Um mês depois, a redução “agressiva” do imposto sobre produtos petrolíferos já foi totalmente consumida pela subida dos preços das matérias-primas. No início de maio, o imposto baixou cerca de 15 cêntimos por litro, mas comparando a evolução dos preços desde então verificamos que o gasóleo está 5 cêntimos mais caro e que a gasolina subiu uns impressionantes 29 cêntimos por litro, considerando o preço médio pago (com descontos) recolhido pela Direção-Geral da Energia e Geologia (DGEG).

No entanto, é do lado dos utilizadores do gasóleo que há maior pressão junto do Governo para tomar novas medidas para conter o impacto do aumento dos preços. Depois de subidas de 11 cêntimos por litro sentidas esta semana, a associações dos transportadores de mercadorias, a ANTRAM, já reuniu com o Governo a exigir o gasóleo profissional.

Também os pescadores de Viana do Castelo estão a pedir os mesmos apoios para os barcos a gasolina que foram disponibilizados para o gasóleo. Quando a crise energética inflamou, o Governo aprovou um reembolso de 30 cêntimos por litro para o gasóleo utilizado nos transportes de mercadorias, que também se aplicou ao transporte de passageiros coletivo e individual. Estes apoios relativos a um período de três meses já foram ou estão a ser pagos. E a renovação desta compensação para um período temporal mais longo pode ser uma das medidas em cima da mesa.

Mas para voltar a dar uma resposta universal ao aumento dos combustíveis, o Governo tem hoje menos margem do que tinha quando se agravou a espiral de preços por efeito da guerra na Ucrânia. Sobretudo porque já é evidente, como reconheceu António Costa, que esta não é uma situação transitória, pelo menos no atual contexto do conflito.

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António Costa diz que preços dos combustíveis só vão baixar “quando guerra parar”

A descida do IVA para a taxa intermédia não passa em Bruxelas

A primeira medida que António Costa quis implementar — a redução do IVA para a taxa intermédia de 13% — não passou no crivo da Comissão Europeia. Apesar de não existir uma resposta oficial, nem do Ministério das Finanças, nem dos serviços da concorrência em Bruxelas, fonte oficial da DG Comp remeteu a pergunta do Observador para uma carta enviada aos Estados-membros pelo comissário da economia, Paolo Gentiloni, ainda no final de abril onde clarifica as regras europeias e os princípios que os países devem seguir.

O novo regime do IVA (que entrou em vigor em abril) permite a aplicação de taxas reduzidas (mínimo de 5%) ao gás natural, eletricidade e combustível para aquecimento. As taxas reduzidas ficam também disponíveis para aplicação a painéis solares e equipamento de aquecimento com maior eficiência energética (incluindo taxa zero para os painéis solares). Os Estados-membros não podem ter mais de duas taxas reduzidas. Os combustíveis rodoviários não podem beneficiar de taxas reduzidas”. 

A descida do imposto petrolífero que está quase no limite e acaba em julho

Em alternativa, o Governo aprovou uma descida das taxas de imposto petrolífero na gasolina e no gasóleo para o nível equivalente ao que resultaria da passagem do IVA de 23% para 13%. Esta medida permitiu baixar os preços em cerca de 10 cêntimos por litro no início de maio, tendo substituído o regime de reembolsos pelo Autovoucher que só estava disponível para os inscritos na plataforma (mais de três milhões em abril).

Com um custo estimado de 80 milhões de euros, a descida do imposto petrolífero é temporária e foi aprovada (e orçamentada) para vigorar dois meses, ou seja, até ao final de junho. E neste quadro, são dois os dilemas que o Governo tem de decidir. Vai prolongar a descida temporária do ISP? E vai baixar mais o imposto, considerando que o efeito da redução inicial já foi absorvido pela subida dos produtos refinados?

Para resolver estes dilemas o Governo terá de pesar um conjunto de variáveis. A primeira é o limite mínimo do imposto petrolífero permitido pela União Europeia e que está quase a ser atingido no gasóleo. Já foi pedida uma derrogação para baixar o imposto para além desse limiar. Outros fatores a ponderar passam pela eficácia da redução de impostos, que se tem revelado insuficiente para contrariar o aumento dos preços, e pela dimensão da perda de receita fiscal.

Se os dados até abril apontam para uma recuperação da receita fiscal do imposto petrolífero face ao ano passado e até em relação a 2019, este quadro vai mudar em maio. Março e abril foram meses de forte consumo de combustíveis, muito puxado pela Páscoa e pelas viagens de férias e houve uma antecipação da introdução ao consumo de produtos petrolíferos que fez subir a receita com o imposto. Esta situação vai inverter-se em maio.

Para além da perda fiscal no imediato, o Executivo terá ainda de decidir se quer continuar a subsidiar os combustíveis rodoviários, dando sinais contrários à política de aceleração da transição energética que consta do programa do Governo. Sobretudo quando se começa a tornar evidente que este aumento dos preços não vai ser temporário. Os preços podem parar de subir, mas dificilmente voltarão ao nível anterior à crise da Ucrânia.

O apoio aos utilizadores. Apoiar todos ou só os setores mais atingidos

Para além, ou em complemento com o alívio fiscal, o Executivo pode pagar subsídios ou reembolsos aos utilizadores de combustíveis. Esta foi aliás a primeira solução aprovada ainda no ano passado com a criação do Autovoucher a partir do sistema desenvolvido para devolver o IVA em compras nos setores mais afetados pela pandemia. No entanto, esta modalidade não deverá ser retomada, pelo menos nos moldes em que funcionou entre novembro e abril.

O contrato que sustentou o programa Autovoucher que assegurou reembolsos de despesas feitas em estações de serviço — 5 euros mensais que foram elevados para 20 euros em março e abril — já terminou. A adjudicação deste programa foi feita por ajuste direto à Salt Pay, a empresa que foi responsável pela plataforma IVaucher, por um período de 5 meses, com efeitos a partir de novembro do ano passado que terá terminado em março. O programa foi prolongado em abril, mas foi descontinuado depois da descida do imposto sobre os produtos petrolíferos em maio. Para o retomar, teria de ser feito um novo ajuste direto.

A par da solução técnica a utilizar para estas compensações, o Executivo terá ainda de avaliar se continua a promover uma política de contenção de custos universal e que beneficie todos os utilizadores ou se centrará os apoios nos setores económicos mais expostos ao impacto do aumento dos combustíveis, como os transportes, a agricultura e as pescas. Até porque são também estas atividades que têm um maior efeito da cadeia no resto da economia e dos preços dos produtos e serviços.