O PS entregou uma proposta de alteração ao Código do Trabalho que prevê faltas justificadas até três dias consecutivos, sem perda salarial, para os pais e as mães que passam por uma perda gestacional. A proposta complementa uma licença que já existe na lei mas que não chega aos casos em que os médicos consideram não ter existido impacto físico na mãe. Ainda assim, não vai tão longe quanto o PAN queria: 20 dias de luto, tal como acontece na perda de um filho já nascido.

Atualmente, a lei já prevê uma “licença por interrupção de gravidez”, com duração entre 14 e 30 dias, só que é apenas atribuída à mãe e desde que exista um “atestado médico com indicação do período da licença”. Segundo explica Fernando José, deputado do PS, ao Observador, estavam excluídas mães cujo fim da gravidez não teve um impacto físico que, para o médico, justificasse passar um atestado médico, apesar do impacto emocional.

“O que se pretende é acautelar estas situações em que a trabalhadora estava desprotegida e não tinha uma declaração médica, mas tinha um impacto emocional que existe sempre. Passa a ter direito aos três dias”, indica o deputado.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a perda gestacional.

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Como se recupera da perda de um filho?

Pela primeira vez, também o pai passa a poder faltar três dias ao trabalho. Mas só o pode fazer se a mãe também fizer uso desse direito (ou use a licença por interrupção da gravidez). “O pai tem direito a faltar ao trabalho até três dias consecutivos, quando se verifique o gozo da licença prevista no artigo anterior [por interrupção da gravidez] ou a falta prevista no número anterior [dos três dias de luto gestacional para a mãe]”, lê-se na proposta.

Para terem direito aos três dias, tanto a mãe como o pai têm de apresentar uma declaração médica que ateste o sucedido. “(…) a trabalhadora e o trabalhador informam os respetivos empregadores, apresentando, logo que possível, prova do facto invocado, que é feita através de declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde, ou ainda atestado médico”, determina.

Questionado pelo Observador, Pedro da Quitéria Faria, especialista em direito do trabalho da Antas da Cunha ECIJA, defende que o espírito da medida deveria ter sido outro e garantir ao pai o acesso aos três dias independentemente da mãe. “Podemos atender ao cenário em que o pai ficará mais devastado do que a mãe, sem qualquer tipo de discriminação de género a este nível, e a mãe não pretende gozar nem a licença, nem os dias de luto. Fará sentido que o pai fique condicionado à vontade da mãe?”, questiona.

Ana Gradiz Correia e Inês Garcia Beato, advogadas de direito laboral da Gómez-Acebo & Pombo, fazem uma avaliação positiva da proposta de alteração, “não só por conferir dignidade legal ao luto gestacional no âmbito do regime de faltas justificadas, a par do que já sucedia com o luto pela perda de outros familiares, mas também por tornar extensível ao pai o direito de faltar justificadamente ao trabalho”.

O PS pretende alterar ainda um artigo da lei que determina que não há perda salarial nos casos de luto gestacional.

As propostas socialistas foram incluídas num conjunto de outras propostas de alteração ao Código do Trabalho, no âmbito da agenda do trabalho digno, que deverão começar a ser votadas na especialidade só depois da votação final do Orçamento do Estado, que acontece no final de novembro.

PS disponível a dialogar, mas vê proposta do PAN “muito distante”

É também nesse âmbito da especialidade que será discutida uma proposta do PAN, que baixou à comissão com a abstenção do PS e que prevê que os mesmos 20 dias que já existem para o luto parental (pela morte de um filho nascido) se apliquem também ao luto gestacional. Mas tendo o PS uma proposta própria, e maioria absoluta, a intenção do PAN não deverá avançar.

“O luto por essas perdas vem acompanhado da falta de espaço e tempo social para expressar a dor, sendo sentido como um “luto não reconhecido”, apesar da sua enorme complexidade. Apesar de nem sempre ser devidamente reconhecido pela sociedade, é fundamental o reconhecimento e a validação social dessa perda, que não termina na urgência do hospital, mas se vai refletir na vida e futuro do casal e da família”, sustenta o PAN, na sua proposta.

Fernando José diz que há disponibilidade para “encontrar os necessários consensos”, mas adianta que a proposta do PAN, de 20 dias consecutivos, está a uma “grande distância”. “Na especialidade teremos oportunidade de, numa discussão séria e aprofundada, tentar encontrar os necessários consensos”, refere.