter pares da comunhão ortodoxa, depois de Constantinopla ter reconhecido a independência da Igreja Ortodoxa da Ucrânia (uma fação do Patriarcado de Moscovo que recusou a soberania religiosa russa sobre a Ucrânia).
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O Papa Francisco, por seu turno, tem-se aproximado gradualmente do Patriarca Cirilo I. Em 2016, Francisco e Cirilo I encontraram-se pessoalmente em Havana, Cuba, num encontro inédito entre os líderes de Roma e Moscovo em mil anos de história. Desde então, os dois líderes religiosos têm vindo a estabelecer pontes, o que tem levantado a possibilidade de Francisco poder intervir no conflito, chegando a Putin através de Cirilo I.