Os neandertais e os humanos modernos terão ocupado as mesmas áreas de França e nordeste de Espanha durante 1.400 a 2.900 anos, antes do total desaparecimento dos neandertais. As conclusões são um estudo conduzido nas universidade de Cambridge (Reino Unido) e de Leiden (Países Baixos), agora publicado na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature.
Os humanos modernos (Homo sapiens) terão chegado à Europa há cerca de 45 mil anos — ou talvez ainda antes disso, há cerca de 54 mil anos —, mas a ocupação não terá sido uniforme (não chegou a todas as regiões ao mesmo tempo) e pode nem sequer ter sido bem sucedida inicialmente (como se explica mais em baixo).
Em França, por exemplo, os vestígios de humanos até há cerca de 42 mil anos são só de neandertais (Homo neanderthalensis), que ocuparam a região entre 44.000 e 40.000 anos antes de sequer termos inventado o calendário. A segunda vaga de migração dos humanos modernos, quando se estabeleceram a oeste do continente, terá acontecido por essa altura (há cerca de 42.000 anos).
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Para chegarem a estas conclusões, os investigadores compararam a presença de ferramentas tipicamente usadas pelos neandertais, com outras atribuídas aos humanos modernos. Sabendo que nunca iriam encontrar o primeiro e o útil objeto em uso, os investigadores adaptaram um modelo e estimaram durante quanto tempo determinado objeto, ferramenta ou técnica poderá ter estado em uso — o que dá os 1.400 a 2.900 anos de possível ocupação conjunta pelas duas espécies.
“A conclusão geral é muito interessante e terá de ser avaliada em pormenor a fim de estabelecer definitivamente a transição neandertais/sapiens em França e na Península Ibérica”, disse Marco de la Rasilla Vives, investigador em pré-historia na Universidade de Oviedo, à SMC España. No entanto, o investigador critica o facto de não se ter usado a Península Ibérica “para se ter uma visão completa do fenómeno” — o estudo só inclui a região de Andorra até à bacio do rio Ebro.
Um outro estudo, publicado em setembro deste ano na revista científica Nature Ecology & Evolution, mostra como o declínio das populações de neandertais coincidiu com a diminuição da quantidade de plantas para os mamíferos, em particular os de médio e grande porte que compunham a dieta dos neandertais. Mas não aconteceu da mesma forma em todas as regiões: onde as populações de grandes herbívoros se mantiveram, há registo da presença de neandertais até mais tarde.
Outro aspeto interessante é que esta mesma escassez de alimentos pode ter feito com que as primeiras incursões de humanos modernos na Europa ocidental não fosse tão bem sucedida.
Assim, a hipótese de que terá sido a competição entre neandertais e humanos modernos pelos mesmos recursos a determinar o desaparecimento dos neandertais, a ser verdade, não é aplicável em todos os locais onde as espécies estiveram presentes ao mesmo tempo. Continua assim em aberto o que terá levado ao desaparecimento dos neandertais.
As conclusões de ambos os artigos reforçam a necessidade de se olhar para a coexistência das duas espécies a um nível mais regional e não para o continente como um todo.