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A invasão russa da Ucrânia teve efeitos profundos na União Europeia, que, no espaço de seis meses, tomou ações inéditas na história do projeto europeu, com mudanças na política energética, de defesa, de alargamento e no acolhimento de refugiados.

Os sucessivos pacotes de sanções de uma envergadura sem precedentes impostos à Rússia, que abrangem, entre outros, os setores financeiro e energético, incluindo uma proibição de importação de petróleo, a concessão em tempo recorde do estatuto de país candidato à adesão à Ucrânia, o inédito financiamento de armamento para fornecer a um país terceiro, e a invulgar solidariedade dos 27 no acolhimento de milhões de refugiados são alguns exemplos de ações tomadas pela União Europeia (UE) praticamente inimagináveis no início do ano.

Seis meses volvidos, no entanto, há quem receie que a unidade do bloco comunitário, exemplar no início, se vá diluindo também fruto da “fadiga” da guerra e das repercussões, designadamente económicas, do conflito, que ameaça arrastar-se no tempo.

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Contudo, e tal como já comentaram vários líderes europeus ao longo dos últimos meses, a “guerra de Putin”, como é muitas vezes classificada em Bruxelas para responsabilizar o Presidente russo pela agressão militar à Ucrânia, teve o condão de fazer a UE avançar mais em diversas áreas no espaço de alguns meses do que em décadas, sendo provavelmente o setor da Defesa o mais ilustrativo.

A 28 de fevereiro, apenas quatro dias após o início da invasão russa, a UE adotou a inédita decisão de fornecer armas a um país terceiro, ao adotar um pacote de assistência de 450 milhões de euros para financiar a entrega de armas letais, mais 50 milhões em equipamento não letal, ao abrigo do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz.

Desde então, a UE adotou mais quatro pacotes idênticos, a 23 de março, 13 de abril, 23 de maio e 22 de julho, ascendendo assim a 2,5 mil milhões de euros os recursos já mobilizados ao abrigo do mecanismo, um instrumento extraorçamental criado para reforçar a capacidade da União em prevenir conflitos, consolidar a paz e reforçar a segurança internacional.

Em paralelo, a generalidade dos Estados-membros da UE comprometeram-se em investir mais em capacidades de Defesa face ao novo quadro de (in)segurança, tendo também sido aprovada nos últimos meses a criação de um novo instrumento para as aquisições conjuntas de armamento — financiado com 500 milhões de euros do orçamento da UE para o período entre 2022 e 2024 —, proposto pela Comissão a pedido do Conselho Europeu, com vista a “responder às necessidades mais urgentes e críticas de produtos de defesa”, identificadas no quadro da agressão militar da Rússia contra a Ucrânia.

A 25 de março, a UE adotou também a sua nova “Bússola estratégica”, o documento de orientação sobre política de segurança e defesa para a próxima década, que prevê um reforço significativo das capacidades europeias.

Num debate no início de março no Parlamento Europeu, uma semana após o início da invasão russa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, comentava que a política de Segurança e Defesa da UE tinha evoluído “mais nos últimos seis dias do que nas últimas duas décadas”, na sequência da resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Em resposta à agressão militar russa, a UE adotou também sucessivos pacotes de sanções — em articulação com outros parceiros internacionais, designadamente Estados Unidos e Reino Unido – de uma envergadura nunca vista, e com pesados efeitos na própria economia da UE, já inevitavelmente afetada pela avultada assistência financeira que se comprometeu a dar à Ucrânia, num montante que poderá alcançar os 9 mil milhões de euros.

A União Europeia, que já tinha em vigor medidas restritivas dirigidas à Rússia desde a anexação ilegal da península da Crimeia em 2014, começou por reforçá-las este ano ainda antes do início da invasão, aprovando um primeiro pacote a 22 de fevereiro, após Moscovo ter reconhecido as autoproclamadas repúblicas independentistas de Lugansk e de Donetsk, no Donbass (leste da Ucrânia), e de ter ordenado a mobilização do exército russo para “manutenção da paz” nestes territórios separatistas pró-russos.

O segundo pacote foi aprovado apenas três dias depois, a 25 de fevereiro, já como reação ao lançamento da ofensiva militar russa, com os líderes da UE a realizarem uma cimeira extraordinária em Bruxelas na qual acordaram novas medidas restritivas, abrangendo o setor financeiro, com a inclusão de quatro novos bancos russos na lista de entidades bancárias russas sujeitas a interdição de quaisquer relações de natureza económica ou financeira no espaço do bloco europeu.

Desde então foram adotados mais quatro grandes pacotes de sanções, com o sexto a incluir uma proibição de importação de petróleo, com algumas exceções — até agora a sanção mais relevante no setor energético, e que mais contribui para a imperiosa mudança de política energética já em curso na UE, com vista a pôr fim à sua dependência da Rússia, isto depois de inicialmente já ter sido visado o carvão.

O plano entretanto proposto pela Comissão com uma meta de redução voluntária de 15% do consumo de gás até à primavera, pelo receio de rutura no fornecimento russo, foi acordado no final de julho após intensas negociações com os Estados-membros, e apenas após incluídas diversas derrogações e exceções, deixando antever a crescente dificuldade que haverá em chegar a compromissos suplementares, à medida que a guerra continua a ameaçar a segurança energética dos países do bloco europeu e a fazer aumentar a inflação.

Outra grande mudança que o conflito a leste provocou na UE foi a nível de solidariedade no acolhimento de refugiados.

Ao contrário do que sucedeu, por exemplo, por ocasião da crise migratória provocada pelos conflitos na Líbia e na Síria, desde o primeiro momento a UE mostrou desta vez uma solidariedade exemplar, tendo recebido mais de 7,5 milhões de ucranianos que entraram em território comunitário para fugir à guerra.

A 4 de março, a UE ativou, pela primeira vez na sua história, a diretiva de Proteção Temporária, estatuto ao qual recorreram 4 milhões de ucranianos, e cerca de 500 mil crianças encontram-se atualmente integradas nos sistemas de educação nacionais, incluindo de Portugal.

Absolutamente emblemática do quanto a guerra na Ucrânia fez mudar na União Europeia foi a decisão dos líderes dos 27, a 23 de junho passado, de conceder o estatuto de país candidato à adesão à Ucrânia, assim como à Moldova, outro país com aspirações europeias que se sente particularmente ameaçado por Vladimir Putin, apenas cerca de quatro meses após os dois países terem apresentado os seus pedidos.

Com a maior parte dos analistas a prever que o conflito na Ucrânia pode durar anos, a unidade da UE será posta à prova ao longo dos próximos meses, com particular atenção à resiliência da resposta comum europeia durante as próximas estações de outono e inverno, no quadro de uma guerra que Moscovo também joga no campo energético, designadamente tirando partido da forte dependência relativamente ao gás, ainda de fora das sanções europeias, mas que Putin poderá utilizar como arma.