Um homem de 31 anos, primo de uma das fundadoras do movimento Black Lives Matter, morreu depois de ter sido atingido repetidamente com um taser (uma arma de eletrochoques) pela polícia de Los Angeles, que o acusou de tentar resistir a uma detenção. As imagens do momento mostram Keenan Anderson, que era afro-americano, a fugir e depois, já imobilizado, a pedir à polícia que parasse, comparando a situação com a detenção e morte de George Floyd.

Segundo a polícia de Los Angeles, que divulgou os vídeos da detenção (compostos pelas gravações de várias body cams dos agentes que estiveram no local) e anunciou a abertura de uma investigação sobre o uso da força que foi aplicado neste caso, o homem esteve envolvido num acidente de trânsito na cidade, no dia 3 de janeiro, e tentou fugir do local.

De acordo com o relato da polícia, que escreveu um texto em que detalha as circunstâncias da morte de Anderson, quando os agentes chegaram a local viram-no “a correr no meio da rua, com um comportamento errático”, e foram informados por “vários cidadãos” ali presentes de que teria provocado o acidente. “Anderson começou por seguir as ordens do agente e sentou-se (…) durante vários minutos, enquanto o agente conversava com ele”, lê-se no texto da polícia.

Em conferência de imprensa, o chefe do corpo policial, Michael Moore, acrescentou que Anderson teria provocado o acidente e tentado fugir, “tentando entrar no carro de outra pessoa sem a sua autorização”.

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As imagens ajudam a contar o resto da história: os vídeos captados pelas body cams que os agentes usavam naquele momento mostram que tudo começou quando uma mulher presente no local do acidente informou um dos polícias de que Anderson estaria a tentar fugir, tendo o homem, nessa altura, parado para falar com um dos agentes. Nesse momento, Anderson senta-se e diz algumas frases que o polícia tenta, sem sucesso, perceber, alegando que alguém o está a “tentar matar”.

Depois, o vídeo é cortado e no ecrã lê-se a garantia, já escrita pela polícia, de que nesse intervalo de tempo — aproximadamente sete minutos — Anderson tentou “fugir”. Corta para uma imagem de Anderson a afastar-se, dizendo que precisa de beber água e que quer estar num sítio com visibilidade, de mãos no ar, enquanto o polícia lhe pede que continue parado, começando depois a correr na rua e sendo perseguido por um agente, que acaba por conseguir pará-lo e ordenar que se deite de barriga para baixo.

É então que mais dois agentes chegam e começam a obrigar Anderson a cumprir a ordem, imobilizando-o no chão e dizendo-lhe para “relaxar” enquanto se ouve o homem a pedir ajuda e a gritar que estão a tentar matá-lo: “Por favor não façam isto”. A certa altura, e perante as ameaças dos polícias de usarem tasers, compara mesmo a situação à de George Floyd, o homem afro-americano que também morreu depois de ter sido detido por um polícia que pressionou o seu joelho contra o pescoço de Floyd, impedindo-o de respirar, durante nove minutos.

Um dos polícias que assistiu à morte de George Floyd declarou-se culpado

No caso de Anderson, a polícia atinge-o várias vezes com um taser enquanto o homem ainda diz não estar a “resistir”, acabando por ser algemado.

Segundo o comunicado da polícia, Anderson terá recebido ajuda médica no local, antes de ter sido transportado para um hospital próximo. “No hospital, entrou em paragem cardíaca e foi declarado morto”, pode ler-se no mesmo texto. Terá morrido cerca de quatro horas e meia depois de atingido pelo taser.

A polícia acrescenta ainda que análises preliminares ao sangue de Anderson revelam que teria cocaína e canábis no sangue, no momento em que foi confrontado pela polícia — sendo que ativistas ligados ao movimento Black Lives Matter já vieram questionar a decisão de divulgar esta informação. E garante que a divulgação dos vídeos é uma resposta “transparente” aos pedidos feitos pela família e ao público em geral, enquanto investiga o uso da força neste caso.

A família já reagiu, culpando os agentes envolvidos e garantindo que Anderson foi “morto pela polícia de Los Angeles”. A co-fundadora do movimento Black Lives Matter Patrice Cullors recorreu ao Instagram para mostrar a sua indignação, prometendo “lutar” por Keenan e “por todos os nossos queridos que sofrem o impacto da violência estatal”.

“Keenan merecia estar vivo, o filho dele merecia ser criado pelo pai”, acrescentou.

Ao The Guardian, Cullors disse ainda que o primo estava visivelmente “a temer pela vida”, tendo passado os últimos dez anos “a ser testemunha de um movimento que desafia as mortes de pessoas negras”. “Ele sabia o que estava em jogo e tentou proteger-se. Ninguém esteve disposto a protegê-lo”.

Melina Abdullah, cofundadora do Black Lives Matter Los Angeles citada pela CNN, reagiu acusando a polícia de usar a força de forma desproporcional: “Sabemos que um pequeno acidente de trânsito não deveria resultar na morte de ninguém, muito menos na morte deste homem negro, que estava claramente desarmado e não estava a fazer nada de errado”.

Mashea Ashton, a diretora da escola de Washington onde Anderson dava aula de inglês, também se manifestou em comunicado, explicando que Anderson estaria a visitar a família em Los Angeles para passar lá as férias de Natal. “Os detalhes da morte dele são tão perturbadores quanto trágicos”, escreveu, recordando um “educador profundamente empenhado e um pai de um filho de seis anos”, “amado por todos”.

No mesmo texto, citado pela CNN, a diretora fala por uma comunidade que está “de luto”, mas também “zangada”. “Zangada por, mais uma vez, um membro da nossa comunidade conhecido, amado e respeitado já não estar connosco. Zangada por mais uma alma negra talentosa e bonita partir demasiado cedo”.