O mercado de Woolwich situa-se a 50 minutos do centro de Londres e está devoluto desde 2016, depois de oito décadas de atividade. É património classificado. Fica junto a uma praça que chegou a ter um bairro da lata nos anos 1950 e onde hoje se veem vendedores ambulantes com bancas de flores, sapatos, brinquedos, relógios e malas. Neste ambiente improvável, certamente distante da sofisticação associada à arte contemporânea, uma equipa multidisciplinar liderada por Jennifer Crook apresenta por estes dias a “experiência imersiva” Dreamachine, a máquina dos sonhos.

O ponto de partida são luzes estroboscópicas e sons harmoniosos, mas a obra de arte em potência — se a palavra “arte” tem aqui fundamento — fica ao critério da viagem mental que cada espectador conseguir fazer. A viagem acontece de olhos fechados e pode ser onírica ou terapêutica, inquietante ou psicadélica. Depende do estado de espírito com que se entra e da sensibilidade de cada pessoa. Se a arte intervém no mundo, esta máquina dos sonhos propõe-se alcançar o íntimo.

“É uma experiência multissensorial e indescritível, por ter uma dimensão muito pessoal”, resume Jennifer Crook, diretora da Dreamachine. “A instalação sonora de 360 graus leva-nos por paisagens, quase como uma narrativa musical, e a luz branca tem uma cadência devidamente estudada. As cores e os padrões que o espectador vê são apenas um efeito que acontece no próprio cérebro.”

A Dreamachine abriu ao público a 10 de maio e vai manter-se em Woolwich até 24 de julho. Faz parte do ciclo de programação cultural Unboxed, que apresenta criações de larga escala ao longo deste ano no Reino Unido, com financiamento público de 120 milhões de libras (cerca de 142 milhões de euros). A curadoria geral de Unboxed está a cargo de Martin Green, conhecido em Inglaterra por ter organizado em 2012 as cerimónias dos Jogos Olímpicos de Londres.

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Uma réplica da Dreamachine opera também em Cardiff, no País de Gales, entre 12 de maio e 18 de junho, seguindo-se Belfast e Edimburgo. Fala-se até de uma digressão para levar a experiência a cidades de toda a Europa. Os organizadores admitem a intenção, mas não por enquanto não concretizam novas datas e locais, pois estão dependentes de parcerias que venham a estabelecer.

“Antes da abertura, fizemos ensaios durante oito meses com convidados e esperamos que a Dreamachine seja apelativa para pessoas de todas as idades e de todos os contextos, especialmente para quem não tem o hábito de frequentar espaços culturais”, aponta Jennifer Crook.

O Woolwich Public Market, que as autoridades locais planeiam um dia transformar em cinema, foi escolhido depois de intensa procura em Londres, acrescentou a mesma responsável. “Queríamos um sítio com porta direta para a rua e onde se entrasse e saísse facilmente. Tinha de ser um espaço que pudéssemos transformar por inteiro, para que a experiência comece logo à entrada, e sem os obstáculos simbólicos que um museu uma galeria de arte ainda têm para muitas pessoas.”

Mercado de Woolwich foi desativado em 2016 e agora recebe a experiência Dreamachine (foto: Brenna Duncan)

30 minutos de intensidade

O bilhete é gratuito, mas tem de ser levantado à porta, e a decoração interior do mercado prepara o espectador para o que vai encontrar. Há sofás, cadeiras, cortinas brancas. Vários instrutores metem conversa com os visitantes para os serenarem quanto ao que se segue. Uma grande caixa azul de madeira, plantada sob a cobertura do mercado, é a Dreamachine de que se fala. Entra-se para a caixa azul, onde ao início só há penumbra, e vislumbra-se um pequeno auditório redondo ao estilo das tendas de circo. As luzes vão surgir do teto.

Cabem cerca de 20 pessoas, que são convidadas a instalar-se num sofá reclinado e a colocar uma manta pelas pernas. É preciso fechar os olhos. A viagem terá meia hora de duração. São constantes os avisos sobre os efeitos potencialmente perigosos da exposição a luzes estroboscópicas, ou seja, que se acendem e apagam a um ritmo frenético. Um cartaz faz a advertência à entrada e os instrutores sublinham que quem se sentir mal deve acenar com os dois braços para ser imediatamente retirado da Dreamachine por um elemento da equipa. No dia da visita do Observador, com um grupo de jornalistas convidados, só um espectador saiu a meio, por se sentir ansioso. Os outros ficaram até ao fim e descreveram quadrados e retângulos de muitas cores e sensações de conforto e bem-estar.

A viagem acontece numa caixa azul de madeira (foto: Brenna Duncan)

O projeto recupera em parte uma ideia de 1959 do artista britânico Brion Gysin, que criou um dispositivo artesanal de luz estroboscópica que podia ser feito em casa por qualquer pessoa. Instalava-se em cima do prato do gira-discos. A versão atual tem assinatura do Collective Act, um grupo de criadores e cientistas que junta os arquitetos do gabinete Assemble — vencedores em 2015 do Prémio Turner, o mais importante galardão artístico no Reino Unido — e pelo compositor Jon Hopkins, que já produziu temas para Brian Eno e Coldplay.

Além destes, participam ainda uma professora de filosofia, Fiona Macpherson, da Universidade de Glasgow, e dois professores de neurociências computacionais, Anil Seth e David Schwartzman, da Universidade de Sussex. Eles estão interessados em recolher depoimentos dos participantes para estudarem a experiência estética de um ponto de vista científico e preveem publicar um estudo no próximo ano.

Depois dos 30 minutos de viagem, já fora da caixa azul de madeira, o Observador encontra Anthony Engi Meacock, dos Assemble, segundo o qual a Dreamachine “é como fazer meditação”, podendo ser igualmente vista como uma “instalação de arte contemporânea com componente autocriativa, porque o espectador é que é o artista”. “Sobretudo queremos refletir sobre consciência, perceção e emoções”, descreve o arquiteto.