Estarão cerca de 30 milhões de toneladas de cereais em armazéns na Ucrânia. Sem que o país consiga enviá-las para o exterior. Os portos estão bloqueados e a via ferroviária e terrestre tem limitações. A Ucrânia tenta novas rotas, via Polónia e Roménia.

As tentativas de voltar a exportar via Mar Negro estão a falhar. A Ucrânia já não tem acesso à maioria dos seus portos nessa zona e de Odessa, que ainda controla, não consegue também fazê-lo. A guerra com a Rússia trava-se também neste mar, com saída principal através da Turquia. O que faz deste país um importante elemento para que o mar volte a ser navegável. A Turquia tem intermediado as negociações entre os dois países, mas ainda no final da semana passada falharam as conversas com a Rússia para conseguir exportar cereais.

Há que ter em conta também que os portos no Mar Negro estão minados, tanto em terra como no mar. Ainda este domingo os separatistas russos de Donestsk garantiram ter desminado totalmente o porto de Mariupol. A Ucrânia acusa a Rússia de minar os portos, que faz ricochete à acusação, devolvendo-a aos ucranianos.

Volodymyr Zelenskyy, Presidente da Ucrânia, tem, em particular nas últimas mensagens, alertado para esta situação, dizendo que o bloqueio dos portos por parte da Rússia vai conduzir milhões à fome.

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Zelensky avisa que milhões de pessoas podem morrer de fome com a guerra na Ucrânia

“As minas são uma barreira real para a exportação de cereais da Ucrânia…. e isso é um grande problema”, comentou à CNBC Sidharth Kaushal, um perito naval do think tank Royal United Services Institute, salientando que a Rússia tem utilizado as minas como estratégia política. “É certamente uma desculpa que os russos têm, já que podem seletivamente desminar os portos que controlam, podem tentar reestabelecer a rota comércio e manter factualmente um bloqueio sobre Odessa, acusando os ucranianos de toda a situação”. A CNBC acrescenta que a Ucrânia não tem negado ter instalado minas em alguns portos.

E com isso Sergey Lavrov, ministro russo dos Negócios Estrangeiros, sugere que se a Ucrânia desminar os seus portos, as exportações poderiam ser retomadas, sugerindo igualmente que a Rússia garantiria a segurança dos navios ucranianos que saíssem dos portos e não usaria a situação em seu benefício. “Estas são garantias do Presidente da Rússia”, terá declarado, segundo a CNBC, depois das conversações com o seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu. A Ucrânia mostra-se cética em relação a estas promessas.

As Nações Unidas têm pedido entendimento para que possam haver exportações.

As duas rotas e mais uma pode vir a caminho

Estando o acesso por mar bloqueado, a Ucrânia tenta enviar os cereais por terra. Só que, conforme revelou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros à Reuters esta via tem constrangimentos. Fala da via aberta pela Polónia e Roménia e a Reuters avança que poderá haver uma terceira pelos países bálticos. A Ucrânia não avança informações sobre esta terceira via.

“Estas rotas não são perfeitas, porque criam muitos constrangimentos, mas estamos a trabalhar na melhor forma de as desenvolver”, declarou à Reuters Dmytro Senik. Segundo conta a Reuters, a linha ferroviária da Ucrânia tem bitola diferente da dos seus vizinhos, pelo que obriga à transferência para um comboio diferente na fronteira, onde não há muitos armazéns. E pela Roménia implica transportar por ferrovia até aos portos no Danúbio e carregar a mercadoria em barcaças até ao porto de Constanta, na Roménia, o que é um processo complexo e caro.

Porque é tão relevante?

A Ucrânia é um dos maiores produtores de cereais do mundo e também um dos principais exportadores. A Ucrânia era, antes da guerra com a Rússia, o quarto maior exportador mundial de trigo e milho. Zelensky já estimou que, com as colheitas, os cereais nos armazéns na Ucrânia podem passar de menos de 30 milhões para 75 milhões de toneladas.

Segundo contas do Guardian, e salientando poder ser difícil conseguir navios para tanta mercadoria, cada contentor agrícola consegue levar cerca de 50 mil toneladas de cereais, pelo que cerca de 400 seriam necessários para transportar 20 milhões de toneladas — se atingir os 75 milhões o desafios será maior. A disponibilidade de contentores pode não ser um problema, mas deveria ser necessário algum tempo para esses transportadores estarem disponíveis no Mar Negro, navegando desde onde estão.

Imagem do movimento de navios no Mar Negro da Marine Traffic

Antes da guerra, mais de 90% das exportações agro-industriais da Ucrânia eram exportadas por mar. Nessa altura, antes de 24 de fevereiro, cerca de 5 a 6 milhões de toneladas de cereais saiam do país pelos portos ucranianos, segundo dados da International Grains Council, citados pelo Guardian. O jornal britânico diz que a Ucrânia poderá estar também a equacionar outros portos: não apenas Odessa, mas também o de Yuzhne e o de Chornomorsk.

Em maio saíram do país 1,74 milhões de toneladas.

Para a Ucrânia — que já começou as novas searas (e diz ter conseguido semear mais de 90% do previsto) — é também uma questão de conseguir fazer chegar ao país mais divisas estrangeiras com a venda dos cereais e óleo de girassol. Em 2021, os cereais foram das principais exportações ucranianas que renderam mais de 12 mil milhões de euros de receitas, correspondendo a um quinto das vendas do país.

Isto numa altura em que estas matérias-primas estão em alta de preços por causa da guerra da Ucrânia. Países como a Índia até já limitaram as suas próprias exportações de cereais com receios de ficarem sem abastecimento suficiente para alimentar a população. A esta limitação juntam-se as colheitas mais fracas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.