Os adultos são mais ríspidos com as crianças que dizem as verdades cruas e duras do que com as que dizem pequenas mentiras para serem educadas, concluem os investigadores no artigo científico publicado na revista Journal of Moral Education.

Se não lhe parece que isso seja possível, tente lembrar-se de como reage quando uma criança diz declaradamente “Não quero este presente. Não gosto dele”, em frente da pessoa que o ofereceu. Seria mais brando se a criança escondesse o desagrado e fingisse gostar só para ser bem educada?

Os adultos que participaram no trabalho de duas investigadoras norte-americanas acabaram por admitir que recompensam mais os que dizem meias verdade para serem educados do que os que são absolutamente diretos ou os que mentem para proteger alguém. A atitude dos adultos durante a infância vai condicionar os comportamentos sociais que as crianças terão no futuro.

O estudo ilustra o grau de inconsistência dos adultos nas forma como avaliam e reagem perante crianças de diferentes idades que mentem ou dizem a verdade”, concluíram as duas investigadoras.

Para este trabalho, as investigadoras contaram com a participação de 267 adultos — dos quais 142 eram pais — e 171 alunos de uma escola pública a quem mostraram vídeos de crianças a mentir ou a dizer a verdade, de forma direta ou declarada ou de forma suave, e se para proteger alguém ou ser educado. Depois, pediram aos participantes para avaliarem os comportamentos como se fossem pais das crianças nos vídeos.

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A reação dos adultos determina a socialização das crianças

Os adultos mentem constantemente. Umas vezes para benefício próprio ou prejuízo dos outros, mas outras vezes como forma de facilitar as interações pessoais ou para se proteger a si ou aos outros — mentiras piedosas e socialmente aceites.

Antes de chegarem a esta fase, as crianças têm de enfrentar a dualidade de critérios impostos pelos adultos. Apesar de desenvolverem a capacidade de mentir desde tenra idade, os mais pequenos são constantemente repreendidos por mentirem e incitados a dizerem a verdade. Mas quando são brutalmente honestos também são repreendidos por não terem tido uma atitude “socialmente aceitável”.

Dado o impacto generalizado que as influências na socialização têm sobre o comportamento das crianças, assim como as mensagens confusas que as crianças recebem sobre dizer mentiras, não é de admirar que comecem a contar pequenas mentiras desde tenra idade”, concluíram as duas investigadoras.

Este quadro é pintado com várias tonalidades: a atitude dos adultos muda consoante a idade das crianças, se é dita uma verdade dura, uma mentira flagrante ou algo intermédio, e mediante o contexto em que foi dita — quem está a mentir a quem, com que benefício e porquê. E as crianças têm de aprender a interpretar e agir de acordo com estas normas variáveis.

Esta investigação mostra que existe uma relação complicada com a verdade, que as crianças têm de navegar para aprender o que é socialmente aceitável”, disse Laure Brimbal, investigadora na Escola de Justiça Criminal e Criminologia na Universidade do Estado do Texas.

A atitude dos adultos (e de outras crianças) perante o comportamento dos mais pequenos, quer incentivando mentiras piedosas ou reprimindo a honestidade, vai condicionar o desenvolvimento social das crianças e a forma como vão usar (ou não) a mentira no futuro. É por isso que as investigadoras planeiam prosseguir a investigação avaliando situações mais realistas e ao vivo.

A investigação futura deve examinar a influência bidireccional dos pais, de outros adultos e de crianças em situações ao vivo em que as crianças fazem declarações subtis e contundentes, honestas ou não”, escreveram Brimbal e Crossman, investigadora na Faculdade de Justiça Criminal da Universidade da Cidade de Nova Iorque.

Ainda se lembra daquele colega na escola que mentia descaradamente sem os professores perceberem e acabava por ser sempre o “menino bonito”? Os comportamentos de reprimenda e recompensa dos adultos nas situações podem ter influenciado a forma como hoje em dia usa ou rejeita meias verdades.