Portugal “pode fazer a diferença” e ajudar a Frente Polisário na resolução do conflito no Saara Ocidental, defendeu esta quarta-feira o novo representante do movimento de libertação sarauí em Lisboa, em entrevista à agência Lusa.
Omar Mih, na capital portuguesa desde maio deste ano, considerou que a questão do Saara Ocidental, anexado por Marrocos em 1975, é “um problema de descolonização”, à semelhança de Timor-Leste.
São dois problemas de descolonização. Os dois foram invadidos por países vizinhos: Timor pela Indonésia e o Saara Ocidental por Marrocos. E no mesmo ano. E as Nações Unidas defenderam, quer para um quer para outro caso, um referendo de autodeterminação. A situação é exatamente igual”, sustentou Mih, lembrando o papel importante desempenhado então pela diplomacia portuguesa no caso timorense.
“Portugal tem algo muito importante na Constituição: a defesa do direito de autodeterminação dos povos. Portugal também, e isso para nós é uma fonte de orgulho, acompanhou outro conflito similar (Timor-Leste). Levou o processo até ao referendo e à autodeterminação e saiu de cabeça bem erguida”, acrescentou, rejeitando a ideia de que a questão sarauí nada tem a ver com a timorense.
Mih, 66 anos, natural de Smara, capital da província homónima do interior norte do Saara Ocidental, onde nasceu a 01 de fevereiro de 1956, defendeu que o impasse nas negociações entre Marrocos e a Frente Polisário se deve à intransigência de Rabat em assumir a realização do referendo de autodeterminação, tal como ficou definido numa resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas em 1991.
Rabat, que controla quase 80 por cento de um território quase deserto de 266.000 quilómetros quadrados, propõe um plano de autonomia sob a sua soberania. A Polisário, por seu lado, exige o referendo e defende ser altura de o Conselho de Segurança da ONU fazer pressão sobre Marrocos para que este aceite a votação.
Mih, que já foi representante da Polisário em França, Suécia, Itália, Grécia, entre outras funções, realçou que Portugal convidou o enviado especial da ONU para o Saara Ocidental, o diplomata ítalo-sueco Staffan de Mistura (nomeado em 2021), para uma visita de trabalho a Lisboa, ainda sem data marcada, oportunidade que pode aproveitar para “fazer a diferença”.
Portugal convidou Staffan de Mistura a visitar Lisboa e isso é muito importante. Portugal pode fazer a diferença e pode ensinar e indicar a Mistura a forma como resolveu o conflito de Timor (Leste) transpondo as coisas para a atualidade, mas pensando no futuro. Queremos o apoio de Portugal pois, quando o conflito ficar resolvido, há muitos aspetos para resolver no país, desde a energia à agricultura, aos fertilizantes, a pesca. Queremos Portugal nesse processo”, argumentou.
“Apesar de se dizer que uma andorinha não faz a primavera, Portugal pode ajudar o Saara Ocidental, que tem maior proximidade e de quem é vizinho, pode ajudar nesta solução (de referendo à autodeterminação). Portugal é um país importante para os sarauís. Foram os portugueses os primeiros a encontrar os sarauís. O cabo Bojador. A geografia e a história une-nos”, acrescentou.
Nesse sentido, Mih salientou ser desejo da Polisário que Portugal possa “acelerar o processo” do referendo de autodeterminação, pois o movimento de libertação partilha os valores da liberdade e dos direitos humanos.
Mistura tem estado na última semana numa digressão pelos países envolvidos no processo — visitou Marrocos, Mauritânia, Argélia e Tindouf (centro/leste argelino e “sede” da Polisário), tendo nas mãos um convite para visitar Portugal, cuja data está ainda por fixar, tal como disse à Lusa fonte do gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros português.
Segundo a fonte, Portugal pauta-se pela “defesa intransigente” dos esforços no quadro das Nações Unidas e cujo processo político, acompanhado por Mistura, é “valorizado.
A fonte realçou que o convite já endereçado a Mistura para uma visita de trabalho a Portugal “reflete o apoio” de Lisboa a um processo em que tem, desde sempre, advogado a necessidade de se alcançar uma solução política “justa, duradoura e aceitável para as partes”, em linha com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.