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Baleados, esfaqueados e envenenados. Na região de Kherson, no sul da Ucrânia, vários colaboradores russos têm sido alvo de tentativas de assassinato, algumas bem-sucedidas. Vitaly Gur, vice-presidente da administração de Nova Kakhovka, é um dos nomes mais recentes na lista. O autarca foi atingido a tiro quando saía do seu prédio e, segundo os média russos, acabou por morrer a caminho do hospital.

São casos isolados que começaram a surgir espalhados pelas região de Kherson. As autoridades norte-americanas acreditam que estas tentativas podem ser um sinal de um movimento de resistência crescente contra as autoridades pró-russas nas regiões ocupadas.

Balas, explosões e veneno: as armas da resistência russa em Kherson

Nem só de cartazes vive a resistência ucraniana em Kherson. Em julho, com os relatos de uma contra-ofensiva da Ucrânia nas regiões controladas pelos russos, circulavam em Kherson imagens que aconselhavam os ocupantes a partir.

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Em Kherson circulam cartazes de resistência: “Invasores, saiam agora ou estes HIMARS vão ajudar-vos”

“Invasores, saiam agora ou estes HIMARS vão ajudar-vos”, podia ler-se, em russo, num dos mais recentes divulgados, uma alusão às armas enviadas pelos Estados Unidos.

Agora, surgem outros sinais da oposição à ocupação russa em Kherson, com assassinatos e envenenamentos. Os alvos? Líderes e membros das administrações locais, estabelecidas pela Rússia desde o início da ocupação com o objetivo de manter as funções governamentais essenciais em funcionamento. A Ucrânia tem rotulado estes oficiais como colaboradores russos e traidores, assinalando que devem ser punidos. A resistência ucraniana parece estar a chamar para si essa tarefa.

O assassinato de Vitaly Gur é um dos exemplos. Na semana passada, a Ukrinform noticiava a sua morte, citando um deputado do Conselho Regional. “Um dos Gauleiters [líder regional do partido nazi, nome que tem sido usado para se referir aos colaboradores] russos de Nova Kakhovka, Vitaly Gur, foi morto aos tiros (…). Ele morreu. Esse é o destino de todos os traidores”, escreveu Serhii Khlan no Facebook.

“Ele morreu, pelo que sei”, confirmou igualmente à agência russa RIA Novosti, Vladimir Leontiev, chefe da administração regional de Nova Kakhovka. “Ele esteve num hospital. Médicos militares tentaram salvá-lo”, referiu, acrescentando que os atacantes usaram armas pequenas. Relatos de investigadores indicam que foram encontradas balas de uma pistola Makarov semi-automática perto da casa de Vitaly Gur.

Este é o mais recente, mas não o único, de uma lista que conta já com vários nomes. O primeiro alvo foi, na verdade, Eugeniy Sobolev, líder pró-russo à frente dos serviços prisionais na região de Kherson. A 16 de junho uma bomba explodiu perto do carro de Sobolev, estilhaçando as janelas e danificando o veículo. Segundo a agência russa TASS, o plano saiu ao lado e, apesar de ter sido hospitalizado, Sobolev sobreviveu.

Mais tarde uma nova explosão que, desta vez, se atravessou no caminho de Yuri Turulev, chefe da administração militar-civil de Chernobaevka. Ficou ferido, sem gravidade e sobreviveu. A primeira tentativa bem-sucedida só viria a ser noticiada dias depois quando Dmitry Savluchenko, responsável pró-russo à frente do Departamento de Juventude e Desporto da região, foi alvejado e acabou por morrer, como referiu a Ria Novosti.

Nem sempre as informações seguem a mesma linha, com a Rússia e Ucrânia a apresentar versões diferentes da história. É o exemplo do caso em torno de Volodymyr Saldo, governador da administração regional de Kherson. Segundo a AFP, os movimentos de resistência tentaram assassiná-lo mais de uma vez e chegaram a oferecer uma recompensa de 25.000 dólares.

Afastado, doente, possivelmente envenenado: o mistério em torno do governador que o Kremlin escolheu para Kherson

EuromaidanPress refere que foi relatado que Saldo foi levado para o departamento toxicológico do Instituto Sklifasovsky, em Moscovo, e teve de ser posto num coma induzido. Mas se do lado russo dizem que sofreu um derrame ou que estava doente com Covid, os media ucranianos indicam que terá sido envenenado.

“O nosso objetivo é tonar as suas vidas insuportáveis”

Além dos ataques a colaboradores russos, a resistência ucraniana está a ajudar o exército ucraniano ao destruir pontes, comboios e a identificar alvos chave. É o caso do grupo de guerrilha Zhovta Strichka, ou “Yellow Ribbon” (fita amarela, na tradução em português). O movimento, que também atua em Kherson, foi buscar o seu nome a uma das cores da bandeira nacional e os seus membros usam fitas dessa tonalidade para marcar possíveis alvos de ataque.

“O nosso objetivo é tornar as suas vidas insuportáveis e usar todos os meios possíveis para frustrar os seus planos”, disse à AFP Andriy, de 32 anos, um dos coordenadores do movimento.

Enquanto as forças ucranianas aumentam os ataques na região, conquistando algumas áreas a oeste do rio Dnieper, a atividade de guerrilha também está a aumentar. “Estamos a dar aos militares ucranianos coordenadas precisas de vários alvos e a assistência dos guerrilheiros torna as novas armas de longo alcance, particularmente os HIMARS, ainda mais poderosas”, garantiu.

Somos invisíveis por trás das linhas russas e essa é a nossa força”, sublinhou.

Segundo Andriy, as guerrilhas coordenam as operações com as Forças de Operações Especiais dos militares ucranianos, que os ajudam a desenvolver táticas, informam sobre como melhor organizar a resistência, preparar emboscas e evitar serem presos. Pela região, também criam esconderijos com armas. No entanto, os desenvolvimentos destes movimentos têm levado Moscovo a enviar unidades para combater as suas atividades.

“As repressões estão a ser intensificadas. Estão a criar condições insuportáveis para os ucranianos, tornando cada vez mais difícil sobreviver sob ocupação russa”, explicou Oleksandr Kharchikov, um fotógrafo de casamentos que, com a guerra, se tornou ativista. Numa entrevista por telefone à AFP, Kharchikov disse que foi espancado e torturado depois de ser detido numa operação russa. Passou 155 dias sob ocupação russa, mas acabou por conseguir escapar.

A crescente resistência também quer frustrar os planos do Kremlin para realizar referendos para a anexar à Rússia as regiões ocupadas. Fitas amarelas têm aparecido pelas ruas de localidades ocupadas em Kherson como sinal de resistência. Segundo a AFP, as guerrilhas atam as fitas em locais onde as votações vão decorrer, avisando os residentes de que se podem ser alvos de bombas durante as mesmas.

“Os residentes de Kherson estão a agitar o boicote aos chamados ‘referendos’. Os ativistas corajosos continuam o trabalho nos territórios ocupados”, pode ler-se numa publicação do Yellow Ribbon no Telegram. O movimento apela a população a mobilizar-se contra o referendo e espalhar as fitas um pouco por todo o lado.

Estados Unidos antecipam aumento da resistência nas regiões ocupadas

Oficiais norte-americanos consideram que as recentes tentativas de assassinato de líder regionais pró-russos são indicadores de um movimento de resistência crescente contra as autoridades pró-Moscovo nas zonas ocupadas no sul da Ucrânia. “[O Kremlin] enfrenta o aumento da atividade de resistência no sul da Ucrânia”, disse em julho Avril Haines, diretora dos serviços secretos nacionais, durante uma conferência em Washington.

À CNN, várias fontes, referindo-se a casos como o de Eugeniy Sobolev e Dmitry Savluchenk, sugerem que, os incidentes isolados – neste momento concentrados na região de Kherson – se podem tornar num movimento maior. Essa mudança poderia representar um desafio significativo à capacidade russa de controlar os territórios recém conquistados na Ucrânia.

Segundo as autoridades norte-americanas, não parece haver um comando central a orientar a resistência. Apesar dos ataques a resistência não afetou, até agora, o controlo russo sobre Kherson, no entanto os resultados podem ser diferentes a longo prazo.

“Acho que a Rússia terá problemas grandes quando tentar estabelecer qualquer tipo de administração estável nessas regiões, porque os prováveis colaboradores – os mais proeminentes – serão assassinados e outros viverão com medo”, disse ao canal Michael Kofman, diretor dos estudos da Rússia no Centro de Análises Navais.

Uma outra fonte, que falou em anonimato, revela que os EUA não acreditam que a Rússia tenha forças suficientes em Kherson para ocupar e controlar efetivamente a região. Outra diz ainda que a contra-ofensiva ucraniana nessa zona está a sobrecarregar o exército russo.

Recentemente as forças ucranianas começaram a fazer alguns progressos na região. No final de julho, disseram ter atingido a ponte Antonivskiy, que atravessa o rio Dnipro e tem uma importância estratégica para a Rússia, já que é uma das principais rotas de abastecimento. Já está semana, o Comando Sul do exército disse no Facebook que tornaram “inoperável” uma ponte em Nova Kakhovka, num “ataque organizado e eficaz”. Um vídeo partilhado no Twitter pela agência NEXTA, mostra a destruição provocada pelo ataque.

A região de Kherson, reclamada pela Rússia no início de março, tem elevada importância estratégica. É essencial para o controlo russo da costa do Mar Negro da Ucrânia e também para controlar o acesso à península da Crimeia. Os movimentos de resistência não se limitam à região de Kherson, mas também vão surgindo em várias zonas ocupadas pelas forças russas na Ucrânia.