Bombeiros, polícias, profissionais de construção e outras pessoas que tenham prestado auxílio junto ao World Trade Center durante e depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 têm duas a três vezes mais risco de desenvolverem um sinal percursor de mieloma múltiplo do que a população em geral — logo de desenvolverem este tipo de cancro do sangue.

As conclusões foram apresentadas na revista científica Blood Cancer Journal, do grupo Nature, na semana passada, e confirmam as conclusões alcançadas pela mesma equipa, em 2018, quando estudaram apenas o impacto nos bombeiros (os resultados, neste caso, foram publicados na revista científica JAMA Oncology).

O que é o mieloma múltiplo?

O mieloma múltiplo é um tipo de cancro do sangue que afeta os plasmócitos, a fase final da diferenciação dos linfócitos B, responsáveis pela produção de anticorpos (imunoglobulinas). Nas pessoas com esta doença, há uma produção exagerada de um único tipo de plasmócito (com um único tipo de anticorpo), o que interfere com a resposta imunitária e a produção de outras células sanguíneas e outros anticorpos. Além disso, estas células anormais podem originar um tumor.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A doença é considerada pouco frequente, mas, ainda assim, é o segundo tipo de cancro mais frequente entre as populações ocidentais, como nos Estados Unidos e Europa. As causas da doença são, na maior parte dos casos, desconhecidas, mas tem sido associada à exposição a elementos carcinogénicos — e foi isso que a equipa de Ola Landgren, investigador no Sylvester Comprehensive Cancer Center da Universidade de Miami (Estados Unidos), quis verificar.

O que é a doença precursora do mieloma múltiplo?

Antes de aparecer o tumor (o mieloma múltiplo), ou mesmo que este não se chegue a desenvolver, é possível identificar nas análises sanguíneas ou de urina uma proteína monoclonal (clones de uma única proteína). Esta condição é chamada de gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS).

Nem todas as pessoas que apresentam esta proteína nas análises chegam a desenvolver o mieloma múltiplo, mas, em todos os que têm esta doença, a proteína está presente. Assim, a deteção precoce em grupos de risco, pode ajudar a aumentar o sucesso dos tratamentos e a esperança de vida dos doentes.

Se se examinar pessoas com mais de 40 anos, verificasse que cerca de 2% das pessoas têm esta proteína [monoclonal]. Quem tiver esta proteína no sangue, está em risco de desenvolver o cancro”, explicou Ola Landgren à Newswise.

Os fatores de risco para esta doença precursora (doença que leva a outra doença) ainda não estão definidos, mas são conhecidos alguns grupos onde há maior prevalência da MGUS: indivíduos do sexo masculino, maiores de 60 anos, ascendência negra e exposição à radiação, pesticidas ou outros carcinogénicos.

O que se concluiu do estudo com os bombeiros?

A equipa de Ola Landgren analisou a presença da proteína precursora (MGUS) nos bombeiros da cidade de Nova Iorque (FDNY) que responderam aos ataques de 11 de Setembro, entre dezembro de 2013 e outubro de 2015, e comparou os 16 doentes com mieloma múltiplo da corporação com as análises dos 781 bombeiros masculinos brancos com mais de 50 anos.

Aquilo que verificaram foi que a prevalência de doença precursora nos bombeiros que tinham estado na resposta aos ataques ao World Trade Center era 1,8 vezes superior à da população de referência (composta também por homens brancos, mas do Minnesota). Um aumento do risco de MGUS significa também um aumento do risco de desenvolver mieloma múltiplo.

Juntamente com os nossos colegas do programa de saúde do World Trade Center do FDNY descobrimos que os bombeiros que trabalharam no [local] durante e após o 11 de Setembro desenvolveram mieloma múltiplo cerca de 10 anos antes do que acontece na população em geral e a doença tinha tendência a ser mais agressiva”, disse o coordenador do trabalho.

O que acrescentou o novo estudo?

Apesar dos resultados obtidos com a corporação de bombeiros, os investigadores não conseguiram descartar outros potenciais fatores de risco a que os bombeiros estivessem expostos e que, portanto, os fizessem poder vir a sofrer da doença com mais frequência do que a população em geral. Mas com o trabalho agora conhecido, mostraram que os polícias e profissionais de construção que tinham estado no World Trade Center durante e depois do 11 de Setembro também tinham o mesmo risco aumentado de desenvolver mieloma múltiplo.

Nem todos os doentes com MGUS vão desenvolver mieloma múltiplo, mas é importante que se continue a seguir esta população para perceber qual o risco futuro de desenvolver [a doença]”, disse Rachel Zeig-Owens, primeira autora do artigo e diretora de epidemiologia para o Programa de Saúde do WTC no FDNY, citada pelo Newswise.

O que pode mudar com estas conclusões?

Quando se encontra uma causa para uma doença — neste caso, materiais queimados e nuvens de poeiras (ambos potencialmente carregados de carcinogénicos) — é preciso encontrar formas de proteger as pessoas que têm de trabalhar nesses ambientes, nomeadamente as equipas de resgate e reconstrução.

Por outro lado, sabendo que as pessoas estiveram expostas a estes fatores de risco, é possível vigiar o estado de saúde dos doentes, especialmente considerando que a MGUS não apresenta sintomas e só se deteta nas análises de sangue ou urina. Uma das formas será começando a vigilância dos grupos de risco mais cedo do que da população em geral.

O acesso a rastreio de MGUS para toda a coorte exposta no WTC permitiria intervenções de tratamento que melhorassem a sobrevivência [dos doentes]”, escrevem os autores no artigo da Blood Cancer Journal.

Adicionalmente, caso se descubram os mecanismos pelos quais se desenvolve a doença precursora ou o mieloma múltiplo, abre-se caminho à investigação de potenciais tratamentos.

Quais as limitações deste estudo?

Os investigadores verificaram que o risco deste segundo grupo estudado era ainda maior do que o dos bombeiros do primeiro estudo, mas não conseguiram explicar porquê. Os indivíduos deste segundo grupo podem ter estado durante mais tempo expostos aos poluentes — visto que os trabalhos de limpeza só terminaram no verão de 2002, podiam já ter sido expostos a poluentes equivalentes no passado ou pelo simples facto de o segundo estudo ter sido conduzido cerca de seis anos depois (dando mais tempo para a doença se desenvolver).

Sobre o risco acrescido em relação a uma população de referência, os investigadores acautelam que a população do Minnesota vive num contexto muito mais rural do que os da cidade de Nova Iorque, o que pode influenciar os resultados — apesar dos trabalhadores rurais também estarem expostos a carcinogénicos, como alguns pesticidas usados na agricultura.

Para finalizar, embora as conclusões possam ser transversais a diferentes grupos profissionais que trabalhem nas mesmas condições, estas conclusões só podem ser associadas a homens brancos. Não se sabe o impacto que teve ou teria nas mulheres ou em outros grupos étnicos, como negros, hispânicos ou asiáticos, por exemplo.