O BPP (em Liquidação) quer saber se a mulher do antigo banqueiro João Rendeiro, que morreu há mais de dois meses numa prisão em África do Sul, é a sua herdeira e se vai assumir a sua posição no que toca à responsabilidade cível do processo em que o antigo banqueiro foi condenado a dez anos de prisão por fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento. Maria de Jesus Rendeiro já foi notificada do pedido de habilitação de herdeiros, mas ainda não respondeu.
O incidente de habilitação de herdeiros — o nome do procedimento — entrou no Tribunal da Relação de Lisboa no último dia 5 de julho, como percebeu o Observador numa consulta do processo. Os advogados Rita Travassos Pimentel e Miguel Coutinho, representantes do BPPão, interpuseram um incidente de habilitação de herdeiros do arguido e, partindo do princípio de que a mulher do antigo banqueiro é sua única herdeira, pedem “que seja ela [Maria de Jesus Rendeiro] a sucessora legítima do arguido nos presentes autos”.
O pedido chegou quase dois meses depois da morte de Rendeiro numa prisão em África do Sul, uma morte que foi comunicada ao processo pela própria procuradora-geral adjunta, Maria de Fátima Silveira, a 15 de junho. “Ressalva-se que a extinção da responsabilidade criminal pela morte do agente não impede o prosseguimento do processo para efeitos da declaração da perda de instrumentos, produtos e vantagens a favor do Estado, e que a perda de produtos e vantagens tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo o caso de morte”, avisava.
Perante as certidões de óbito e de nascimento, com o averbamento do casamento, o juiz desembargador Rui Teixeira considerou extinto o procedimento criminal relativo a Rendeiro, mas decidiu suspender a instância civil, desde o dia da declaração de óbito junta ao processo, a 15 de junho — socorrendo-se do Código do Processo Civil que obriga a suspender a instância. Para o BPP, porém, “a extinção da instância civil diz respeito apenas ao arguido”, como fundamentam através de uma decisão também do Tribunal da Relação em relação a um caso idêntico. Em relação ao arguido, mas não em relação a quem fique com os seus bens.
O que acontece aos processos do BPP com a morte de João Rendeiro?
O desembargador Rui Teixeira mandou então notificar Maria de Jesus Rendeiro para confirmar se ela é a única herdeira. Será também necessário perceber se a viúva do antigo banqueiro aceita a herança — passando assim a poder ser responsabilizada civilmente nos processos do marido — ou se a repudia. Maria de Jesus Rendeiro enfrenta também um processo crime de descaminho por causa do desaparecimento das obras de arte apreendidas a Rendeiro, quando ela era a fiel depositária das mesmas. Nesse processo são também arguidos Florêncio Almeida, presidente da ANTRAL, o filho, as respetivas mulheres e Rendeiro (cujo processo criminal se extinguiu com a sua morte).
Segundo a sua certidão de óbito, Rendeiro foi cremado no cemitério do Alto de São João. Já do seu registo de nascimento constam vários averbamentos: a 8 de novembro de 2011, quando casou com Maria de Jesus Rendeiro na Murtosa. A 23 de maio de 2014 quando inabilitado pelo período de oito anos para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial e civil, associação ou fundação privada de atividade económica pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, a 23 de setembro de 2015, quando esta sentença se tornou definitiva, e a 12 de maio, quando morreu.
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Neste processo em que o BPP quer saber quem assume a responsabilidade do antigo banqueiro, Rendeiro foi condenado a uma pena de cadeia de dez anos pelos crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento por, com os restantes arguidos, ter atribuído a si próprio prémios e outras remunerações, dinheiro do BPP que passava por paraísos fiscais e que não foi sequer declarado ao Estado. O caso está agora no Tribunal da Relação e seguirá para o Supremo.
O tribunal deu como provado que os arguidos João Rendeiro, assim como Fezas Vital, Paulo Guichard e Fernando Lima, apoderaram-se de um total de 31,280 milhões de euros para a sua esfera pessoal. Rendeiro retirou do banco para si 13,613 milhões de euros, Salvador Fezas Vital 7,770 milhões de euros, António Paulo Guichard 7,703 milhões de euros e Fernando Lima 2,193 milhões de euros. A Comissão Liquidatária do BPP pede que lhes sejam pagos 29 milhões de euros.
O Observador tentou, sem sucesso, falar com a advogada de Maria de Jesus Rendeiro, Inês Montalvo, para saber se ela será a única herdeira de Rendeiro e se assumirá ou repudiará a herança. Maria de Jesus Rendeiro ainda não respondeu ao Tribunal da Relação, mas está ainda a tempo. O prazo suspende com as férias judiciais.