Anna Wintour tornou-se, há muito tempo, num ícone, não só pelo seu poder, mas pela imagem que aprendeu a cultivar desde cedo. Figura enigmática, alvo de admiração ou ressentimento, desperta (no mínimo) uma constante curiosidade. No dia 2 de maio foi lançada o livro Anna — The biography (pela editora Simon & Schuster), no qual a autora Amy Odell procura desmistificar a personagem de Anna Wintour em quase 450 páginas.

Para quem ler o livro em busca de uma definição de Anna Wintour, talvez a resposta não seja fácil. Segundo o New York Times, o livro não conclui se é uma tirana ou não, porque entre muitos mexericos e histórias em que se destaca a sua disponibilidade para ajudar, a resposta irá depender da pessoa a quem é feita a pergunta. A crítica do jornal norte-americano destaca alguns pormenores que a autora do livro desenterrou e que são apontamentos que ajudam a perceber a personagem de que se trata: por exemplo, quando escandalizou um chefe ao publicar na revista New York Magazine um baú de couro de cabra no valor de nove mil dólares, o facto de deitar os seus cêntimos para o lixo, o facto de Andy Warhol considerar que ela se vestia mal, que Anna andava pelos corredores à inglesa e ia contra as outras pessoas, que uma vez voltou de um almoço com Bill Gates e comentou “como o achava atraente” e até quando “ela uma vez pediu ao seu departamento de fotografia para retocar a gordura à volta de um pescoço de bebé”. Segundo uma nota no final deste artigo, Anna Wintour não terá participado no livro.

“Quando comecei a trabalhar no “Anna”, as pessoas disseram-me que isto poderia ter dois caminhos: ela iria tentar parar-me , como aconteceu com uma anterior biografia não autorizada; ou ela iria ajudar-me. O último grupo acabou por ser o correto.”, contou Amy Odell à CNN Internacional. Um ano depois de começar o projeto e já com cerca de 100 entrevistas feitas, a autora diz que recebeu uma chamada da equipa de relações públicas do grupo editorial Condé Nast, porque a editora já sabia do livro e  queria saber pormenores. “Eu expliquei que queria escrever sobre a mulher numa posição de poder única. Depois daquela conversa, o gabinete dela enviou uma lista de nomes dos seus amigos próximos e colegas que eu poderia contactar — Tom Ford, Hamish Bowles, Serena Williams. Eu encarei isso como uma espécie de aprovação”, disse Odell e confessou ainda que isto tornou o acesso se tornou mais fácil, contudo muitas pessoas continuaram a não querer falar com registo.

“Anna – The biography”, da editora Simon & Schuster, foi lançado no dia 2 de maio, 28 euros (aproximadamente).

No Telegraph, Lisa Armstrong, a diretora da secção de moda considera que “a longevidade de Wintour e a hegemonia aparentemente ainda em expansão, são ainda mais fascinantes” do que qualquer outra saída de cena escandalosa ao longo das últimas décadas. Afinal, nesta indústria tudo pode ser um potencial espetáculo. A jornalista aponta alguns dos problemas ou más apostas de Wintour, só para concluir que ela é maior do que tudo isso.

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“Foi uma oportunidade para falar sobre o poder dela, como ela se tornou tão poderosa e como ela mantém o seu poder. Ela estará na Vogue há 34 anos este verão e isso é feroz, especialmente nos media. Para alguém tão público, ela é realmente uma figura misteriosa que tem sido tema de tantos boatos”, disse Amy Odell disse ao The Guardian. A autora do livro diz que “ela é uma figura intimidante, isso não é segredo, mas é isso que a torna tão intrigante” e acrescenta que quer que as pessoas acabem o livro e se questionem “porque é que ela é poderosa? Será apenas um contrato?”. Contudo a autora acrescenta que também é conhecida por atos de bondade.

Anna, é assim que Anna Wintour gosta de ser tratada. Uma simplicidade que contrasta claramente com o poder que tem, porque não só a diretora da Vogue americana, como é Global Chief Content Officer para  Condé Nast desde 2020, assim como diretora artística da Condé Nast e diretora editorial global de todas as edições internacionais da Vogue. Vale a pena acrescentar que foi condecorada como Dama pela própria rainha Isabel II, em 2017. Anna Wintour é britânica, nasceu em 1949 e lidera a Vogue americana desde 1988. O seu interesse pela moda começou na adolescência na década de 1960. É filha do editor de jornais britânico Charles Wintour, foi ele quem decidiu que ela seria diretora da Vogue e de uma americana, Nonie Wintour, proveniente de uma família influente.

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Coincidência ou não, é impossível passar ao lado do facto da biografia de Anna Wintour ter sido lançada na primeira segunda-feira de maio. Para quem não sabe, é a data, por excelência, da Met Gala, a maior festa de moda do ano e o evento do coração de Anna. Desde que assumiu as rédeas do evento, em 1995, ela fez desta festa de beneficiência, que visa angariar fundos para o departamento de moda do museu Metropolitan de Nova Iorque, uma festa galáctica onde se juntam as figuras estelares de diferentes áreas da sociedade e se cruzam influências. Tudo neste evento passa pelo olhar atento de Wintour, principalmente a lista de convidados. Na passada segunda-feira, dia 2 de maio, a Met Gala regressou ao seu formato pré-pandemia e Anna foi uma das primeiras pessoas a chegar, para poder cumprimentar todos os seus convidados. Usou um vestido Chanel e na cabeça, sobre o seu impecável “bob” uma tiara. Dúvidas ainda houvesse de que é a rainha da moda.

O livro faz também várias revelações sobre os bastidores e a organização da Met Gala. Segundo o Daily Mail, Anna quer que o pessoal da Vogue a trabalhar na festa saiba todos os pormenores sobre a chegada das celebridades. A organização dos lugares, a decoração e o menu são temas que a editora trata pessoalmente. No que toca á comida será mesmo muito exigente. Conta o jornal que salsa, alho, cebola, cebolinho e peixe são ingredientes proibidos, contudo costeletas de cordeiro, bife e feijão verdes são os ingredientes preferidos. O prato que Anna mais gostará de servir em eventos da Vogue é empada de frango, porque será uma refeição que contém um pouco de tudo, como proteínas e vegetais, e para sobremesa a vencedora é crème brulée, disse à autora do livro Stephanie Winston Wolkoff, que já foi organizadora da Met Gala. Acrescenta ainda que Anna sempre se preocupou muito com o comportamento tanto dos convidados como das pessoas que estão a trabalhar na gala. Uma antiga copywriter da Vogue, Sarah Van Sicklen, disse para o livro que o staff do evento também tinha de ter boa aparência, “Deus nos livre se eles são gordos, se eles são feios, eles têm de sair”. Em 1995 terá mesmo encomendado vestidos avental à Calvin Klein para as colaboradoras que estavam a dar direções aos convidados usarem.

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Amy Odell é jornalista de moda e cultura. Já publicou trabalho em títulos como a New York Magazine, Time, Bloomberg Businessweek ou a revista 1843 da The Economist. Já tem um livro anterior que se chama “Tales from the back row: An outsider’s view from inside the fashion industry”. Trabalhou neste livro durante mais de três anos, fez mais de 250 entrevistas a várias pessoas, entre elas amigos próximos, colaboradores de Anna e algumas altas figuras da moda. E ainda um mergulho muito profundo em arquivos, tanto as cartas do pai da editora como as revistas por onde a sua longa carreira passou. Além de uma biografia de Anna Wintour, este livro é também um retrato do mundo da moda ao longo das últimas três décadas e do próprio império Condé Nast.