A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e efeitos retroativos da lei dos metadados pode colocar em risco cerca de 8.000 processos criminais relativos às chamadas burlas por MB Way. Tudo porque a informação digital que permite localizar determinado aparelho tecnológico no tempo e no espaço é considerada essencial para a descoberta da verdade material nesse tipo de investigação.

É com o acesso a tais metadados que os investigadores costumam identificar não só os burlões e as contas bancárias — nomeadamente, através do acesso aos IPs que foram utilizados para abrir contas, mas também sites fraudulentos —, como também ajudam a monitorizar os suspeitos e permitem perceber a partilha do mesmo espaço.

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Este é o primeiro caso em que se consegue quantificar na investigação criminal o impacto concreto da inconstitucionalidade da lei, determinada no final de abril, porque os metadados são um dos meios de prova mais fortes desse tipo de processo. Sem os metadados, a identificação dos suspeitos torna-se muito mais difícil.

Os métodos dos burlões

A subida exponencial dos inquéritos criminais ligados ao MB Way obrigou a Procuradoria-Geral da República a agir e a centralizar a informação na Secção de Investigação, Análise e Tratamento de Informação Digital do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Ao que o Observador apurou, o DCIAP conseguiu localizar a nível nacional mais de 7.980 inquéritos relacionados com o MB Way, sendo que Portalegre é surpreendentemente aquele com maior número de casos.

A centralização da informação no DCIAP obrigou à unificação de métodos de investigação que permitam uma perseguição penal mais eficiente, sendo aqui que entram em cena os metadados.

Num relatório público dessa secção coordenada pelo procurador Carlos Casimiro, já foram descritos os vários métodos usados pelos burlões — os quais requerem sempre a utilização de meios tecnológicos, nomeadamente computadores e smartphones. É através dos metadados desses aparelhos que muitas vezes são localizadas as contas bancárias e as contas de emails usadas pelos suspeitos.

Ao que o Observador apurou, os quase oito mil inquéritos já tinham gerado a pesquisa de mais de 14.000 números de telefone,  mais de 950 IMEI’s (números de identificação de cada telemóvel) e mais de 2.000 contas bancárias.

Por exemplo, através do chamado método smishing, os suspeitos colocam um anúncio da venda de um determinado produto na plataforma OLX e enviam para os interessados um link que imita a plataforma dos CTT e da UBER para ‘caçarem’ os dados dos cartões bancários, visto que os links ‘pedem’ às vítimas que coloquem tais dados. Na prática, as vítimas estão a dar dados essenciais que permitirão aos burlões usurparem cartões bancários e levantarem ou transferirem fundos das contas associadas as esses cartões.

Não só os metadados permitem a descoberta dos IPs de cada computador que criou os anúncios (que constituem o isco) e tais links, como os mesmos poderão permitir a identificação das contas bancárias usadas pelos burlões.