Andar às cabeçadas às portas ou às paredes (literalmente) não dá muita saúde ao cérebro, como deve imaginar, mas marcar golos de cabeça no futebol europeu ou os embates do futebol americano também não. Mesmo que não se verifique um traumatismo craniano, é bem provável que o cérebro sofra lesões que podem ter consequências graves a longo prazo. Posto isto, pergunte-se: como é que o pica-pau aguenta passar os dias a martelar na madeira sem mazelas?

O som dos pica-paus nas florestas é facilmente reconhecido: usam o bico como um martelo pneumático para abrir buracos nas árvores e encontrar os insetos que recolhem com as suas longas línguas — duas ou três vezes o tamanho do bico. As marteladas também servem para comunicar com outros pica-paus ou para fazer buracos suficientemente grandes que sirvam de ninho.

Ora, se um pontapé com força numa árvore lhe vale um grito e um pé dorido durante umas boas horas, seria de esperar que o pica-pau tivesse uma espécie de amortecedor entre o bico e o crânio para evitar as contusões. E foi isso que se pensou durante muito tempo: que os ossos porosos poderiam absorver o impacto. Mas a investigação mais recente mostra precisamente o contrário: o bico e o crânio funcionam como um martelo rígido para aumentar a eficácia das bicadas na madeira.

Pensava-se que haveria uma estrutura no bico e/ou crânio que funcionasse como amortecedor, tal como noticiado anteriormente pelo Observador.

Um bico que funciona como um amortecedor

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Sam Van Wassenbergh, que estuda evolução biomecânica na Universidade de Antuérpia (Bélgica), questionava-se: como podia o bico e/ou o crânio absorver energia se, de facto, o pica-pau precisa de toda a energia disponível para furar eficazmente as árvores? Perder energia no processo, significava que tinha de bater com ainda mais força na madeira — o que seria contraproducente. Os vídeos de alta velocidade captados pela equipa coordenada por Van Wassenbergh mostram que não havia perda de energia, logo não havia amortecedor a proteger o cérebro, conforme publicado na revista científica Current Biology, do grupo Cell.

“Também não usamos uma mola para martelar um prego”, disse ao The Atlantic Margaret Rubega, ornitologista na Universidade do Connecticut, que não esteve envolvida no estudo.

O que acontece é que o cérebro do pica-pau é cerca de sete vezes menor do que o dos humanos e, como tal, pode aguentar forças (e choques) que sejam sete vezes superiores. Os investigadores verificaram que, apesar da força e velocidade com que batem com o bico (cerca de 20 vezes por segundo), a energia do embate transmitida ao cérebro está abaixo do limite de risco para causar um traumatismo. A má notícia é que o crânio do pica-pau deixa de ser um bom modelo para capacetes de humanos.

De um ponto de vista evolutivo, no entanto, o limite estará provavelmente relacionado com o tamanho da cabeça, a velocidade máxima do embate, a dureza das árvores escolhidas ou qualquer combinação destes fatores, uma vez que aumentado estes fatores será mais provável sofrer um traumatismo e diminuir a segurança do cérebro”, escreveram os autores do estudo.

O neurobiólogo Daniel Tobiansky, que estuda pica-paus no St. Mary’s College of Maryland (Estados Unidos), defende que poderá haver outros fatores a proteger o cérebro dos pica-paus das lesões crónicas, mas que não provocam contusões: hormonas esteroides, como o androgéneo e o estrogénio.

O investigador da Universidade de Antuérpia aproveita para acrescentar mais uma explicação: de facto, os ossos têm um aspeto esponjoso, mas não quer dizer que sejam moles ou se possam comprimir, antes quer dizer que são porosos e leves como devem ser os ossos das aves que voam. “O osso é forte o suficiente para a função que tem de desempenhar.”