O presidente da Rússia, Vladimir Putin, tem sido acusado pelos governos ocidentais e por alguns dos seus opositores de ter uma fortuna escondida à qual acede através de uma rede de amigos e oligarcas russos. Esta segunda-feira, uma investigação publicada no jornal britânico The Guardian revela que uma série de bens, que rondarão os 4,5 mil milhões de dólares e não têm uma relação aparente entre si, estão afinal ligados através de um domínio de email comum, o LLCInvest.ru.
A partir de uma investigação de vários anos da OCCRP, a Organized Crime and Corruption Reporting Project, e do site russo Meduza, divulgada em exclusivo pelo referido jornal britânico, fica a saber-se que palácios, iates e vinhas que já foram relacionadas a Putin pertencem a empresas, instituições de caridade e oligarcas todos eles ligados através dessa rede informal. O domínio de email não seria de uso para o público, refere o The Guardian, mas terá sido a partir desta pista que os jornalistas conseguiram descobrir o complexo enredo.
O domínio de email seria controlado pela empresa de telecomunicações Moskomsvyaz – que, por sua vez, terá ligações ao Bank Rossiya. Este tem sido descrito pelo Tesouro dos EUA como sendo o “banco pessoal dos altos funcionários da Federação Russa”.
Os emails a que a organização teve acesso, em setembro do ano passado, deixam no ar que diretores e administradores de entidades supostamente separadas estariam a discutir questões do dia-a-dia através desta “rede”, mas como se pertencessem a uma organização única. Um especialista em corrupção na Rússia, consultado sobre a investigação e que falou sob anonimato com o jornal inglês devido a questões de segurança, assume que o grupo parece funcionar quase como uma “cooperativa, ou uma associação, em que os seus membros trocariam benefícios e propriedades”.
No total, esta “rede” terá sido usada por representantes de 86 companhias e organizações sem fins lucrativos diferentes.
Segundo o Guardian, as organizações mencionadas nestes emails não terão respondido aos pedidos de comentário. Continua a ser, ainda assim, pouco claro qual seria o propósito do uso deste serviço de email em comum ou mesmo qual a motivação para esta aparente cooperação entre indivíduos de diferentes empresas.
Que bens constam da lista?
Vinhas, mansões ou abastadas contas bancárias: de acordo com a investigação da OCCRP e da Meduza, divulgada pelo Guardian, a lista de bens é extensa. A primeira menção da lista pertence ao “Palácio de Putin”, uma mansão avaliada em 1,17 mil milhões de euros, situada no Mar Negro. O oligarca Arkady Rotenberg, alvo de sanções por parte da União Europeia e EUA, já disse ser o dono da propriedade. Mas, de acordo com esta informação, a propriedade pertencerá a uma empresa chamada Kompleks, cuja empresa-mãe é a Binom. E, até julho do ano passado, a Binom estaria listada como tendo um endereço no domínio LLCInvest.ru.
Em junho de 2021, o opositor russo Alexei Navalny acusou Putin, num vídeo com cerca de duas horas, de ter o beneficiário deste imenso palácio perto da cidade de Guelendjik. “É um Estado no interior da Rússia. E neste Estado apenas existe um czar inamovível. Putin”, disse então Navalny, acusando o Presidente russo de ser “obcecado pelas riquezas e pelo luxo”.
Além da mansão, a investigação também refere hectares de vinhas nas redondezas do palácio Gelendzhik. A organização aponta uma ONG fundada por dois associados de Putin, Gennady Timchenko e Vladimir Kolbin, como os donos destes bens. Também aqui é feita a sugestão de que os dois e outros nomes visíveis nos emails sobre o assunto estivessem a usar emails LLCInvest.ru.
Em Leningrado, ficará o resort de esqui Igora, onde decorreu o casamento de uma das filhas de Vladimir Putin, em 2013. De acordo com os registos citados pelo The Guardian a partir da investigação, esta propriedade pertencerá à Ozon, uma empresa de Yuri Kovalchuk, amigo de Vladimir Putin e chairman do Bank Rossiya, o já referido banco das elites russas. E também neste caso haverá uma ligação entre a Relax, a empresa-mãe da Ozon, e o domínio de email comum.
Uma “villa” no norte de São Petersburgo, alegadamente propriedade de um amigo de infância de Vladimir Putin, Oleg Rudnov, que mais tarde passou para as mãos do filho, Sergey Rudnov, também surge nesta rede de emails através de uma empresa chamada North.
A investigação tenta, assim, estabelecer uma ligação entre o luxuoso estilo de vida do presidente russo, em contraste com a lista de bens que Putin garante ter, de acordo com os registos oficiais: um pequeno apartamento em São Petersburgo, dois carros da era soviética, um atrelado e uma pequena garagem.