A confusão começou a agitar as redes sociais no sábado, segundo dia da Festa do Avante! Foi nessa manhã que a conta de Twitter do arquivo e biblioteca de José Pacheco Pereira, o Ephemera, publicou uma imagem em que mostrava um objeto — parecia um íman ou um pin — com a letra “Z”, símbolo das tropas russas. Abrindo o site do arquivo, uma legenda explicava onde é que o “magneto” tinha sido encontrado e recolhido: no recinto da Quinta da Atalaia, muito provavelmente numa das bancas do Espaço Internacional.

Muitos ataques nas redes sociais depois, o PCP desmente agora que tenha qualquer ligação ou responsabilidade na venda ou oferta do objeto, que simboliza o apoio às tropas russas. Ao Observador, fonte oficial do partido confirma que o símbolo “Z” circulou, de facto, na festa, mas oferece uma explicação: “Esse material foi deixado por um visitante da festa para outra pessoa num stand“.

Ou seja, segundo o partido, o material não estaria disponível para venda nem faria parte da oferta de nenhuma das organizações — no Espaço Internacional, este ano estiveram presentes 35 partidos e delegações estrangeiras com bancas próprias para vender comida, artesanato e outros objetos. “Isso não corresponde a nenhuma iniciativa da organização da festa nem de nenhuma das organizações que participam”, garante o PCP.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E, apesar de não esclarecer quando é que soube que o objeto andava a circular e se mandou retirá-lo, a mesma fonte rejeita que o partido tenha alguma ligação ou aprove a venda do material: “Como é fácil de comprovar, isso não corresponde ao ambiente que se viveu na festa“.

“É uma posição clara, para quem a quer entender”. Como o PCP explicou o que pensa sobre o “problema” na Ucrânia

A versão do PCP não é completamente coincidente com a que foi transmitida pelo arquivo (um dos maiores arquivos privados portugueses), depois de o próprio José Pacheco Pereira ter andado pela festa e recolhido material no Espaço Internacional.

No Twitter, a conta do arquivo veio, já no domingo, reagir à “absurda polémica cheia de insinuações e insultos” deixando mais esclarecimentos sobre a origem do objeto, um “magneto com o Z das tropas russas que invadiram a Ucrânia, com origem num grupo marxista-leninista brasileiro apoiante da candidatura de Lula”.

Segundo o relato feito pela mesma fonte, os materiais recolhidos na Festa “estavam em grande quantidade num stand da Cidade Internacional” e foram “livremente recolhidos pelo Arquivo Ephemera e por outros visitantes do local”. Não especificava qual a banca que teria, se não vendido (de acordo com a versão do PCP), pelo menos exposto o objeto, mas estava feita a referência ao “grupo marxista-leninista brasileiro” e dadas as coordenadas sobre o momento e local em que o magneto foi adquirido: “Festa do Avante, Cidade Internacional, por volta das 19.30 horas de sexta-feira”.

O Observador esteve, no domingo à noite, em ambas as bancas de delegações brasileiras — a do Partido Comunista do Brasil e a do Partido dos Trabalhadores, de Lula da Silva. E comprovou que, nessa altura, já não estavam disponíveis ímans com essa imagem; apenas outros com formatos semelhantes, mas sem o “Z” pintado.

O arquivo esclareceu ainda que “nunca” atribuiu ao PCP “a autoria” dos autocolantes, garantindo, de resto, que os responsáveis da Festa saberão “muito bem o que se passou” — o que é comprovável pelas respostas dadas ao Observador –, embora admitindo que poderão só ter sabido da existência do objeto”a posteriori” — isto é, depois de a polémica ter rebentado nas redes.

“Como não temos o hábito de censurar nada e a defesa da invasão russa é comum em muitos partidos comunistas com diferentes graus de explicitude, não escondemos nada por muito incómodo que isso possa ser”, remata a série de tweets do Ephemera, de Pacheco Pereira.

Das férias na Crimeia para as dúvidas sobre a guerra. O debate entre mãe e filha no “Avante!”

No site do arquivo, esclarece-se que, como é hábito, houve uma recolha de materiais para o arquivo, que se dedica em boa parte a colecionar materiais de História política, na Festa, e que o grosso deles teve origem no Espaço Internacional, “visto que a maioria dos pavilhões das organizações regionais do PCP, para além da restauração e do artesanato local, não trazem documentos políticos, boletins, panfletos para a Festa”.

No site foram publicados, além da imagem do “Z” russo, outros materiais recolhidos na Festa, de posters de diversos partidos comunistas estrangeiros a pins com as caras de Álvaro Cunhal e Lula da Silva.

A origem do “Z” não é certa, embora tenha havido vários especialistas militares e políticos a tentar explicá-la no início da guerra, quando o símbolo começou a aparecer desenhado nos tanques da Rússia. Se para uns era apenas uma forma de os soldados distinguirem quais eram as tropas inimigas, cedo surgiram explicações relacionadas com mensagens que começam por “Z”, à cabeça “Za Pobedu”, expressão que significa “pela vitória” e foi publicada no Instagram e Ministério da Defesa da Rússia.

De resto, o símbolo foi-se disseminando e foi assumido como indicativo do apoio à invasão da Ucrânia, sendo certo que as entidades oficiais russas continuaram a publicar mensagens que começam por aquele “Z”, como “Za Mir” (“Pela Paz”), “Za Pravdu” (“Pela Verdade”) e “Za Rossiyu” (“Pela Rússia”), e destacando a mesma letra nas palavras “desmilitariZação” e “desnaZificação” — dois dos principais argumentos que Vladimir Putin usa para justificar a invasão da Ucrânia.