O advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa duas assistentes que perderam no total cinco familiares na Estrada Nacional (EN) 236-1, na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande em 2017, considerou, esta quinta-feira, “claramente que há responsabilidade criminal”.
“Claramente que há responsabilidade criminal, por omissão, por violação de deveres de cuidado”, afirmou Ricardo Sá Fernandes, nas alegações finais do julgamento para determinar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, que prosseguem no Tribunal Judicial de Leiria, esta quinta-feira.
O causídico referia-se à vegetação junto à linha de média tensão Lousã-Pedrógão (da responsabilidade da ex-EDP, atual E-REDES), onde ocorreram descargas elétricas que originaram os incêndios, e na EN 236-1, que liga Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, cuja gestão da faixa de combustível competia à Ascendi. A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava a EN 236-1, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior.
Dizendo não ter “uma avaliação concreta do comportamento de nenhum” dos dois arguidos que são funcionários da E-REDES e dos três da Ascendi, pelo que, “por uma questão de honestidade”, se recusou a pronunciar sobre eles, o advogado adiantou que, “relativamente à matéria dos bombeiros”, endossa as suas “alegações para aquilo que a senhora procuradora já disse”.
“Eu suponho que houve, efetivamente, violação do dever de cuidado de quem tinha obrigação de verificar o estado da vegetação por baixo dos cabos elétricos e nas faixas da estrada”, declarou.
Questionando “se isso criou ou aumentou os riscos dos incêndios”, Ricardo Sá Fernandes salientou: “A resposta só pode ser que sim. Não posso dizer que criou, mas posso dizer que aumentou”.
Insistindo que “não houve limpeza adequada, suficiente, razoável, exigível” quer junto à linha de média tensão, quer na estrada, onde ocorreram a maioria das mortes dos incêndios, o causídico destacou que há violação do dever de cuidado, o aumento do risco e o dano, a morte de pessoas.
“Estas cinco pessoas morreram, exatamente, em consequência da exposição ao incêndio. Elas morreram queimadas, este é o facto, queimadas, carbonizadas. Não conseguimos imaginar o sofrimento”, assinalou.
Sem querer “arranjar bodes expiatórios” ou utilizar expressões de que a culpa não pode morrer solteira, o advogado sustentou que “foi feita a prova suficiente para condenar aqueles que, no caso da EDP ou da Ascendi, tinham a obrigação de adotar as condutas que não adotaram”.
Por isso, “deve haver condenação dos arguidos que, em concreto, violaram estes deveres de cuidados”, argumentou, assinalando que, quanto aos bombeiros, não tem “condições para emitir uma opinião desta firmeza”, mas confia na avaliação da procuradora da República.
Ricardo Sá Fernandes representa uma assistente, “filha e neta de quatro pessoas que faleceram” na EN236-1 e outra assistente “cuja filha também morreu na mesma estrada”.
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Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Em sede de alegações, na quarta-feira, o Ministério Público pugnou pela condenação de nove dos 11 arguidos. As exceções foram Jorge Abreu e o funcionário da ex-EDP José Geria, neste último caso referindo que deve ser “julgado de acordo com a prova produzida”.