Os governos têm de socorrer as populações, como fizeram na pandemia de Covid-19, para as proteger do aumento dos custos da energia e dos bens alimentares. Mas “é crucial que as políticas escolhidas sejam aplicadas no tempo certo e que sejam cirúrgicas e temporárias“, avisa Vítor Gaspar, diretor de Assuntos Orçamentais do FMI. O ex-ministro das Finanças português alerta que se a inflação elevada se prolongar isso poderá complicar a vida dos países mais endividados, que se habituaram a custos de financiamento cada vez menores – uma tendência que, agora, provavelmente irá mudar.

No prefácio do relatório Fiscal Monitor, divulgado esta quarta-feira pelo FMI, Vítor Gaspar escreve que “os tesouros públicos dos países desenvolvidos têm de estar atentos ao aumento da inflação”. Isto porque, apesar de se saber que uma inflação mais alta é algo que até ajuda na redução dos rácios de endividamento, “num contexto de inflação permanentemente elevada e volátil, a atratividade das obrigações soberanas reduz-se“, ou seja, os investidores têm menor interesse em comprar esses títulos. Nessa situação, “torna-se mais difícil manter níveis elevados de dívida“.

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A confirmar-se, esse risco poderá ser ainda mais perigoso porque, como lembra Vítor Gaspar, “nas últimas duas décadas, os países [desenvolvidos] beneficiaram de custos da dívida decrescentes”. O aviso do FMI, portanto, é que os países devem tomar medidas muito localizadas, “tendo em conta a margem orçamental mais reduzida e os riscos maiores nas finanças públicas“.

“Em alguns países, transferências [subvenções] localizadas e temporárias poderão dar uma grande ajuda“, afirma Vítor Gaspar. Noutros países, “onde os sistemas de proteção social e de informação são menos evoluídos, outras medidas podem ser consideradas, tal como subsidiação de custos de consumo ou descontos à cabeça nas faturas das utilities“, como a conta da luz.

Num texto que acompanha este Fiscal Monitor, o FMI reconhece que “os governos estão sob pressão para gerir o aumento dos custos da energia e dos bens alimentares” e, “para atenuar o impacto sobre as famílias, assegurar segurança alimentar e limitar os riscos de instabilidade social, a maioria dos governos anunciou medidas para limitar o aumento dos preços”.

Mas o FMI avisa, porém, que “tais medidas podem ter custos orçamentais elevados e exacerbar a procura global e as discrepâncias no lado da oferta, o que poderá colocar os preços a nível internacional sob pressão ainda maior“, no sentido de fazer os preços subir ainda mais, “o que poderá levar a escassez de alimentos e energia“.

Se esse risco se materializar, “isso irá prejudicar sobretudo os países mais pobres, que dependem de energia e comida importada“, diz o organismo sediado em Washington DC, nos EUA. Os preços da alimentação aumentaram 33,6% em março, em comparação com o ano anterior, o que “cria receios de escassez alimentar, má nutrição e risco de instabilidade social”. Estes são riscos que “aumentam a necessidade de uma cooperação mais robusta, a nível global”, pede o FMI.

Em todos os casos, assegurar a todos o acesso a uma nutrição adequada é um fator imperativo nas políticas públicas”, pode ler-se no relatório.

FMI corta projeção de crescimento de Portugal. PIB deve subir 4% este ano

Nas projeções económicas divulgadas na terça-feira pelo FMI, o organismo estima para Portugal um crescimento de 4% para este ano, o que fica abaixo das projeções do Governo, Banco de Portugal e Conselho das Finanças Públicas (que apontam para um valor próximo de 4,9%). Isto apesar de alinhar pela mesma projeção de inflação — 4%.

Já em relação ao défice, o FMI projeta uma insuficiência das contas públicas de 2,4%, abaixo dos 3% anteriores. Ainda assim mais pessimista que o Governo que aponta para um défice este ano de 1,9%.

O FMI revela-se mais pessimista para a economia mundial, e por arrasto para Portugal, devido à guerra na Ucrânia, que está a reforçar os focos inflacionistas.